Acórdão nº 986/11.0TABRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução31 de Março de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães * I- Relatório Keven A... foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravado pelo resultado, p. e p. pelo disposto nos artigos 144º, alínea d), 145º, nºs 1, alínea b) e 2 e 147º, nº1, todos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão.

Inconformado recorre o mesmo, suscitando, em síntese, as seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - qualificação jurídica dos factos; - aplicabilidade do regime especial para jovens e - medida da pena e respectiva suspensão.

* O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

* II- Fundamentação

  1. Factos provados 1. No dia 9 de Abril de 2011, o arguido Keven, juntamente com dois colegas da Faculdade, um dos quais o Célder F..., depois de terem estado a fazer um trabalho de grupo para a Faculdade, dirigiram-se ao “B... Bar” sito na Rua P..., em Braga, onde se encontraram com outros cabo-verdianos e ingeriram bebidas alcoólicas.

  1. Cerca das 4h30m da madrugada, dirigiram-se para a “Roullote do X... Bifanas” que se encontrava aparcada no largo do antigo mercado abastecedor de Braga, junto à rotunda das piscinas desta cidade.

  2. Quando aí chegaram, já embriagados, o arguido Keven começou a discutir, de forma exaltada, com alguns dos cabo-verdianos que faziam parte do grupo que o acompanhava, tendo inclusive agarrado numa pedra do chão, em gesto de exaltação, mas veio a lançá-la ao chão.

  3. Depois de ter sido interpelado pelos seus amigos, a pedido do proprietário da roulotte, para evitar com tal comportamento, acabou por também se dirigir contra os mesmos, insultando-os.

  4. Por causa do mal-estar e confusão que o arguido causou, e tendo em vista evitar as suas investidas, alguns dos cabo-verdianos que faziam parte do grupo, nomeadamente o Eloi S... e os seus primos Péricles M... e Cleide M..., optaram por abandonar o local e recolher a suas casas, tendo seguido em direcção à rotunda das piscinas.

  5. Logo atrás e na mesma direcção seguia o Keven e um grupo de amigos.

  6. Na rotunda que dá acesso ao B..., o Eloi S... foi abordado por António P..., nascido em 14/12/1950, filho de José P... e de Engrácia L..., também conhecido pela alcunha de “L...”, que lhe pediu um isqueiro, ao que aquele acedeu, após o que começaram a conversar.

  7. O arguido Keven, ao passar pelo local onde o Eloi e o “L...” se encontravam a conversar, e ao invés de prosseguir a sua marcha com os amigos, sem que nada o fizesse prever e sem nada dizer, dirigiu-se ao “L...”, arrancou-lhe os óculos de sol que este trazia colocados na cabeça e atirou-os para o chão, partindo-os, sem qualquer motivo e sem que a vítima tivesse reagido.

  8. Depois de o Eloi ter ajudado o “L...” a apanhar os óculos partidos, o arguido, que entretanto se afastara alguns metros, repentinamente e de forma inesperada, também sem proferir qualquer expressão, correu na direcção do António P... e, quando se aproximou dele a correr, deu um salto, projectou a perna e desferiu um pontapé contra o peito deste.

  9. Mercê do impacto, o António P... foi projectado de forma abrupta e desamparada para o solo, caindo de costas e embatendo violentamente com a cabeça no asfalto, na sequência do que ficou inanimado e sem dar acordo de si, a sangrar pelo ouvido do lado esquerdo e pela parte posterior da cabeça.

  10. O arguido aproximou-se e efectuou um movimento com um dos pés próximo da face dele sem que o tivesse atingido.

  11. Em consequência da conduta do arguido e, concretamente, do embate da cabeça no chão ocasionado pela queda sofrida, o António P... sofreu as lesões melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal junto a fls. 169 a 178 dos autos – cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, designadamente: a) ao nível do hábito externo: equimose na cabeça na região periorbitária à esquerda de tonalidade amarelo-esverdeada e otorragia à esquerda; duas equimoses de tonalidade esverdeada no tórax, uma na região paraesternal direita com um e meio por dois centímetros de maiores dimensões e outra na região paraesternal esquerda, com três e meio por dois centímetros de maiores dimensões.

