Acórdão nº 3698/11.0TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

J.., divorciado, residente na Rua .., Póvoa de Varzim, instaurou ação declarativa sob a forma de processo sumário contra M.., casada, residente na Av.., Barcelos, alegando essencialmente que, tendo sido casados um com o outro, na pendência do casamento efetuou o pagamento de dívidas da R., por ela contraídas antes do casamento, com bens próprios dele, visando agora recuperar esse seu dinheiro.

Deduziu o seguinte pedido, ipsis verbis: «Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência, deve ser reconhecido ao Autor o direito de ser ressarcido por força do princípio do não locupletamento à custa alheia e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar ao Autor: a) – a quantia de[1], relativa aos bens próprios do Autor utilizados no pagamento das dividas próprias da Ré, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até ao efectivo e integral pagamento; b) – a quantia de 8330,00€ relativa à aquisição do veículo automóvel, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até ao efectivo e integral pagamento».

Citada, a R. apresentou contestação pela qual invocou as exceções da prescrição e da compensação e impugnou parcialmente os factos, concluindo na defesa da improcedência da ação e da sua absolvição do pedido, e da condenação do A., como litigante de má fé, no pagamento de multa e de indemnização em valor não inferior às despesas processuais.

O A. ofereceu réplica, pela qual, além do mais, se opôs à matéria de exceção invocada pela R., remetendo para a conclusão da petição inicial.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa de factos assentes e de base instrutória, com relegação tácita do conhecimento da matéria de exceção para a sentença.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu fundamentadamente, em matéria de facto e matéria de Direito, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, condeno a R, M.. a pagar ao A, J.., a quantia de € 10.687,29, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Absolvo a R do demais peticionado.

Custas por A e R na proporção do decaimento.» (sic) Inconformada, a R. recorreu, por apelação, em matéria de Direito, resumindo e concluindo o recurso nos seguintes termos: «1-Vem o presente recurso interposto, quanto à matéria de facto e de direito, com reapreciação da prova gravada ( artigos 638º, 639º e 640º NCPC ), da parte da douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré / Apelante a pagar ao Autor/Apelado a quantia de 10.687,29 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, com custas na proporção do decaimento.

2-Na verdade, a Ré / Apelante entende, salvo melhor opinião, que, atenta a prova documental, o depoimento de parte do Autor e a prova testemunhal, estes gravados, a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente improcedente a acção e os respectivos pedidos formulados.

3-Ainda deverá antes ser considerada não provada a matéria constante do número 11 dos factos provados e o dado por provado no número 14 deverá ainda ser complementado com “ … veio a vender em 2001 ou 2002 por valor entre cinco e seis mil contos e auferia outros rendimentos do seu trabalho”.

4-Aliás, tal alteração revela-se essencial para uma boa decisão e resulta inequivocamente dos depoimento de parte do autor e das testemunhas, do teor dos documentos, tudo conjugado também à luz da experiência comum, pois que: a)- O Autor, em 2003, não podia ter pago os valores em débito à segurança Social e Fazenda Pública, pela simples razão de que tais pagamentos foram efectuados em 2002 e nunca com valores recebidos pelo autor de herança do pai; b)-Em data que não se apurou, mas sempre situada em 2001 e 2002, a Ré vendeu todas as máquinas, em número de cerca de 20, da sua confecção têxtil, por preço que se situou entre os cinco e os seis mil contos ( 25.000,00 a 30.000,00 € ); 5-Era ónus do Autor, como resulta dos artigos 342º e seguintes do C. Civil, alegar e provar os factos que constituem a sua causa de pedir, no sentido de se concluir se serão ou seriam subsumíveis ao caso as conclusões de direito por ele efectuadas.

6-Ora, quer dos documentos juntos pelo Autor, quer dos depoimentos deste e das testemunhas não resulta a matéria dada por provada sob o n.º 11, antes resulta o seu contrário, estando documentos e depoimentos em contradição insanável com tal facto dado por provado.

7-Está admitida por confissão do Autor a presunção legal de que os valores das contas bancárias, fluxos a crédito ou débito, eram de ambos.

8-O Autor, teria, assim, que provar que qualquer pagamento efectuado de saldo disponível daquelas contas era resultado de depósitos de valores só seus e não da Ré, sendo que as contas não são estáticas, mas antes revelam a dinâmica de movimentos desde a sua abertura até encerramento, ao longo de anos, com as contribuições, pagamentos e débitos de ambos em momento em que vigoravam as regras patrimoniais próprias do regime de comunhão geral de bens.

