Acórdão nº 257/12.4TBAMR-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO No âmbito da reclamação de créditos deduzida por apenso aos autos de insolvência da Sociedade de Construções B, Lda.

, apresentou o Sr. Administrador da Insolvência uma lista dos créditos reconhecidos, composta por duzentos e nove credores, após o que veio a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Notificada, veio a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do A (…), Crl (CCAMA…) requerer a rectificação da sentença, invocando a existência de lapso traduzido no facto de terem sido graduados como privilegiados os créditos dos trabalhadores no que tange ao prédio rústico apreendido para a massa, uma vez que na lista acima referida o Sr. Administrador não reconheceu aqueles créditos como privilegiados, o que não foi objecto de qualquer impugnação pelos trabalhadores.

Notificados deste requerimento todos os mandatários das partes no processo e o administrador da insolvência, apenas este respondeu, confirmando que os créditos reclamados pelos trabalhadores e reconhecidos como privilegiados nos termos do art. 333º do Código do Trabalho e 737, nº 1, al. d), do Código Civil, foram apenas os respeitantes aos dois prédios urbanos por se ter considerado como aqueles em que os trabalhadores prestavam o seu trabalho.

Foi então proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos rectificada, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, graduo os supra mencionados créditos pela ordem seguinte: Para serem pagos pelo produto dos imóveis descritos na CRP de Amares sob os n.ºs 13/Bico e 81/Bico: 1.- Créditos dos trabalhadores.

  1. - Créditos da CCAMA… (até ao montante garantido pelas hipotecas) 3.- Fazenda Nacional.

  2. - ISS.

  3. - Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.

    ********* Para serem pagos pelo produto do imóvel descrito na CRP de Amares sob o n.º 315/Figueiredo: 1.- Créditos da CCAMA… (até ao montante garantido pela hipoteca) 2.- Fazenda Nacional.

  4. - ISS.

  5. - Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.

    *********** Para serem pagos pelo produto dos móveis apreendidos: 1.- Créditos dos trabalhadores.

  6. - Créditos da N… (até ao limite do penhor e apenas sobre os bens objecto dessa garantia).

  7. - Fazenda Nacional.

  8. - ISS.

  9. - Demais créditos, sendo que os sob condição só após a verificação desta.

    *** As custas serão suportadas pela massa insolvente.

    Notifique.

    Registe.» Inconformados, recorreram os trabalhadores/credores A… e M…, os quais encerraram o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões: «1. A sentença recorrida graduou os créditos laborais, designadamente os dos recorrentes, relativamente ao produto da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o nº 315/Figueiredo em quarto lugar.

  10. A sentença recorrida não fez porém qualquer referência, na sua fundamentação, aos motivos justificativos dessa graduação.

  11. A sentença recorrida não identificou quais dos imóveis apreendidos nos autos considerou terem sido local de trabalho dos credores laborais, 4. bem como não justificou os motivos, de facto e de direito, pelos quais considerou os créditos dos recorrentes relativamente ao imóvel descrito na CRP de Amares sob o nº 315/ Figueiredo como créditos comuns.

  12. A falta de especificação dos fundamentos de direito e de facto justificativos da decisão é causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 688º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, pelo que deve a sentença recorrida ser considerada nula.

  13. Dispõe o artigo 333º nº 1 alínea b) do Código do Trabalho que “os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.

  14. Os recorrentes alegaram, nas suas reclamações de créditos, que prestavam a sua actividade em todos os imóveis propriedade da insolvente, nomeadamente no imóvel sito no Loteamento de São Veríssimo, da freguesia de Figueiredo, concelho de Amares.

  15. Os recorrentes alegaram, nas reclamações de créditos apresentadas, que prestavam as funções inerentes às categorias profissionais de Motorista e Escriturária.

  16. Ou seja, os recorrentes alegaram que prestaram as suas actividades profissionais em todos os imóveis da insolvente.

  17. O privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º do Código do Trabalho abrange todos os imóveis nos quais o trabalhador tenha prestado a sua actividade, não prevendo essa norma jurídica qualquer limitação ou exclusão ao âmbito de aplicação do referido privilégio.

  18. Nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, “o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados “.

  19. Entendeu também o Tribunal da Relação de Coimbra que “do objecto do privilégio em presença apenas se exclui o património do empregador não afecto à organização empresarial…”.

