Acórdão nº 636/13.0PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução17 de Março de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães * I- Relatório Juliano F... foi condenado pela prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204°, nº2, al. e) CP, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão efectiva.

Inconformado recorre o arguido suscitando, em síntese, as seguintes questões: - qualificação jurídica dos factos (mera tentativa); - não verificação da reincidência; - medida da pena e respectiva suspensão.

* O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* II- Fundamentação

  1. Factos provados a) No dia 15 de Junho de 2013, no período compreendido entre as 01h00 e a 01h40m, o arguido Juliano F... dirigiu-se à clínica dentária "A...R...", sita na Alameda A, S. Paio, Guimarães, com o propósito de aí entrar e de se apoderar dos objetos e valores que lhe viessem a interessar.

  1. Em execução deste seu propósito, o arguido apoiando-se na caixa de ar condicionado trepou o muro de vedação do logradouro do prédio onde está instalada a clínica e, de seguida, já no terraço do prédio, acedeu a uma das portas exteriores das traseiras do edifício, que logrou abrir forçando a fechadura, tendo, desta forma, penetrado no interior das instalações da clínica.

  2. No interior do imóvel, o arguido percorreu várias salas e remexeu móveis e gavetas em busca de bens e valores.

  3. Chegado à sala de receção, o arguido abriu a gaveta do balcão de atendimento ao público, de onde retirou um envelope com a quantia de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), em notas, propriedade de João R..., que o arguido colocou nas cuecas, junto ao seu corpo, dele se apropriando.

  4. Quando o arguido se preparava para abandonar as instalações da clínica, foi surpreendido pelas autoridades policiais, que o encontraram escondido por debaixo do balcão da receção e o detiveram.

  5. O arguido agiu da forma supra descrita com o intuito concretizado de entrar num espaço fechado da forma como o fez e de fazer sua a quantia de 485,00€ (quatrocentos e oitenta e cinco euros), bem sabendo que esta não lhe pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

  6. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  7. O arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, por sentença transitada em julgado em 06/12/2004, pela prática em 09/10/2002, de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210° do Código Penal e, por decisão transitada em julgado em 17/10/2006, a suspensão da pena de prisão foi revogada.

  8. O arguido foi condenado na pena de 8 meses de prisão, por acórdão transitado em julgado em 27/07/2007, pela prática em 08/06/2004, de um crime de furto qualificado, p. p. pelo artigo 203°, nº1 e 204°, nº2, aI. e) do Código Penal.

  9. O arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por acórdão transitado em julgado em 21/09/2009, pela prática em 28/08/2004, de um crime de furto qualificado, p. p. pelo disposto nos artigos 203°, nº1, 204°, nº1 e nº2, aI. e), do Código Penal.

  10. O arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão, por acórdão transitado em julgado em 25/03/2010, pela prática entre 31/05/2004 e 08/11/2004 de 14 crimes de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203°, nº11 e 204°, nº2, aI. e) do Código Penal; 1 crime de furto qualificado na forma tentada, p. p. pelos artigos 203°, nº1 e 204°, nº2, aI. e) e 22°, 23° do Código Penal; 3 crimes de furto simples, p.p. pelo artigo 203°, nº1 do Código Penal; 3 crimes de roubo, p. p. pelo artigo 201°, nº1 do Código Penal e 2 crimes de roubo qualificado, p.p. pelo artigo 210°, nº1 e 2, aI. f) do Código Penal.

    I) Por acórdão cumulatório, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, tendo sido libertado em 23/04/2012.

  11. Tais condenações sofridas pelo arguido, bem como o facto de ter cumprido penas de prisão, não constituíram suficiente prevenção contra a prática de outros crimes, já que, apesar das mesmas, o arguido não se absteve de praticar os factos supra descritos, demonstrando, desta forma, uma clara indiferença ao aviso de que lhe deveriam ter servido as anteriores condenações.

  12. Dá-se aqui por reproduzido, para além do já referido, o teor do seu certificado de registo criminal de fls. 218 a 227.

  13. O processo de desenvolvimento de Juliano F..., que é o mais velho de 3 irmãos, decorreu no contexto do seu agregado familiar de origem, em ambiente avaliado como estruturado e funcional, e com condições económicas, embora modestas, capazes de suprir as necessidades da família.

    Ingressou no sistema educativo na idade regulamentar, sem evidenciar dificuldades de maior na aprendizagem ou na interação com os diversos interlocutores da comunidade escolar. Contudo, na frequência do 2° ciclo do ensino básico passou a registar desmotivação pelas atividades académicas, acabando por abandonar a escola sem concluir o 6° ano de escolaridade.

