Acórdão nº 1974/13.7TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DA PURIFICA
Data da Resolução10 de Julho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães RELATÓRIO A presente acção declarativa constitutiva, com processo comum ordinário foi intentada por C… contra M…, alegando, em síntese, que nasceu, no dia 5 de Junho de 1941. Do seu assento nunca constou a paternidade, sendo que o seu verdadeiro pai é J…. Este faleceu, a 19 de Outubro de 2000, sendo a ré a sua única filha. Para tanto, o autor alega a existência de relações sexuais entre o falecido e a sua mãe, C…, durante o período de concepção. Acresce que alega que o falecido sempre o tratou e reconheceu como filho, e o autor sempre o tratou como pai. Tal facto era até do conhecimento público.

Pede assim que se declare que o autor é filho de J….

Citada, a ré alega a caducidade da acão atento o disposto no art. 1817.º, do CC dizendo que o A. atingiu a maioridade a 5 de Junho de 1959, data a partir da qual dispunha de 10 anos para intentar a presente acção. Podia discutir-se, aliás, se o A. tinha ou não conhecimento de que J… seria seu pai e de tal forma, aproveitar-se ainda do prazo de 3 anos previsto na al. c) do nº 2 (conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação). Porém, face ao alegado, o A. há muito que teria conhecimento de quem seria o seu pai. Poderia, ainda discutir-se, se o A. ainda poderia beneficiar do prazo previsto na al. b) do nº 2 do artigo 1817º (cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai). Mais uma vez, o prazo há muito que se esgotou, pois que foi reconhecido e tratado como filho pelo pretenso pai até à morte deste. Ora, o pretenso pai faleceu a 19 de Outubro de 2000, ou seja, há mais de 13 anos. É assim óbvio que caducou o prazo para o A. intentar a presente acção. Por fim, a ré invoca a constitucionalidade do prazo legal supra mencionado e impugna os factos alegados pelo autor.

O autor responde alegando a inconstitucionalidade dos prazos previstos no art. 1817.º, do CC.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador-sentença com o seguinte teor final Face ao exposto, julga-se procedente a excepção peremptória da caducidade invocada pela ré e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.

Custas pelo autor.

Registe e notifique.

Apelou o Autor, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1. Além do mais, a invocação pela Ré da inconstitucionalidade do prazo legal da caducidade da ação e a impugnação dos fatos alegados pelo Autor, são insuficientes, para não dizer mesmo inexistentes.

  1. Contudo, o Tribunal" a quo" não só os considerou, como os valorou em favor da ré e em prejuízo do aqui recorrente.

  2. O Tribunal" a quo" também não valorou não levou em consideração que a identidade da pessoa humana é um direito pessoalíssimo e intangível, enquanto direito individual da pessoa humana e que os Estados não devem beliscar, pois configura assim um direito supranacional, que não pode ser violado.

  3. E salvo o devido respeito, com a fundamentação do Tribunal "a quo" que faz prevalecer os princípios de certeza e segurança jurídica sobre a verdade biológica.

  4. Não valorando ainda a doutrina maioritária citada pelo Tribunal Constitucional pende hoje para a inconstitucionalidade da existência de prazos nas ações de investigação de paternidade, previstos no artigo 1817° e 1873° do C. Civil, tornando assim o regime inaplicável pelos Tribunais e devendo então o direito dos filhos poder ser exercitado a todo o tempo, durante toda a vida.

  5. Assim, somos do entendimento que, o Meritíssimo Juiz" a quo" esteve mal ao decidir como decidiu.

  6. Repare-se que saber quem sou exige saber de onde venho, quais são os meus antecedentes genéticos, onde estão as minhas raízes familiares, geográficas e culturais.

  7. Pelo que esta faceta da pessoa - a historicidade pessoal - tinha de ser satisfeita através dos meios legais para demonstrar os vínculos biológicos e constituir as relações jurídicas correspondentes; 9. O limitar do direito de conhecimento da origem genética consagrado no mesmo preceito constitucional constitui uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

  8. Salvo melhor opinião, é nosso entender que pelas razões que estiveram na origem da declaração de inconstitucionalidade dos antigos artigos em questão, também a presente Lei 14/2009 de 1 de Abril ao fixar em 10 anos o prazo de interposição da açâo de investigação é manifestamente inconstitucional.

  9. Com efeito está em causa o interesse do recorrente em ver reconhecida a sua identidade pessoal e a constituição da família, sendo estes valores fundamentais que prevalecem sobre qualquer outro interesse emergente do nosso direito adjetivo.

  10. E ainda implicar-se nesta discussão o "direito á não descriminação" dos filhos nascidos fora do casamento.

  11. Tanto mais que o reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade tem de ter a maior abertura, tendencialmente, os filhos nascidos fora do casamento, não podem beneficiar de uma presunção de paternidade do marido.

  12. Com o devido respeito, que é muito, não se consegue perceber qual a linha de raciocínio adotada pelo Tribunal" a quo", uma vez que a constituição da República Portuguesa acolheu de forma inderrogável e irrefragável na sua...

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