Acórdão nº 346/13.8TBBCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelESTELITA DE MENDON
Data da Resolução23 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães ***Com data de 26/05/2013 foi proferido o seguinte despacho saneador: “Atenta a simplicidade da causa e porque apenas se impõe a selecção da matéria de facto, dispensa-se a realização da audiência preliminar, passando-se a proferir despacho saneador.

* Despacho saneador I. Pressupostos processuais e regularidade da instância O tribunal é competente em razão da nacionalidade.

O Réu arguiu a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, com os seguintes fundamentos: 1- O Tribunal é incompetente em razão da matéria, verificando-se, pois, a sua incompetência absoluta – arts. 66º a contrario, 67º, 101º e 102º do CPC, 18.º da LOFTJ, 1º/1 e 4º/1/e) e f) e j) do ETAF, e 212º/3 da CRP.

2- É verdade aquilo que consta dos itens 1º, 2º, 3º e 4º (até “mês”, inclusive) da p.i.

3- Não obstante, verifica-se a incompetência deste Tribunal em razão da matéria.

4- Com efeito, atentando-se na decisão proferida pelo TAF de Braga, logo se intui que a mesma incorreu em manifesto lapso.

5- Começa tal decisão proferida por enunciar que “Águas do Noroeste, S. A., vem instaurar a presente acção administrativa comum, com processo na forma ordinária, contra António Mota Frago, pedindo que seja o R. condenado a pagar à Autora quantias relativas aos serviços contratados de abastecimento de água e saneamento, prestados pela Autora ao Réu”. – cfr. p. 1/5 da mesma.

6- Na mesma página lê-se ainda a seguinte passagem: “Desta forma, impõe—se apreciar, neste momento, concretamente, a questão da competência material deste tribunal para conhecimento da questão de cobrança de créditos a particulares de forma a impedir a prolação de uma decisão inútil …”.

7- Depois, na p. 2/5 lê-se: “O pedido da Autora, de condenação do Réu a pagamento de serviços prestados está excluído do âmbito da jurisdição administrativa porque a pretensão da Autora assenta no invocado direito de crédito, cuja origem se encontra na celebração de um contrato de prestação de serviços com um particular e surge por incumprimento por parte do particular da sua contraprestação, inequívoca questão cível relativa a matéria exclusivamente cível”.

8- Finalmente, na p. 4/5 lêem-se as seguintes passagens: “Ora, nos presentes autos, a actuação de ambas as partes litigantes não foi executada ao abrigo, ou aplicando normas de direito administrativo, a questão a dirimir traduz-se na cobrança de um crédito por parte da Autora a um particular” e “O crédito que a Autora pretende apurar não surge conectado com qualquer relação jurídica administrativa mas antes com uma relação de direito privado – incumprimento de uma obrigação resultante da celebração de um contrato de prestação de serviços”.

9- Toda a lógica da decisão proferida pelo TAF assentou, pois, numa relação estabelecida entre a Autora e um particular (justamente, o referido António Mota Frago) com a celebração de um contrato de prestação de serviços de fornecimento de água e de recolha de resíduos e girou à volta do incumprimento da contraprestação a que o particular se obrigou e do consequente crédito daí resultante para a Autora.

10- É um facto que a Mª. Juíza que proferiu a decisão, mais tarde veio rectificar o nome do Réu. – doc. 1.

11- Todavia, não atentou em que isso alterava toda a lógica da situação de facto apreciada e que nada tinha a ver com a situação constante da injunção instaurada pela Autora.

12- Na verdade, o Réu não era nenhum particular, mas antes o Município de Valença, que é uma pessoa colectiva territorial de direito público.

13- E também o litígio não assentava, simplesmente, num mero contrato de prestação de serviços, mas antes num contrato de fornecimento contínuo de água “em alta” e de recolhe de efluentes, celebrado entre a concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Minho e Lima (mais tarde, do Noroeste).

14- Ele assentava, essencialmente, num Protocolo celebrado entre as partes outorgantes no mesmo, a então concessionária Águas do Minho e Lima, S. A. e o Município de Valença, com direitos e obrigações de diferente natureza nele estabelecidos e abrangendo matérias variadas, nomeadamente o desenvolvimento dos projectos de execução das redes de distribuição de água e de recolha de efluentes em “baixa” do Município Réu, com a promoção dos respectivos procedimentos pré-contratuais públicos de acordo com o regime previsto para a contratação pública, o desenvolvimento do Plano de Acção para a realização das redes de distribuição de água e de recolhe de efluentes em “baixa” de todo o Sistema, incluindo as do Município Réu, com a definição dos montantes totais do investimento, o cronograma de desenvolvimento e as prioridades, de modo a poderem ser objecto de candidatura aos fundos comunitários previstos para o QREN que vigoraria entre 2007 e 2013, a transferência para o Município dos projectos de execução desenvolvidos no âmbito do Protocolo, a forma do seu pagamento, etc., etc. – cfr. doc. 6.