9-PORÉM, NEM AS TESTEMUNHAS CONFIRMARAM O ALEGADO PELO AUTOR EM PARTE ALGUMA DOS SEUS DEPOIMENTOS, como resulta dos seus depoimentos gravados e aqui dados por reproduzidos na totalidade, POIS QUE AS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO AUTOR FORAM UNÂNIMES EM DECLARAR QUE NÃO ESTAVAM A PAR DAS QUESTÕES PATRIMONIAIS DE AUTOR E RÉ NO PERIODO DO SEU CASAMENTO, 10-COMO OS DOCUMENTOS JUNTOS PELO AUTOR TAMBÉM PROVAM INEQUIVOCAMENTE QUE EM 2003 NENHUM PAGAMENTO FOI EFECTUADO PELO AUTOR A NENHUMA DAQUELAS ENTIDADES.

11-Assim, o Autor junta documentos particulares (fotocópias) pelo que estes, porque documentos por ele apresentados, terão para ele o efeito pleno previsto no artigo 376º do Código Civil, no que se mostrar contrário ao por ele alegado, ou seja se resultar do seu teor o contrário do alegado pelo próprio Autor.

12-DESTE MODO, NENHUM DOS PAGAMENTOS É EFECTUADO EM 2003, ANTES EM 2002 E NENHUM DOS RECIBOS É EMITIDO EM NOME DO AUTOR MAS TÃO SÓ DA RÉ.

13-Acresce que o Autor nem sequer junta cópia, simples ou autenticada, do cheque n.º …067, de 9 Dezembro de 2002, debitado naquela conta da CA, apesar de ser seu ónus provar o destinatário de tal cheque e pagamento, pelo que a falta de prova do que quer que seja só pode ser relevada contra ele mesmo.

14-Assim, sendo ónus do Autor provar o facto alegado de que em 2003 teria pago à segurança social e fazenda pública dívidas próprias da Ré, no valor de 10.687,92 €, é evidente que tal não se mostra provado documentalmente.

15-Mas essa mesma falta de prova resulta dos depoimentos das testemunhas gravados e designadamente dos transcritos nas alegações pois as testemunhas arroladas pelo Autor nada sabiam de eventuais dinheiros recebidos da herança do pai do autor, só dizendo que foram aplicados em benfeitorias na casa da Ré, nada sabendo quanto aos pagamentos em discussão nos autos.

16-Assim, o Autor através dos documentos e depoimentos não logrou provar aquela matéria alegada, como era seu ónus, pelo que a douta sentença encerra erro de apreciação dessa matéria de facto e da prova documental e testemunhal produzida.

17-Mas também tal prova não resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, pelo que não só não ficou provado que o Autor tivesse pago com dinheiro herdado do pai os valores em causa, como também não resulta qualquer pagamento em 2003, sendo os documentos de suporte / quitação desses pagamento em nome da Ré e todos de Dezembro de 2002.

18-E resulta provado que a Ré gerou rendimentos e valores em 2001 e 2002 mais do que suficientes para efectuar esses pagamentos.

19-Daí que, nos termos do artigo 662º, n.º 1 do NCPC entende a Ré que deve ser antes dada por não provada a matéria constante do ns.º 11 dos factos provados e a acção ser julgada improcedente, atento os concretos meios de prova alegados e citados e gravações, tempos e transcrições realizadas, sendo ainda dado por provado o facto constante do n.º 14, com o acrescento de que a Ré “vendeu as máquinas suas em 2001 ou 2002 por cerca de 5 a 6 mil contos e auferia outros rendimentos do seu trabalho”.

20-Na verdade, a douta sentença proferida fez uma menos correcta avaliação e ponderação da prova, em violação dos critérios do ónus de prova ( artigos 342º e ss. C. Civil ).

21-Acresce que, para além dos factos alegados, que não provou, formulou o Autor o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência, deve ser reconhecido ao Autor o direito de ser ressarcido por força do princípio do não locupletamento à custa alheia e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar ao Autor: a)-a quantia de, relativa aos bens próprios do Autor utilizados no pagamento das dívidas próprias da Ré, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.” 22-Ainda, fundamenta de direito o seu pedido com o teor do artigo 1790º do C. Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, que entrou em vigor em 30.11.2008 e que, nos termos do artigo 9º não se aplicava aos processos pendentes.

23-Porém, no pedido de pagamento genérico efectuado pelo Autor invoca somente o direito de ser ressarcido por força do princípio do não locupletamento à custa alheia e não qualquer outro fundamento, designadamente responsabilidade civil ou indemnização pelo dano.

24-Ora, nos termos dos artigos 473º, 474º e seguintes do CC è subsidiária a obrigação de restituir com base no enriquecimento e terá que se verificar a ausência de causa justificativa, fixando-se no artigo 482º o prazo de prescrição de 3 anos.

25-Acresce que o artigo 1790º CC estabelece regras para a partilha patrimonial dos bens após divórcio, pelo que no caso essa partilha só se abre com a dissolução do casamento, ou seja, no caso, a sentença...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT