Acórdão nº 863/10.1TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 29 de Novembro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Olívia intentou no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, com distribuição ao 4º Juízo Cível, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Manuel, Deolinda, José e mulher Graça, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia de € 228.720,09, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, e uma indemnização a liquidar em execução de sentença, relativamente a tratamentos de fisioterapia, assistência médica, aparelhos e camas ortopédicas que venha a ter necessidade no futuro.
Alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente, ocorrido em 18 de Julho de 2008, quando procedia à recolha e acondicionamento da rama de dois pinheiros derrubados no quintal do prédio urbano pertencente aos 3ºs réus, tendo sido atingida pelos ramos e tronco de um terceiro pinheiro previamente cortado pelo 1º réu, tendo a autora sido contratada nesse dia pela 2ª ré, mãe do 3º réu marido, para prestar serviços de jornaleira agrícola no referido quintal, sendo que o 1º réu foi também contratado pela 2ª ré para proceder ao derrube e corte de três pinheiros no mesmo quintal, mediante a utilização de uma máquina agrícola, imputando a autora a responsabilidade pelo sucedido ao 1º réu, que ao proceder ao derrube do pinheiro previamente cortado, fez com que o mesmo se abatesse de imediato no solo, atingindo na sua trajectória a autora que se encontrava a 15 metros do local.
Do evento resultaram para autora vários danos, que a mesma computa no valor peticionado na acção, por cujo pagamento, no seu entender, são responsáveis todos os réus solidariamente, sendo o 1º réu pela omissão dos deveres que se lhe impunham, a 2ª ré porque deveria ter avisado a autora para se desviar daquele local no momento em que o 1º réu executou a operação de abate do pinheiro, não devendo em qualquer caso autorizar este réu a proceder ao corte a bate dos pinheiros sozinho e da forma como o fez, e os 3ºs réus, donos do prédio onde se procedeu ao corte dos pinheiros, que não deviam ter permitido esta actividade perigosa por natureza e pelos meios empregues sem as devidas precauções.
O 1º réu e a 2ª ré deduziram contestação.
O 1º réu nega ter qualquer responsabilidade no evento, pois apesar de se poder considerar o corte e derrube de pinheiros como actividade perigosa, empregou na sua conduta toda a diligência que lhe era exigível, agindo de acordo com as regras e cautelas, seguindo as técnicas normais e adequadas para o desempenho da suas funções, a que acresce o facto de ter sido a autora quem, em manifesto desacato das ordens que lhe haviam sido dadas, resolveu sair do local onde se encontrava em segurança, atravessando pelo local previsto para a queda do pinheiro, bem sabendo que este podia cair a qualquer momento, como veio a suceder.
A 2ª ré defende que o evento se ficou a dever a culpa da autora, pois independentemente da qualificação como perigosa da actividade exercida pelo 1º réu, este executou o serviço solicitado tomando todas as providências que lhe eram exigidas no momento, verificando-se antes culpa da autora que, no momento do derrube da árvores, se movimentou na direcção do 1º réu, colocando-se dessa forma na trajectória da árvore.
Houve réplica, concluindo a autora pela improcedência das “excepções deduzidas pelos réus”.
Saneado o processo e discriminados os factos assentes e os controvertidos, prosseguiu aquele a sua tramitação, vindo a realizar-se audiência de julgamento com decisão da matéria de facto controvertida e subsequente prolação de sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: - absolvem-se os Réus DEOLINDA, JOSÉ e mulher GRAÇA dos pedidos contra eles formulados pela Autora OLÍVIA; - condena-se o Réu MANUEL a pagar à Autora OLÍVIA a quantia de € 87.432,90 (oitenta e sete mil quatrocentos e trinta e dois euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação sobre € 57.432,90 e desde a presente data sobre o restante, até integral pagamento; - condena-se o mesmo Réu a pagar à Autora o custo, a liquidar em execução de sentença, do auxílio diário de outra pessoa para confeccionar os alimentos, limpar a casa e dar banho à Autora, bem como da vigilância médica e das ajudas medicamentosas decorrentes das sequelas do acidente.» Inconformados com o decidido, recorreram a autora e o 1º para este Tribunal da Relação, encerrando os recursos de apelação interpostos com as seguintes conclusões [1]: No recurso interposto pela autora: «1. Não concorda a Autora/Recorrente com a douta decisão em apreço, na parte em que julgou a acção improcedente contra a Ré/Recorrida Deolinda e, em consequência, absolveu-a dos pedidos, com fundamento na falta de culpa efectiva desta no sinistro, por um lado, e na inexistência da relação comitente/comissário entre a segunda Ré/Recorrida Deolinda e o primeiro Réu/Manuel, por outro lado.
