Acórdão nº 108/13.2TBVLN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DA PURIFICA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório Nestes autos de inventário que correm seus termos por óbito de F.. nos quais desempenha as funções de cabeça de casal M.., a mesma apresentou recurso da decisão proferida em 29.05.2013 que tem o seguinte teor (vamos proceder à sua transcrição para melhor percepção) «M.. veio a fls. 38 e seguintes requerer que se declare a exceção dilatória de ilegitimidade do requerente do presente inventário, bem como que se dê sem efeito a diligência de tomada de compromisso de honra e declarações de cabeça de casal designada nos autos, alegando para o efeito que o requerente enquanto ex - cônjuge da filha do inventariado, não tem interesse direto na partilha.

Notificada a parte contrário opôs-se a tal pretensão.

Dos documentos juntos aos autos resulta que: _ Em 17.03.2001 faleceu F...

_ À data do óbito do inventariado, o requerente A.. era casado no regime da comunhão geral de bens com I.., filha do inventariado.

_ O casamento entre A.. e I.. foi dissolvido por divórcio datado de 08 de maio de 2009.

Cumpre decidir: A questão de direito que se coloca é a de saber se a recorrente tem ou não legitimidade para requerer o inventário para partilha da herança aberta pelo seu ex-sogro.

O requerente contraiu casamento com a filha do inventariado sob o regime da comunhão de bens, caracterizado por em regra todos os bens serem comuns, mesmo os levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito (arts.1732º a 1734º).

Estipula o artigo 1327º, nº. 1, alínea a), do Código de Processo Civil que: "1. Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os actos e termos do Processo: a) Os interessados directos na partilha,' " Face ao regime da comunhão de bens, do casamento contraído entre o requerente e a filha do inventariado, dúvidas não nos restam, que não há qualquer fundamento para considerar que o aqui requerente carece de legitimidade para requerer inventário, o que aliás foi, implicitamente, considerado aquando do despacho de nomeação de cabeça de casal e da designação de data para tomada de compromisso de honra e declarações de casal, que caso assim não se tivesse entendido, teria dado lugar, não ao despacho em causa, mas sim ao indeferimento liminar do presente inventário.

A segunda questão suscitada, dada a tomada de declarações de cabeça de casal já efetuada nos autos, encontra-se prejudicada a sua apreciação.

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 1327, nº. 1, alínea a), do Código de Processo Civil, indefiro o requerido pela cabeça de casal, considerando que o requerente tem legitimidade para requerer o presente inventário.

Custas a cargo da cabeça de casal, que fixam em 3 Ucs.

Notifique».

Apresenta para o efeito as seguintes conclusões (as alegações foram apresentadas em 19 de Junho de 2013).

I – O presente recurso motiva-se pela discordância da apelante quanto aos seguintes erros compulsados do douto despacho impugnado: I – Da falta de fundamentação do douto despacho impugnado, ou, pelo menos, da sua manifesta insuficiência; II – Do indeferimento da excepção dilatória invocada pela ora recorrente; III – Da ausência de contraditório processualmente admissível pelo requerente do inventário, inversamente ao acolhido no despacho recorrido; IV – Da requerida suspensão ou cancelamento do acto para o qual a cabeça-de-casal, ora recorrente, foi notificada; V – Da abusiva condenação em custas.

II – Quanto à falta de fundamentação, O despacho recorrido limita-se à mera invocação de factos seleccionados e de argumentos jurídicos – que já haviam sido devidamente invocados e fundadamente afastados pela ora recorrente no seu requerimento –, tudo sem se proceder ao estudo da argumentação que contraria aquele entendimento, acolhendo-a ou refutando-a, o que não constitui sequer fundamentação, não se mostrando adequada a convencer e apresentando-se apenas como puro autoritarismo da decisão por via do seu carácter formal.

III – Analisado o teor do despacho revidendo, eis o que resulta: como a lei diz que têm legitimidade para requerer inventário “os interessados directos na partilha”, «dúvidas não nos restam» de que o Requerente, tendo sido casado em regime de comunhão de bens com uma filha do inventariado, tem legitimidade para requerer o inventário – mas sem se proceder à análise ou ao tratamento da questão de se saber este seria interessado directo ou não (como, neste último caso, defendeu a ora apelante).

IV – Não cumpre à ora recorrente suprir a manifesta falta de fundamentação da decisão recorrida, mas não se podem deixar de apontar alguns dos vários tratamentos que a questão merecia: não se estudou nem demonstrou que o Requerente do inventário seja um interessado directo; que o fosse, apesar de a cabeça-de-casal ter propugnado fundadamente o contrário; por que razão não restam ao Tribunal a quo quaisquer dúvidas.