    1. ao nível do hábito interno: na cabeça: infiltração hemorrágica do couro cabeludo e aponevrose epicraniana nas regiões frontal, temporal e parietal esquerdas, bem como do músculo temporal homolateral; edema exuberante global do couro cabeludo e aponevrose epicraniana; traço de fractura com infiltração sanguínea dos bordos ósseos, linear e oblíquo no sentido antesposterior, estendendo-se pela região parietal à direita, com oito centímetros de comprimento; traço de fractura com infiltração sanguínea dos bordos ósseos, irregular, estendendo-se desde a porção petrosa do osso temporal esquerdo até ao occipital, sobre a linha média, com treze centímetros de comprimento; infiltração sanguínea difusa da dura-máter sobre o hemisfério esquerdo, sendo no hemisfério direito mais evidente sobre as regiões frontal e parietal; hemorragia subdural frontal bilateral, temporal esquerda e em toda a base do encéfalo; hemorragia sub-aracnoideia, em toalha, sobre toda a superfície de ambos os hemisférios; protrusão do tecido encefálico através da janela óssea, compatível com aumento da pressão intracrania; destruição extensa do tecido encefálico (córtex e substância branca) nos lobos temporal e parietal esquerdos; parênquima globalmente congestivo e muito edemaciado, com apagamento acentuado dos sulcos e achatamento das circunvoluções; áreas de contusão cortical em ambos os lados frontais e parietais, face lateral do lobo temporal esquerdo e base do direito; hemorragia intraparenquitamosa no lobo frontal direito; hemorragia tetraventricular. E ao nível do tórax: - ao nível da pleura parietal e cavidade pleural direita: derrame pleural de cinquenta milímetros, de tonalidade amarela citrina; ao nível da pleura parietal e cavidade pleural esquerda: derrame pleural de cinquenta milímetros, de tonalidade amarela citrina; aderências fibrinosas pleuro-parietais e pleuro diafragmáticas.

  12. A morte de António P... ocorreu no dia 12 de Abril de 2011, pelas 22h40m, após internamento hospitalar em mau estado geral, resultado das múltiplas lesões traumáticas crâniomeningoencefálicas descritas, que foram causa directa e necessária da mesma, resultantes de violento traumatismo de natureza contundente decorrente da agressão de que foi vítima.

  13. Aquando dos factos o arguido tinha 20 anos, 1,88m de altura e 89 Kgs de peso enquanto que o “L...” tinha 60 anos, 1,57m de altura e 80 Kg de peso, o que era aparentado pela vítima e o arguido não podia ignorar.

  14. O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do António P..., nas circunstâncias descritas, sem que para tal a vítima tivesse contribuído, bem sabendo que tal não lhe era permitido ou consentido.

  15. Sabia o arguido que ao agredir o António P... daquela maneira brutal, surpresa e absolutamente injustificada, na parte do corpo que procurou atingir, o iria projectar no solo de forma desamparada e que a violência do impacto e da queda poderiam originar lesões em órgãos vitais, como veio a suceder, e que desse modo colocava em perigo a vida dele, cuja morte representou como possível, embora confiando que a mesma não sobreviria, como efectivamente sobreveio, em consequência da agressão por si produzida.

  16. Agiu sempre o arguido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei penal e ainda assim não se absteve de a empreender.

  17. Aquando dos factos, o arguido encontrava-se perturbado por assunto relacionado com a gravidez da namorada.

  18. No dia 9 de Abril de 2011 deslocou-se para Lisboa, onde permaneceu até ao dia 15 desse mês, dia em que regressou a Braga depois de ter sido contactado telefonicamente por um agente da PJ.

  19. Durante o período que esteve em Lisboa não procurou saber em que estado estava a vítima.

  20. Nunca contactou com familiares da vítima.

  21. Foi criado pelo pai e pela madrasta, tem três irmãos e mantém contactos telefónicos com a mãe que reside há vários anos na Holanda.

  22. O seu pai tem um armazém de comércio e importação de bens alimentares e de construção civil.

  23. Frequentou o ensino em Cabo Verde até ao 12º ano de escolaridade e nos tempos livres ajudava o pai no estabelecimento comercial.

  24. À data dos factos frequentava o 1º ano da licenciatura em “Tecnologias de Informação e Comunicação” da Universidade Católica de Braga.

  25. Actualmente frequenta o 2º ano do mesmo curso, com aproveitamento e adequada integração no meio académico, cujos encargos são assumidos pelo pai.

  26. É descrito pelos professores como calmo e responsável.

  27. Dispõe de uma mesada de € 250,00 com a qual paga a renda partilhada do apartamento no montante de € 81,00 e € 40,00 de água, luz e gás.

  28. Durante as manhãs frequenta as aulas e de tarde fica a cuidar da filha com seis meses, cujo nascimento não foi programado e resultou do relacionamento afectivo com uma colega universitária da mesma nacionalidade.

  29. Aprecia a prática desportiva e joga habitualmente futebol com amigos e colegas.

  30. Mantém contactos regulares e assíduos com os familiares que residem em Cabo Verde.

  31. Não tem antecedentes criminais.

    * B) Factos Não Provados 1. Na “Roullote do X... Bifanas” o arguido perturbou os clientes que se encontravam junto à roullote, dirigindo-lhes palavras insultuosas e provocadoras, colocou-se em frente dos mesmos, numa postura ameaçadora, procurando causar desacatos com eles.

  32. O arguido desferiu o pontapé quando o Eloi se afastava com o L....

  33. O arguido tinha conhecimentos de artes marciais.

  34. Agiu com o intuito de demonstrar a sua força e superioridade física.

    * C) Motivação de Facto Os factos provados relativos ao comportamento do arguido no “B... Bar” decorreram dos depoimentos das...

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