Acórdão nº 400/12.3TBVLN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução05 de Junho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO Apelante: Companhia de Seguros…, SA.

Apelado: J… Tribunal Judicial de Valença Foi proferido nestes autos, em 28.10.2013, o seguinte despacho que se transcreve na parte em que interessa ao recurso em análise: “Por não ser pertinente nem dilatória, admito a prova pericial requerida que será realizada no Instituto Medicina Legal competente a realizar por um perito médico contratado, fixando como objecto da mesma os factos indicados pelas partes nos termos dos artigos 467.º n.º 3 e 476.º do C.P.C., indeferindo-se assim a realização de perícia colegial conforme requerida pela ré por atender ao mencionado art.º 567.º n.º 3 do C.P.C., a mesma é inadmissível.

Solicite ao Instituto Medicina Legal competente a designação de dia e hora para realização do exame médico-legal supra referido”.

Inconformado com tais decisões, delas interpôs recurso a Ré, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões: I- A perícia colegial requerida nos presentes autos, apesar de ser médica, não é de clínica médico-legal e forense; II- Não há, no caso, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis; III- Assim, considera a Ré não é aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004.

IV- O nº 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 prevê a inaplicabilidade do nº 1 desse mesmo preceito “aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente”; V- O artigo 468º n.º 1 alínea b) do NCPC estabelece que “A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares: b) quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475º e no nº 1 do artigo 476.º requerer a realização de perícia colegial ”, cabendo, nesse caso, ao tribunal iniciar um perito e a cada uma das partes outro (cfr artigo 468º n.º 2 do mesmo diploma); VI- As normas da alínea b) do n.º 1 e do nº 2 do artigo 468º do Código de Processo Civil, constituem um dos “normativos legais” a que alude o n.º 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 e que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.

VII- É, precisamente, por força dessa ressalva que que a perícia médica a realização no âmbito de um acidente de trabalho, prevista no artigo 138º do CPT, continua a ser realizada em moldes colegiais, com dois peritos indicados pelas partes e um outro pelo tribunal (cfr. 139º n.º 5); de facto, existe uma norma que prevê regime distinto ao da Lei 45/2004 - a do artigo 138º do CPT -, como ocorre nas perícias em direito civil por força dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2.

VIII- Será, pois, no disposto no artigo 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do NCPC, que se encontrará fundamento para a admissão da perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (ou GML) e os dois restantes por cada uma das partes.

IX- A realização da perícia em moldes colegais mostra-se, no caso, imprescindível, pelas vantagens que acarreta na descoberta da verdade material; X- A unanimidade dos três peritos (um deles indicado pelo GML) quanto a uma determinada conclusão desse relatório pericial, ressalvando, claro, as situações de erro técnico (muito menos provável de ocorrer com a intervenção de três peritos), constituiria uma absoluta certeza por parte do Tribunal de que a situação médica a examinar foi bem avaliada e não oferece qualquer dúvida, nem mesmo para a parte quem, eventualmente, pudesse ser menos favorecida com tal conclusão.

XI- Mesmo nas situações em que essa unanimidade não se verificasse, a intervenção de três peritos seria útil para que o Juiz, na qualidade de perito dos peritos, se pudesse aperceber das diferentes perspectivas que a mesma situação médica pode merecer, podendo formar a sua convicção de uma forma mais sustentada ou até aprofundar as matérias em que se verificasse essa divergência, de forma a apreciar a eventual justificação para a ausência de unanimidade nas respostas.

XII- A eventual discordância de um perito quanto às conclusões obtidas pelos demais, se fundada em razões sólidas, seria decisiva para que o Tribunal pudesse evitar uma decisão baseada em pressupostos inexactos.

XIII- Do mesmo passo, a presença e discussão entre os peritos, no decurso do próprio exame, dessas eventuais diferenças de perspectiva poderia ser suficiente para evitar conclusões erradas e ser conducente à pretendida unanimidade.

XIV- De um perícia singular levada a efeito no IML não pode resultar qualquer divergência, nem o Tribunal poderá aperceber-se das diferentes perspectivas para a mesma realidade, com o inerente prejuízo para a boa decisão da causa e para as partes, a quem é imposta uma determinada conclusão, muitas vezes subjectiva, do perito, sem que surja qualquer voz dissonante que alertem para o seu eventual desacerto.

XV- Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva forçadamente limitada ou insuficiente da realidade relevante.

XVI- Bem pelo contrário, o objectivo último do legislador é o de garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise.

XVII- Estando ao alcance do Tribunal ordenar uma diligência que garantirá essa maior amplitude na análise e, portanto, propiciará uma mais acertada constatação e avaliação dos factos médicos carecidos de prova, não vemos como possível que se possa rejeitar a sua realização nos moldes propostos.

XVIII- Atendendo ao relevante contributo que a discussão da questão médica a apurar por três peritos poderia trazer ao processo, será se convocar ainda a regra do artigo 547º do NCPC, como forma de admitir a perícia em moldes colegais, com intervenção de peritos das partes, o que expressamente se requer.

XIX- Estabelecia o anterior CPC, no seu artigo 590º alínea b), que “A segunda perícia será, em regra, colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles”.

XX- Atendendo ao sentido de tal norma, era de admitir que as partes aceitassem a realização da primeira perícia em moldes singulares, na expectativa de que, discordando do seu resultado, poderiam sempre requerer e ver admitida uma segunda perícia, esta a realizar em moldes colegiais.

XXI- Acontece que a norma homologa do NCPC, mais precisamente o artigo 488º alínea b), veio agora estabelecer que “Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela”.

XXII- Apesar de, no entendimento da recorrente, esta norma não poder ser interpretada no sentido de com a mesma se pretender impedir que, tendo a primeira perícia sido singular, a segunda seja colegial, será possível interpretação diversa, no sentido de que com a regra em causa se pretende reservar as segundas perícias colegiais para os casos em que a primeira perícia também o tenha sido.

XXIII- Nesse caso, se o Tribunal impedir a realização de primeira perícia em moldes colegiais, ficará irremediavelmente comprometida a realização de segunda perícia coma intervenção de três peritos.

XXIV- A impossibilidade de realização no processo de perícia colegial corresponde, claramente, a uma redução das garantias de defesa das partes. De facto, impede-se dessa forma que as partes...

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