Acórdão nº 114/10.9TBPTL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelMANUELA FIALHO
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: R.. interpôs recurso da sentença.

Pede a sua revogação e substituição por acórdão deste Tribunal da Relação, que condene a R. a pagar ao A. a quantia de €175.639,15 e juros, à taxa legal, a contar da data da citação.

Formula as seguintes conclusões: 1ª- À pergunta do A. sobre a percentagem da IPP [do A.], determinada de acordo com a Tabela I (Âmbito laboral) aprovada pelo DL 352/2007, os peritos intervenientes no exame responderam, inicialmente, com o “non sense” “Em virtude do acidente o autor não ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente para o Trabalho de 19,53%”.

  1. - A resposta ao quesito 37º deriva directamente e exclusivamente do relatório do exame médico-legal, na sua última versão.

    3-ª Surpreendentemente, as avaliações da situação do A. feitas segundo a tabela do âmbito civil e segundo a tabela do âmbito laboral quase coincidem numericamente.

  2. - Ambas estabelecem uma proporção da situação deficiente do lesado, relativamente ao valor 100, este considerado como representativo da normalidade psico-somática do examinado.

  3. - Subsiste, ainda, a questão intermédia da qualificação do estado do lesado, que deve ser subsumido às previsões tabelares.

  4. - Essa qualificação é uma operação científica, que exige conhecimentos especializados, muito distantes dos conhecimentos jurídicos e, portanto, fora do alcance dos tribunais e das argumentações que neles se geram.

  5. - Melhor, no sentido de “mais expressivo”, do que quaisquer relatórios médicos é a apreciação dos comportamentos do lesado, nos domínios familiar, profissional, social, neste incluindo as práticas desportivas, em períodos dilatados decorridos após a lesão.

  6. - Indicar-se que o lesado pode trabalhar e exercer a profissão anterior, sem referir sequer uma posição numa escala-paradigma de dor, transforma a perícia médico-legal num acto de julgamento obscuro, a que nada acrescenta a habitual menção “embora com esforços acrescidos”, porque esta menção é intrinsecamente vaga e indefinida.

  7. - Além disso, a prova testemunhal é trazida por vizinhos e companheiros de trabalho que tiveram oportunidade de observar o lesado não durante alguns minutos, mas no decurso de dias e semanas, ao mesmo tempo que com ele conversaram e receberam informação sobre as suas limitações.

  8. - A aplicação do disposto no DL 352/2007, de 23-10, deverá ocorrer em acumulação dos valores determinados no âmbito laboral e no âmbito do direito civil.

  9. - As lesões emergentes de um acidente podem ser: a) Do âmbito exclusivo do direito civil, se o lesado não é laboralmente activo nem tem possibilidades de vir a sê-lo; b) Do âmbito acumulado do direito civil e do direito do trabalho, se o lesado for laboralmente activo ou se, não o sendo no momento da lesão, tem expectativas jurídicas de vir a sê-lo mais tarde.

  10. - É facto incontrovertível que não existem lesões relevantes em direito laboral que não o sejam, também, em direito civil.

  11. - No relatório preliminar do DL n.º 352/2007, lê-se a fls. 7715 – 2ª col.ª – 1º §: “No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.” 14ª- E logo a seguir, no penúltimo parágrafo: “Por isso mesmo opta o presente decreto-lei pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.” 15ª- Deve começar por valorizar-se a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, “assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.” 16ª- O termo “suplementarmente” não permite dúvidas sobre a necessidade de utilizar as duas tabelas e de fazer acumular as indemnizações apuradas relativamente à valorização de cada tabela.

  12. - O exame pericial não passa de mais um elemento, a considerar, em conjunto com outros, no cômputo numérico da indemnização a fixar.

  13. - Nem podia deixar de ser assim, uma vez que a responsabilidade civil emergente de actos ilícitos praticados por mera culpa está sujeita a juízos de equidade e que a força probatória dos relatórios periciais é fixada livremente pelo Tribunal.

  14. - As conclusões do relatório médico-legal têm um alcance meramente indicativo, não só por terem sido estabelecidas a partir de uma Tabela com carácter meramente indicativo, mas também porque o seu valor probatório é o que lhe for atribuído livremente pelo Tribunal, no contexto das demais provas produzidas.

  15. - O comportamento dos peritos intervenientes não é no sentido da sua credibilização, não só por terem pretendido corrigir o Tribunal em área estritamente jurídica, mas também por terem recusado uma resposta leal aos quesitos formulados pelo A., ao mesmo tempo que respondiam aos pedidos de esclarecimento apresentados pela R.