V – Pelo menos teriam de restar as “dúvidas” (que não o são, antes argumentos plausíveis) de que a cabeça-de-casal se muniu para estribar a sua pretensão – quanto mais não seja porque o Tribunal a quo as não afastou, nem sequer a elas se tendo referido.

VI – Fez-se, assim, no douto despacho tábua rasa dos fundamentos da ora recorrente, remetendo-se para pretensa fundamentação que resulta genérica, conclusiva, vaga e gratuita.

VII – À luz dos princípios estruturantes do Direito, dos preceitos legais aplicáveis e das melhores doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos inequívoco que, in casu, o despacho em apreço não respeitou a exigência legal de fundamentação, pois que do seu teor não resulta qualquer exercício minimamente adequado a produzir o seu convencimento nem sequer a demonstrar o processo de raciocínios lógicos que conduziu a eventual decisão justa.

VIII – Não se tendo, no despacho impugnado, respeitado o dever de fundamentação que impendia sobre o Tribunal a quo, verifica-se a sua nulidade – o que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., ex vi do nº 3 do artigo 666º do mesmo Código, mais violando o preceituado no nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

IX – De seguida, como se afirmou no requerimento da cabeça-decasal sobre o qual recaiu o despacho impugnado, os bens que integram a herança pela qual a ora recorrente responde foram taxativa e consentaneamente excluídos dos acordos firmados e legalmente homologados pelo Requerente do inventário e pela sua ex-cônjuge (filha da apelante) aquando do seu divórcio – e transitados –, pelo que nenhum direito sobre aqueles assistirá ao Requerente do inventário por facto a que este próprio deu causa.

X – O Requerente do inventário não alega, não demonstra, e nem pode demonstrar, que, nos acordos citados, ou por qualquer outro meio, tem direito aos bens que integram o acervo hereditário e nem sequer à sua meação no quinhão da herdeira, único bem – o quinhão – em que poderia eventualmente comungar com aquela e só com ela, não com os interessados directos deste inventário.

XI – Ter sido casado com a herdeira, no citado regime, não lhe confere, ipso facto, o direito a requerer este inventário, pois não demonstra que esse quinhão lhe foi atribuído, seja a que título for.

XII – É o que resulta concludente dos factos, das normas legais pertinentes, dos argumentos jurídicos e da argumentação expendida supra.

XIII – Nestas circunstâncias, e além do trânsito em julgado dos acordos que instruíram o divórcio e para ele foram homologados, é substancial e processualmente ilícita a interferência de terceiros para alteração da indivisão da herança aqui em apreço contra a vontade dos verdadeiros herdeiros, nomeadamente pela via de inventário, menos ainda o sendo para o impulso processual promovido pelo requerente.

XIV – Por outras palavras, não podia o Requerente do inventário requerê-lo, pois somente lhe assistiria – e nem este é líquido – um direito abstracto a um quinhão a eventualmente exercer perante a sua ex-cônjuge, mas nunca direito a bens e menos ainda perante os demais verdadeiros herdeiros do de cujus.

XV – É, assim, aquele requerente um eventual interessado indirecto ou derivado, carecendo da legitimidade para o impulso processual que promoveu.

XVI – Pelo que não poderia tê-lo requerido, mais ainda contra a vontade dos interessados directos.

XVII – Quanto ao terceiro motivo de discordância, sucede que, na decisão recorrida, não poderia o Tribunal a quo ter feito menção ao contraditório exercido pelo Requerente do inventário.

XVIII – Na verdade, aquele Requerente foi electronicamente notificado pela cabeça-de-casal, ora recorrente, da pretensão desta através da aplicação Citius no dia 19/4/2013, data da apresentação em juízo do seu requerimento na mesma aplicação.

XIX – Assim, dispunha o Requerente de 10 dias para exercer o contraditório que se lhe afigurasse necessário, isto é, até ao dia 2/5/2013 (quinta-feira) ou desde aquele dia até 7/5/2013 (terça-feira) mediante o pagamento autoliquidado da respectiva multa, pelo que, não o tendo feito – apenas o fazendo em 25/5/2013 –, mostra-se inelutável que se lhe extinguiu o direito a pronunciar-se sobre a pretensão vertida pela cabeça-de-casal no referido dia 7/5/2013, maxime.

XX – Oportunamente, a 28/5/2013 – ou seja, ainda antes do proferimento do despacho ora impugnado –, a ora recorrente suscitou a extemporaneidade da dedução do mesmo, requerendo o competente desentranhamento do articulado em causa, mas sem que, até à presente data, o então requerido haja conhecido decisão.

XXI – Contudo, independentemente desta, o Tribunal a quo conhecia...

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