Acórdão nº 757/1.3TBCBT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução12 de Junho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J… intentou contra a ré “Companhia de Seguros…, SA”, procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória, pedindo que a requerida seja condenada a pagar-lhe a renda mensal de € 1000,00, até que se mostre transitada em julgado a decisão que julgue o pedido formulado na ação principal. Alegou que a requerida já lhe vinha pagando tal renda, no valor de € 868,00, desde o acidente até 2011 e de € 1000,00, desde 2011, mas que cessou tal pagamento em Outubro de 2013, não tendo o requerente condições de subsistir sem a mesma.

Na data designada para a audiência a ré apresentou a sua contestação onde, aceitando a responsabilidade da sua segurada, alegou que foi antecipando a indemnização ao longo dos meses para suprir a falta de independência e autonomia do réu, decorrente do acidente, e a título de ajuda de terceira pessoa (num valor global de € 69.182,20), situação que hoje se encontra ultrapassada, uma vez que foi dado como curado, sem necessidade de qualquer ajuda ou assistência de terceira pessoa e com uma incapacidade permanente para o trabalho de 21 pontos.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas e junta diversa documentação clínica.

Foi proferida sentença que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, arbitrou a reparação provisória de € 600,00 a favor do requerente, condenado a requerida no seu pagamento desde 1 de Janeiro de 2014.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso o requerente, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1. Do teor dos elementos clínicos juntos aos autos – designadamente dos registos das consultas da especialidade de urologia – bem como do depoimento testemunhal de M…, M… e M…, resulta que o requerente, em consequência das lesões sofridas no acidente de viação, ficou a padecer de uma incapacidade sexual, designadamente disfunção eréctil, valorizada na Tabela Nacional das Incapacidades em Direito Civil, de 5 a 15 pontos.

2. Aliás, se o requerente (tal como resultou indiciado), foi submetido a intervenção cirúrgica para implante de prótese peniana – a qual representa uma solução para a disfunção eréctil, ou seja, para pacientes que apresentam dificuldade de erecção ou de mantê-la – é porque, obviamente, padece dessa mesma incapacidade.

3. Contudo, entendeu a M.ma Juiz a quo que, com a colocação da prótese peniana, tal incapacidade deixou de existir – o que não corresponde à verdade já que a colocação de uma prótese – neste caso uma prótese peniana – não tem o propósito - nem o conseguiria alcançar - de fazer desaparecer a incapacidade mas apenas o de ultrapassar algumas das consequências desfavoráveis dessa mesma incapacidade. Veja-se o exemplo de uma pessoa que perdeu uma parte do membro inferior e coloca uma prótese.

4. Assim sendo, face à prova documental e testemunhal produzida, deveria ter sido dada como indiciada a matéria de facto alegada em 9 do Requerimento Inicial, ou seja, que o requerente não tem capacidade de conseguir uma erecção suficiente para manter relações sexuais de coito completo.

5. O tribunal a quo considerou não indiciado o seguinte facto alegado pelo requerente em 12 do requerimento inicial: O requerente ”o) Está impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.”, não o considerando, por isso, na fixação do montante da renda mensal.

6. Salvo o devido respeito, não vemos como esta conclusão da M.ma Juiz a quo possa ser compatível com alguns dos factos considerados indiciados, respeitantes à situação clínica actual do requerente, entre eles, o facto de o requerente se encontrar privado dos sentidos do olfacto (anosmia) e do paladar (ageusia), apresentar limitações da mobilidade e flexão do joelho e perna direitos, padecer de limitações da mobilidade dos dois membros superiores e do tronco, não conseguir levantar pesos, elevar os braços, flectir ambas as pernas.

7. Na verdade, da factualidade apurada resulta evidente que o requerente padece actualmente de gravíssimas sequelas físicas e psicológicas, em resultado das lesões corporais sofridas no acidente, as quais se reflectem no seu dia-a-dia, tornando-o incapaz de executar as mais simples tarefas como ir ao supermercado para comprar a mercearia necessária para a semana (já que não consegue carregar sacos pesados ou garrafões de água ou mais do que dois pacotes de leite…) ou fazer a limpeza da sua habitação (já que não consegue elevar os braços para aceder aos locais mais altos ou flectir as pernas para aceder a locais baixos) bem como cozinhar as suas refeições.

8. As limitações descritas, que mais não são do que consequências inevitáveis das sequelas de que padece o requerente e que resultaram indiciadas nos autos, foram comprovadas pelas testemunhas M…, M… e M….

9. Não pode o tribunal a quo considerar – como considerou - que a apurada necessidade de ajuda de terceira pessoa foi suprida a partir do momento em que a senhora que foi contratada pelo requerente para a execução de tais tarefas (facto considerado indiciado pelo tribunal a quo) passou a viver em união de facto com o requerente, sem que tenha ficado indiciado ou sequer tenha sido alegado nos autos que desde essa altura o requerente não paga à senhora a respectiva remuneração que até aí vinha pagando.

10. Posto isto, face à prova supra-referida, deveria ter sido dada como indiciada a matéria de facto alegada em 12 do Requerimento Inicial, ou seja que o requerente ”o) Está impossibilitado de realizar sem auxílio de terceiros todos os actos relativos à sua vida diária, como cozinhar, arrumar a sua casa, preparar e cuidar das suas roupas.”.

11. Entende o requerente que o montante arbitrado pelo tribunal a quo se revela insuficiente para suprir as suas necessidades actuais, decorrentes do acidente de viação de que foi vítima.

12. Na verdade, conforme defende o requerente no presente recurso da matéria de facto, para além das necessidades básicas de alimentação, sustento e habitação, o requerente necessita ainda de ajuda de terceira pessoa para a realização de todas tarefas domésticas, incluindo a execução das refeições.

13. Por isso, ao montante da renda mensal arbitrada em 600,00€ há que acrescer o montante necessário para fazer face à necessidade de ajuda de terceira pessoa, que segundo as regras da experiência comum, se quantifica em montante não inferior a 400,00€, perfazendo um total de 1.000,00€.

14. Acresce que, o M.mo Juiz a quo, na fixação da renda mensal, adoptou o critério da indispensabilidade ao sustento, habitação e vestuário, previsto para os alimentos provisórios, quando na reparação provisória fundada em lesões corporais não se estabelecem limites em função do tipo de necessidade económica em que se encontra o requerente nem a reparação está limitada ao estritamente necessário para a satisfação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT