Acórdão nº 741/13.2TBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | FILIPE CARO |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2014 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.
S.., intentou ação declarativa comum, sob a forma ordinária, contra F.., SA, , alegando essencialmente que, tendo celebrado com a R. um contrato de divisão e cessão de quotas, pelo qual esta lhe adquiriu uma quota social que possuía na sociedade B.., Lda., pelo preço de € 60.000,00, nada ainda lhe foi pago, apesar de a compradora ter sido notificada para o efeito.
A R. aproveita-se do facto de a A., confiante que a aquela lhe iria fazer o pagamento por transferência bancária, como já fizera com outros pagamentos, ter aposto na via do contrato pertencente à R., que já recebera aquele preço, bem sabendo a demandada que ainda nada pagou.
Sobre aquele valor vencem-se juros desde a data da celebração do contrato, o dia 10.3.2011, à taxa anual de 4%.
Deduz, assim, o seguinte pedido: «Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.a doutamente proverá deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada, e, por via dela decidir-se: -Condenar-se a Ré no pagamento de sessenta mil euros à Autora referente ao preço de aquisição da quota na sociedade B.., LDA, e respectivos juros de mora desde a data da outorga do contrato em 10 de Março de 2011, que nesta data já contabilizam 5600 euros, bem como os juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento.
- A Ré ser condenada em procuradoria e custas condignas.» (sic) Citada, a R. alegou, além do mais, que a A. deu quitação do recebimento do preço através da declaração que ficou exarada no documento que titula a cessão da quota, onde declara ter recebido o respetivo preço (e recebeu-o em mão, em dinheiro), o que configura uma presunção de pagamento.
Acrescentou que A. age em abuso de direito e litiga de má fé, devendo ser condenada a indemnizar a R. nas despesas e em indemnização condigna.
Replicando, A A. opôs-se à matéria de exceção alegada na contestação e reafirmou o fundamento da petição inicial, alegando, designadamente, que nunca o preço poderia ter sido recebido em mão por se tratar de uma empresa e o art.º 63º da Lei Geral Tributária obrigar, à data, que todos os pagamentos superiores a 9700 euros (atualmente mil euros) fossem efetuados mediante cheque, débito direto ou transferência bancária.
As partes não quiseram atribuir qualquer efeito ou relevância jurídica àquela declaração, tratando-se, por isso, de uma declaração não séria e, assim, nula, ao abrigo do art.º 245º, nº 1, do Código Civil, mantendo-se a obrigação de pagamento do preço (€ 60.000,00).
Ainda na réplica, a A. requereu a notificação a R. para “juntar aos autos os extractos bancários de todas as contas que possuía à data, com os movimentos entre 1 e 10 de Março de 2011”, pedido que foi reafirmado posteriormente, em novo requerimento probatório.
Considerando que o estado do processo permite conhecer do mérito da causa sem necessidade de produção ulterior de prova, o tribunal, na fase do saneador, proferiu sentença com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, tudo visto e considerado, decide-se julgar totalmente improcedente a vertente acção, absolvendo-se dos pedidos formulados a ré F.., SA.” (sic) No essencial, o tribunal atendeu à força probatória da declaração confessória do recebimento do preço por parte da A., considerando também que não existe qualquer prova documental adequada a indiciar o reclamado não pagamento do preço e, por isso, inadmissível a produção de prova testemunhal. Mais sustentou que não se verificam os pressupostos que levam a considerar a declaração em apreço como não séria nos termos do art.º 245.º, do Código Civil, dado que da própria alegação da A. se colhe a noção da inexistência de qualquer divergência intencional entre a vontade e a declaração (simplesmente, segundo a autora, esta teria feito a declaração na perspetiva de receber o valor em apreço ulteriormente).
* Inconformada, a A. recorreu da sentença, tendo apresentado alegações com as seguintes CONCLUSÕES: «1º O documento assinado pela Autora é um documento particular e nos termos do nº1 artº 376º (força probatória), do CC- O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
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Por sua vez o acórdão do STJ, de 23-11-2005, explicita que, “a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº1 do artº 376º do CC às declarações documentadas, limita-se à sua materialidade, isto é à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas” - processo nº 05B3318, in, www.dgsi.pt -.
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Assim não está vedado à Autora, demonstrar que tais declarações não correspondem à realidade dos factos ocorridos e a demonstração da desconformidade com a realidade das mesmas pode ser feita por qualquer outro meio de prova, incluindo testemunhal 4º Acresce que, e mesmo entendendo-se que se torna necessário um princípio de prova documental, foi requerida pela Autora na alínea C) dos requerimentos probatórios, a junção de documentos, documentos esses em posse da Ré, e que facilmente comprovariam que o pagamento nunca foi efectuado por aquela, nomeadamente em confronto com os depoimentos das testemunhas 5º O documento de quitação em causa não impunha já uma decisão de facto, mas sim uma averiguação concreta de como ocorreram os factos, e uma busca da verdade material.
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Acresce que foi alegado pela Autora na Réplica que a declaração de quitação feita pela Autora mostrava-se desconforme com a realidade, e efectuada no pressuposto do pagamento a breve prazo do valor da quota cedida.
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A Autora mostrara vontade de produzir tal declaração, mas nem Autora nem a Ré, na altura em que a declaração foi produzida, manifestavam vontade de lhe atribuir relevância jurídica, tratando-se de uma declaração não séria, sendo a declaração nula, conforme dispõe o artº245 nº1 do C Civil.
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Situação que não foi correctamente ponderada na sentença em recurso, já que, se a Autora declara que recebeu, e não recebeu de facto, há, salvo douto entendimento em contrário, uma divergência entre a vontade e a declaração, e sempre teriam que ser ouvidas as testemunhas acerca do vício de vontade alegado.
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Assim, violou a decisão recorrida, entre outros, o disposto nos artigos 376º , 245º nº1, 359 nº1 e 392º todos do Código Civil.» (sic) Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
A questão a decidir encerra apenas matéria de direito, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil[1]).
Impõe-se solucionar a seguinte questão: Saber se a ação deve prosseguir a sua normal tramitação, com produção de prova, nomeadamente documental e testemunhal relativamente à matéria de facto alegada, com decisão final posterior, seja porque: a) a tal não obsta a força probatória da declaração constante de um documento particular pelo qual se cedeu uma quota social, assinado pela cedente e pela cessionária, e no qual aquela declara expressamente ter recebido desta última o preço da venda da quota objeto do contrato (€ 60.000,00), nada mais tendo a receber; e b) se impõe a prova para averiguar da ocorrência de factos adequados à conclusão de que a recorrente emitiu uma declaração não séria e, por isso, nula nos termos do art.º 245º, nº 1, do Código Civil.
* III.
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos [2]: 1) Por acordo escrito intitulado de “contrato de divisão e cessão de quotas”, outorgado em...
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