  20. Se o legislador tivesse querido restringir a atribuição do privilégio constante do artigo 333º do Código do Trabalho aos imóveis onde o empregador tivesse a sua sede, teria certamente dado outra redacção a esse artigo, referindo claramente que esse privilégio recairia apenas sobre o imóvel onde funcionasse a sede da empresa.

  21. A insolvente exercia a actividade industrial de construção civil, definindo-se esta como a actividade que engloba a execução de várias obras.

  22. A construção civil é uma actividade que se exerce nas várias obras que as empresas têm em execução, e não apenas nas instalações onde funcionam as sedes das empresas.

  23. Na construção civil o local de trabalho não é fixo, exercendo o trabalhador a sua actividade em vários lugares e obras, e não apenas no local da sede da empresa.

  24. Os recorrentes foram contratados para exercerem funções de motorista e de escriturária, donde se conclui, pela natureza dessas actividades, que o local onde prestavam a sua actividade não seria apenas na sede da insolvente mas preferencialmente nas obras que esta tinha em curso.

  25. O artigo 333º do Código do Trabalho refere claramente todos os imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, não fazendo qualquer exclusão aos imóveis advenientes para a empresa no exercício da sua actividade.

  26. Se o legislador tivesse querido excluir do âmbito do privilégio imobiliário especial atribuído aos credores laborais os imóveis advenientes para as empresas do exercício da sua actividade, teria dado outra redacção ao artigo 333º do Código do Trabalho na qual expressamente referisse essa exclusão.

  27. Decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça que o legislador pretendeu que os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente a todos os bens imóveis integrantes do património dos insolventes afectos à sua actividade empresarial e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalhavam, e independentemente do seu particular posto e local de trabalho ser no interior ou exterior das instalações.

  28. Nos termos do disposto no artigo 751º do Código Civil os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que as garantias sejam anteriores.

  29. Dispõe ainda o nº 1 do artigo 686º do Código Civil que a hipoteca confere ao credor o direito a ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

  30. Resulta assim da conjugação destes normativos legais que a garantia real e a preferência no pagamento conferidas pela hipoteca cedem perante privilégio especial.

  31. Tendo os recorrentes prestado a sua actividade em todos os imóveis apreendidos para os autos, deve considerar-se que os mesmos beneficiam de privilégio imobiliário especial relativamente a todos os imóveis da insolvente e, consequentemente, graduá-los em 1º lugar.

  32. A decisão recorrida, tendo considerado que os recorrentes apenas prestaram a sua actividade ao serviço da insolvente em dois dos imóveis apreendidos para os autos, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei.

  33. A decisão recorrida, ao não considerar para efeitos de atribuição do privilégio imobiliário especial constante do artigo 333º do Código do Trabalho todos os imóveis apreendidos nos autos, fez incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 333º do Código do Trabalho e dos artigos 686º nº 1 e 751º do Código Civil.

  34. Em consequência, a sentença recorrida ao graduar à frente dos créditos dos recorrentes o crédito do credor hipotecário, da Fazenda Nacional e da Segurança Social relativamente ao produto da venda do imóvel descrito na CRP de Amares sob o nº 315/Figueiredo, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, pelo que deve ser revogada.» A credora CCAMA… contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: «1. Foi junta aos autos pelo Administrador da Insolvência a relação definitiva a que alude o art. 129º do CIRE, dos créditos reconhecidos e não reconhecidos e respectiva graduação.

    Nesta o AI não graduou os trabalhadores como privilegiados no que toca ao prédio em questão (imóvel descrito na Conservatória de registo Predial de Amares sob o nº 315/Figueiredo ).

  35. A relação a que alude o art. 129º do CIRE não foi objecto de impugnação pelos trabalhadores ora recorrentes.

  36. O AI enviou por correio electrónico para a Mandatária dos trabalhadores a relação a que alude o 129º do CIRE com uma nota ( 19 ) inclusa na mesma com o seguinte teor "Reconhecido privilégio imobiliário especial apenas em relação aos edifícios sede e armazém: Prédio urbano - descrito na CRP de Amares sob o nº 13, inscrito na matriz predial urbana com o art. 422, freguesia de Bico, Amares e prédio urbano – descrito...

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