  16. - O A. está convencido que ambas as Tabelas são aplicáveis ao caso destes autos, considerando:  Que o A. é laboralmente activo;  Que o acidente teve consequências negativas na sua capacidade laboral;  Que o acidente não pode ser submetido à apreciação do Tribunal de Trabalho, por não ser qualificável como acidente de trabalho.

  17. - Das lesões sofridas pelo A. resultaram as seguintes sequelas:  limitação da mobilidade do polegar direito, que não faz a extensão;  flexão dolorosa palmar do punho direito;  cervicalgias residuais;  cicatriz arredondada com 10 centímetros de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo, resultante de abrasão.

  18. - O exercício profissional do A. como tractorista de monte envolve também o trabalho intercalar com a motosserra e o empilhamento de madeiras (como preparação da sua carga no atrelado do tractor).

  19. - Ao tractorista de monte compete-lhe ajudar a traçar e a esgalhar os troncos, depois de abatidos, juntar os rolos em local espaçoso para a carga e, depois, carregá-los no atrelado, a fim de transportá-los para um “cais” acessível aos camiões.

  20. - O tractorista tem de conduzir o conjunto de tractor-atrelado através de terrenos irregulares, frequentemente com declives muito acentuados, que obrigam a constantes manobras de emergência e à permanente observação, olhando para trás, do terreno que vai sendo pisado pelo atrelado, e tudo isto em meio de solavancos e de ressaltos em pedras, que nem sempre podem ser evitadas.

  21. - Toda a agilidade de movimentos que é requerida a um tractorista de monte, é anulada pela dor sempre presente nas movimentações do pescoço e dos braços.

  22. - Igualmente, o trabalho com a motosserra e o machado fica impossibilitado, pelo peso destes instrumentos e pela vibração e choque da sua utilização, associados à dor e imobilidade do dedo polegar e do punho direitos.

  23. - O A. indicou cinco testemunhas, todas com razão de ciência certa e que foram inteiramente esclarecedoras sobre a questão de saber se o A., depois do acidente, ficou ou não sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.

  24. - Perante a prova testemunhal produzida e acima transcrita, o A. não dispõe de condições psico-físicas para o desempenho da sua profissão e só não foi, ainda, despedido, porque trabalha para o seu próprio pai, que procura assegurar-lhe um mínimo de rendimento que lhe permita subsistir, com o seu agregado familiar.

  25. - A resposta ao quesito 37º da B.I. deverá ser alterada para: Provado que, depois do acidente, o A. ficou sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.

  26. - Os senhores peritos não são juízes, não estão autorizados a emitir juízos de equidade, não tiveram acesso a outros elementos de prova, além dos que estão nos autos sob a forma de relatórios médicos e de registos clínicos e … repetem monotonamente, em todos os relatórios, a referência à compatibilidade com o exercício da profissão anterior.

  27. - Os senhores peritos não especificaram, nem explicam, até onde chega, ou se tolera, o esforço suplementar.

  28. - Obviamente, porém, tal esforço suplementar tem um limite, para além do qual nada é possível.

  29. - Esse limite compõe-se de duas partes: a dor e a abnegação humanamente atingível.

  30. - Consideradas as características da operosidade e de energia física do A., anteriores à lesão, que foram provadas, não podem restar dúvidas de que já ultrapassou esses limites.

  31. - A fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho futuro do A. deverá recorrer a critérios equitativos, sem perder de vista os cálculos financeiros possíveis, de acordo com as condições do mercado.

  32. - Procedendo a uma redução equitativa deste pedido parcelar por IPP, o A. reformula-o e redu-lo para a quantia de €150.000,00.

  33. - Os danos não patrimoniais sofridos pelo A. são muitos, extensos e graves.

  34. - Esteve prolongadamente doente, temeu vir a morrer, sofreu e fez sofrer pessoas que estima particularmente, ficou a sofrer de consequências permanentes relevantes, que virão a prolongar-se por toda a sua vida, por um período expectável de 50 anos após o acidente.

  35. - Tem desgosto por ter ficado fisicamente deficiente e por sofrer incapacidade para o exercício da condução de tractores em matas.

  36. - A compensação pelos danos não patrimoniais passados e futuros não deverá ser inferior aos €25.000,00 pedidos inicialmente.

  37. - As verbas de indemnização e compensação pedidas são as seguintes: Danos não patrimoniais passados e futuros € 25.000,00 Incapacidade funcional como tractorista de monte €150.000,00 Despesas várias € 639,15 Total €175.639,15 43ª- A esta quantia devem acrescer juros moratórios, à taxa legal de...

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