15- Por outro lado, a Autora foi constituída pelo DL. 41/2010, de 29 de Abril, que simultaneamente criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste, integrando como utilizadores originários os municípios de Amarante, Amares, Arcos de Valdevez, Barcelos, Cabeceiras de Basto, Caminha, Celorico de Basto, Esposende, Fafe, Felgueiras, Guimarães, Lousada, Maia, Melgaço, Monção, Mondim de Basto, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Póvoa de Lanhoso, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Terras do Bouro, Trofa, Valença, Viana do Castelo, Vieira do Minho, Vila do Conde, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Famalicão, Vila Verde e Vizela, sendo que o mesmo veio substituir o sistema multimunicipal de captação, tratamento e abastecimento de água do norte da área do Grande Porto, criado pela alínea d) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Minho - Lima, criado pelo Decreto –Lei n.º 158/2000, de 25 de Julho (no qual o Réu se integrava), e o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Vale do Ave, criado pelo Decreto -Lei n.º 135/2002, de 14 de Maio. – cfr. artigos 1º, 2º e 4º.

16- A Autora é, aliás, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, constituída mediante a fusão das sociedades Águas do Cávado, S. A., Águas do Minho e Lima, S. A., e Águas do Ave, S. A. – artigo 4º/1.

17- Nos termos do artigo 10º, o membro do Governo responsável pela área do ambiente ficou autorizado a celebrar em nome e representação do Estado o contrato de concessão do sistema com a Autora, a ser outorgado no prazo máximo de dois meses contados da data de entrada em vigor do diploma, retroagindo os seus efeitos ao 1.º dia útil do mês seguinte àquele em que se viesse a operar a fusão das sociedades, prevista no n.º 3 do artigo 4.º do mesmo.

18- E sendo ainda que, nos termos do artigo 11.º, a articulação entre o sistema explorado e gerido pela concessionária (isto é, pela Autora) e o sistema correspondente de cada um dos municípios utilizadores seria assegurada através de contratos de fornecimento e recolha a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios.

19- E a verdade é que a Autora veio a celebrar com o Estado Português, em Guimarães, em 30 de Junho de 2010, a referida concessão, mediante a qual lhe foi atribuído, em exclusivo, a concessão, gestão e exploração, que abrangia a conceção, construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção, do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste, ficando, em consequência, investida em várias prerrogativas de direito público, incluindo o direito de recorrer ao instituto das expropriações por utilidade pública.

20- E foi nessa qualidade de concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste que a Autora (e a sua antecessora, Águas do Minho e Lima, S.A., que também ela tinha celebrado com o Estado Português um contrato de concessão semelhante), estabeleceram relações com o Réu e com os restantes municípios por ele abrangidos, seja no que respeita ao Protocolo de Espinho, que adiante se fará referência, seja em relação aos fornecimentos de água em “alta” e de recolha de efluentes, que constituía sua obrigação nos termos da concessão já referida.

21- Estamos, assim, claramente, no domínio de relações de duas entidades que prosseguem interesses públicos relevantes e que nessa qualidade assumiram direitos e obrigações recíprocos.

22- Por isso, as relações entre si estabelecidas são relações administrativas e a resolução dos respectivos conflitos compete, claramente, aos tribunais da jurisdição administrativa, e jamais aos tribunais judiciais.

23- E mesmo os contratos de aquisição de serviços ou de prestação de serviços (na óptica do prestador) celebrados pelo Município, seja com um particular, seja, por maioria de razão, com um concessionário de serviço público ou de exploração de bens do domínio público, são sempre contratos de direito administrativo, como claramente são definidos nos artigos 1º/6, 278º e 450º do Código dos Contratos Públicos.

24- Está, pois, em causa matéria que se integra no âmbito da jurisdição administrativa.

25- Pelo que se verifica a invocada incompetência material deste Tribunal.

26- A incompetência absoluta do Tribunal constitui excepção dilatória que expressamente se invoca. – arts. 101.º, 105.º, 493º/1 e 2, 494º/a) e 495º do CPC.

27- O Tribunal encontra-se, assim, impossibilitado, de conhecer do mérito da causa, motivo pelo qual se impõe a absolvição da instância do R. Município de Valença.

A Autora responde alegando o seguinte: 1. Alega o R. a incompetência material deste tribunal para a presente causa.

  1. É certo que se tem entendido, maioritariamente, que para a matéria como a que neste processo se discute são competentes os Tribunais Administrativos.

  2. Por essa razão, indicou...

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