    Iniciou o seu percurso laboral com cerca de 15 anos de idade, trabalhando com o pai, o qual à data exercia atividade como estofador de automóveis, por conta própria. Posteriormente, trabalhou, aproximadamente um ano, numa loja de mobiliário e eletrodomésticos, mantendo durante esse mesmo período um percurso regular.

    Envolveu-se no consumo de estupefacientes aos 14 anos de idade, comportamento que evoluiu rapidamente para a dependência, constituindo-se fator de desestruturação aos níveis pessoal, familiar e profissional. A partir de então, protagonizou comportamentos desviantes que determinaram o contacto com o sistema de administração da justiça penal, por crimes contra o património.

    No seu percurso de toxicodependência, efetuou algumas tentativas de tratamento, nomeadamente no CRI de Guimarães, e no "Projeto Homem"- promovido pela Fundação Cupertino de Miranda - em Braga, em regime de internamento, contudo sem lograr alcançar a superação consolidada desta problemática.

    Aquando da prática dos factos constantes na acusação, e próximo da determinação da prisão preventiva à ordem dos presentes autos, em Julho do corrente ano, o arguido permanecia integrado no seu núcleo familiar de origem desde o termo da anterior pena de prisão em 23/04/2013.

    Em Maio, logrou inserir-se profissionalmente numa empresa do sector têxtil, sedeada em Pencelo, Guimarães, com o apoio de uma tia que aí trabalha, e, paralelamente, evidenciava uma situação de controlo da problemática aditiva.

    Contudo, ao fim de cerca de um ano recaiu no consumo de tóxicos, que o próprio justifica com a sua dificuldade em gerir o período subsequente à anterior reclusão que conheceu, considerando que à data foi excessivo e muito jovem, o que acarretou consequências.

    Ainda efetuou uma tentativa de tratamento na Clínica Dr. Nuno S..., em Arões, Fafe, porém, acabou por desistir pouco tempo depois, pelo que à data da presente reclusão o seu comportamento era condicionado por esta problemática, encontrando-se nomeadamente em situação de inatividade laboral.

    Na sequência da sua detenção, a família mantém uma atitude apoiante, consubstanciada em visitas regulares e disponibilidade para uma vez mais o reintegrar no agregado.

    A subsistência do agregado é assegurada com o subsídio de desemprego auferido pela mãe, cerca de 400 euros mensais, a qual neste momento possui um projeto em curso para a promoção do autoemprego. O irmão, com 20 anos de idade, encontra-se desempregado, e a irmã, com 15 anos, é estudante.

    Consideram que através de uma gestão rigorosa dos recursos disponíveis, e com o apoio das irmãs da progenitora, conseguem fazer face às necessidades de subsistência.

    Os pais encontram-se presentemente divorciados, situando-se o apoio do pai essencialmente no plano afetivo, visitando-o no estabelecimento prisional.

    Profissionalmente, a família verbaliza a possibilidade daquele voltar a trabalhar na empresa têxtil onde exerceu funções, para o que a entidade patronal estará recetiva.

    No meio social de residência, e onde decorreu o seu processo de socialização, zona histórica da cidade de Guimarães, não são conhecidos obstáculos à sua reintegração comunitária.

    Em meio prisional o arguido tem mantido comportamento formalmente adequado ao ordenamento institucional.

    Encontra-se sem desenvolver qualquer atividade de carácter laboral, escolar ou formativa, afirmando que optou por aguardar o desfecho do presente processo. Evidencia deste modo uma atitude acomodada, uma vez que poderia gerir o seu quotidiano de forma útil, procurando desenvolver atividades que potenciassem as suas competências pessoais, nomeadamente escolares, dado que tem apenas o 5° ano de escolaridade, ou preservando hábitos e rotinas de trabalho.

    Relativamente à questão da toxicodependência diz-se abstinente, considerando desnecessária intervenção terapêutica em meio prisional, que não vê como eficaz.

    Relativamente aos factos constantes na acusação percebe o seu significado e relevância penal, tendo paralelamente uma atitude desculpabilizante relativamente ao seu trajeto criminal, que tende a justificar com a problemática da toxicodependência enquanto fator que constrange e mitiga a sua capacidade crítica em determinados momentos.

    Do ponto de vista familiar, a sua reclusão centra-se essencialmente ao nível afetivo, uma vez que à data o mesmo não constituía um elemento participativo na salvaguarda das necessidades do agregado, e a família mantém uma atitude apoiante consubstanciada nas visitas em meio prisional e disponibilidade para o acolher.

  14. O arguido declarou aceitar submeter-se a tratamento, como condição para uma eventual suspensão da pena de prisão a aplicar.

    * B) Factos Não Provados Inexistem.

    * C) Motivação de Facto

  15. A prova da matéria da acusação decorreu da confissão integral e sem reservas do arguido. De igual forma, nas suas...

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