Acórdão nº 2777/13.4TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução06 de Novembro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: B… Recorrido: R… Tribunal Judicial de Barcelos – 3º Juízo Cível. Veio o autor, R…, instaurar a presente acção de investigação de paternidade demandando R., B…, pedindo seja reconhecido como como filho do réu, com todas as legais consequências. A título de questão prévia, veio o A. suscitar a questão da inconstitucionalidade dos arts 1817º, nº 1 ex vi 1873º do CC..

Citado que foi de forma válida e regular, o R. contestou em tempo, e, pronunciando-se no sentido da improcedência da acção, pugnou ainda pela constitucionalidade do art. 1817º do CC e pela consequente caducidade do direito alegado pelo autor.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se decidiu a aludida questão prévia tendo sido declarado que o artigo 1817º, nº 1, na redacção dada pela Lei nº 14/2009, aplicável ex vi artigo 1873.°, ambos do Código Civil, porque viola os arts 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, é materialmente inconstitucional, não se verificando, por decorrência, a excepção de caducidade ou de preclusão quanto ao exercício o direito do autor, nos termos invocados pelo réu, julgando-se, consequentemente, improcedente essa alegada excepção.

Inconformada com tal decisão, apela o Réu, pugnando pela revogação da decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: “1ª Nesta acção de investigação e reconhecimento da paternidade, mostram os autos que o Autor tem 48 anos de idade, enquanto o Recorrente tem 70 anos de idade.

E na petição o Autor alega que, desde cerca dos 13 anos, já considerava o Recorrente como seu pai.

Por outro lado, os autos mostram que nunca foi intentada contra o Recorrente, nem pelo Ministério Publico nem pela mãe do Autor, qualquer acção tendente a averiguar se o Recorrente era pai do Autor.

Assim, com base no disposto no art.º 1817.º, 1 do C.C, o direito que o Autor exerce na presente acção esta extinto.

  1. a O Tribunal recorrido, no despacho saneador, julgou aquela norma inconstitucional, e assim, os autos prosseguem para instrução e julgamento, pois, no dizer do Tribunal recorrido, o disposto no art.º 1817.º, 1 do C.C viola o disposto nos art.ºs 18.º, 2 e 3, 26.º, 1 e 36.º, 1 do C.R.P.

  2. a Ao decidir assim o Tribunal desconsiderou direitos fundamentais do Recorrente, que o entendimento que fez vencimento assim viola, nomeadamente a sua integridade moral e psíquica e a estabilidade familiar, postos em causa pela incerteza da sua situação perante um suposto filho, que, caso assim o queira, só tira o suposto pai da dúvida, quando quiser. Por isso, o exercício do direito de investigação da paternidade não pode ser exercido a qualquer tempo, mas durante um período temporal razoável.

  3. a Assim, atendendo ao facto do Ministério Publico poder intentar a acção de investigação da paternidade nos primeiros dois anos de vida do investigante, podendo a sua mãe (ou outro seu representante legal, caso o não seja a sua mãe), intentar essa acção enquanto ele for menor, seguindo-se os primeiros mais 10 anos, apos o inicio da maioridade, tais períodos são bem razoáveis, nada justificando a incerteza perpetua do investigando.

  4. a A interpretação do tribunal coloca o Autor – e todos aqueles que estejam em idêntica situação – em situação de sujeição perpétua perante o Autor. Tal interpretação viola os direitos fundamentais do Recorrente, consagrados nos artigos 25.º, 26.º e 36.º, da C.R.P., bem como os princípios, também consagrados na Constituição, da dignidade da pessoa humana e de justiça (art.º 1.º); da alteridade e da segurança jurídica decorrentes da ideia do Estado de direito (art.º 2.º); o princípio da igualdade (art.º 13.º); o princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, 2); bem como o princípio do auto-responsabilidade, também decorrente da ideia do Estado de direito e do princípio de direito, que só existem, esta ideia e princípio, em sociedades de pessoas livres, por isso responsáveis, perante si e perante outros”.

* Contra alegou o Apelado, pugnando pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

* - Questão prévia.

Suscitou ainda o Apelado uma questão prévia, defendendo o indeferimento do recurso, pois que, não se estando perante um despacho saneador que decida sobre o fundo da causa, que conheça, mesmo que parcialmente, do pedido ou pedidos formulados pelas partes, e determine o prosseguimento do processo para conhecimento da parte restante, a decisão de improcedência da excepção só poderia ser impugnada com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, ao abrigo do disposto no artigo 644, nº 3, do C.P.C., e não através de um recurso imediato, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, como veio a suceder, devendo, por consequência, ser indeferido o requerimento de recurso interposto.

Como supra se referiu, na sequência de questão suscitada e discutida pelas partes nos articulados, foi proferido despacho saneador em que se decidiu declarar que o artigo 1817º,1, na redacção dada pela Lei nº 14/2009, aplicável ex vi artigo 1873.°, ambos do Código Civil, porque viola os arts 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP, é materialmente inconstitucional, não se verificando, por decorrência, a excepção de caducidade ou de preclusão quanto ao exercício o direito do autor, nos termos invocados pelo réu, julgando-se, consequentemente, improcedente essa alegada excepção.

Impõe-se, assim, apreciar da admissibilidade do recurso.

A interposição de recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais (cfr. art. 627º do C.P.C.), visando a intervenção de tribunal de categoria hierarquicamente superior, com a finalidade de obter a sua anulação, por erro de procedimento ou de julgamento, ou a sua substituição por outra[1].

A admissibilidade dos recursos constitui um dos reflexos do direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, pois que a reapreciação da decisão por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior se confere maiores garantias de acerto na solução do conflito que o processo tem por finalidade alcançar[2].

Contudo, o direito de acesso aos tribunais não integra, necessariamente, o direito ao recurso ou duplo grau de jurisdição, podendo o legislador ordinário (e vedada que lhe está a possibilidade de proceder, em bloco, à supressão do duplo grau de jurisdição), ampliar ou restringir os recursos civis, designadamente através dos pressupostos de admissibilidade[3].

Além do preenchimento de requisitos ou pressupostos gerais para a admissibilidade dos recursos ordinários (só estes interessam à análise da questão), importa ainda considerar a existência de normas que restringem a recorribilidade, isto é, impedem a interposição de recurso.

No caso dos autos, o despacho saneador apenas apreciou, considerando-as improcedentes, duas excepções peremptórias interligadas entre si – a da inconstitucionalidade de uma norma do código civil e a da eventual caducidade da presente acção.

Todas as demais questões suscitadas no âmbito da oposição foram, pois, relegadas para a decisão final, para tanto se organizando o despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova.

Ora, o artigo 644º, nº 1, alíneas a) e b), do C.P.C., elencando as decisões susceptíveis de recurso, estabelece caber recurso das decisões do tribunal de 1ª instância que ponham termo ao processo ou incidente processado autonomamente, e bem assim, do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.

As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância – não compreendidas no nº 1 ou nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo – podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (nº 3 do artigo em causa) ou, se não houver recurso da decisão final, podem as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente da decisão final ser impugnadas em recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão (cfr. nº 4 do art. 644º do C.P.C.).

Ora, salvo o muito e devido respeito, afigura-se-nos como incontroverso que a decisão ora em apreço, em contrário do que defende o Recorrido, se enquadra, indubitavelmente na situação prevista na alínea b), do nº 2, do art. 644º do C.P.C., no qual se prescreve que “cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa (…)”.

Como refere Abrantes Geraldes, “o despacho saneador que, independentemente do seu fundamento, ponha termo ao processo, está incluído na previsão da alínea a). Na alínea b), inscreve-se o despacho sanador que não ponha termo ao processo.

Ao invés do que se dispunha no art. 691, nº 2, do C.P.C., (anterior à reforma de 2007 e onde se dispunha que “a sentença e o despacho saneador que julguem da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória decidem do mérito da causa”), inexiste um preceito delimitador do conceito de decisão que incida sobre o “mérito da causa”. Apesar disso, considerando a evolução histórica, é possível concluir que o conceito que agora se retoma na alínea b), do nº 1), se encontra definitivamente estabilizado sem necessidade de expressa consagração...

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