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No que toca à questão da culpa efectiva da segunda Ré/Recorrida Deolinda cumpre referir que, no modesto entendimento da A./Recorrente, do disposto no artigo 493º nº 1 do Cod. Civil resulta a presunção de culpa do proprietário da coisa imóvel.
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Deste modo, o afastamento dessa presunção implica a prova de que o proprietário exerceu a necessária vigilância e tomou as precauções indispensáveis, ou de que os danos resultaram de caso fortuito, entendido como acontecimento inevitável e imprevisível.
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Ora, não subsistem dúvidas que a A./Recorrente é a proprietária do pinheiro e que este é coisa imóvel, em virtude de estar ligado ao solo, de harmonia com o artigo 204, nº 1 al. c) do Código Civil.
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Assim, os danos decorrentes da sua queda enquadram-se no âmbito da responsabilidade por danos causados por coisas previstos no artigo 493º do CC.
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Deste modo, recai sobre a Ré/recorrida Deolinda a presunção de culpa dos danos decorrentes da queda do pinheiro (coisa imóvel) sobre a A./Recorrente, uma vez que o mesmo é sua propriedade.
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Como aliás é entendimento da jurisprudência, designadamente, no Ac. da RL, 3-4-1990: BMJ, 396º-425 e no Ac. do STJ, 6-1-1987: BMJ, 363º-488.
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Deste modo, para ser absolvida dos pedidos, como foi, a Ré/Recorrida Deolinda teria que ilidir a referida presunção de culpa, provando (o que não fez) que exerceu a vigilância do pinheiro e que tomou as precauções indispensáveis para evitar os danos, ou que os mesmos resultaram de um caso fortuito.
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Ora a verdade é que, a Ré/Recorrida Deolinda não alega um único facto na sua contestação que demonstre que tenha vigiado o pinheiro e que tomou qualquer precaução para evitar os seus danos, pelo contrário, a Ré/Recorrida Deolinda apenas alegou que foi beber à casa do filho, durante o corte e abate da árvore, não obstante saber que o mesmo (corte e abate) se iria verificar.
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Ademais, in casu ficou provado que, “antes do derrube do terceiro pinheiro, a Ré Deolinda sabia que o mesmo tinha sido cortado e ia ser deitado abaixo pelo Réu Manuel com a pá do tractor” (facto provado 12).
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Nessa altura, a recorrente demitiu-se de todo do seu dever de fiscalização, não obstante saber ou dever ter consciência do perigo que consubstanciava o derrube daquele enorme pinheiro, do modo previsto executar, por encosto da pá do tractor ao mesmo, deixando a sua queda à total deriva.
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Mais se encontra provado que durante o lapso de tempo que o pinheiro permaneceu de pé, já cortado, todo seccionado na sua base, e em que o Réu Manuel foi a sua casa buscar a pá do tractor para o derrubar, a Recorrida Deolinda ausentou-se do local, demitindo-se de vigiar como se iria processar a sua condução para ou até ao solo.
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Sendo certo que in casu, conforme decorre da douta decisão a quo, não se provou sequer que a recorrida Deolinda tenha alertado a recorrente do seu perigo de queda.
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Por outro lado, os danos em causa não resultaram de causa meramente fortuita, porquanto se encontra provado que a Ré/Recorrida Deolinda sabia que o pinheiro ia cair e foi ela quem contratou o primeiro Réu, Manuel, para cortar três pinheiros e indicou os que pretendia ver cortados e derrubados, mormente aquele que atingiu a infeliz recorrente (cfr. facto assente sob a alínea C)).
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Deste modo, in casu encontram-se provados todos os requisitos de que depende a aplicação ao caso sub Júdice do disposto no artigo 493º do Código Civil.
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Ademais, não cabe aqui a argumentação de que o artigo 493º nº 1 do Código Civil apenas se aplica às situações de queda de pinheiros sem intervenção humana.
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Isto porque a previsão deste normativo legal abrange situações de negligência menos grave ou menos censurável, ipso jure a mesma tem forçosamente de se aplicar a outras situações de culpa mais grave, como neste caso concreto, em que o proprietário sabia que existia um perigo concreto e eminente de produção de dano em coisas ou pessoas resultante de um pinheiro já cortado pela base, que se encontrava já em equilíbrio precário e, mesmo assim, demitiu-se de tomar qualquer atitude para que este perigo eminente ou previsível viesse a provocar, como provocou, graves danos na pessoa da recorrente.
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Pelo exposto, e com todo o respeito, é errado o entendimento que se expressa na douta decisão recorrida que cabia à recorrente o ónus de provar que a Ré Deolinda não a avisou para se afastar, no momento do abate do pinheiro.
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Ao contrário, à situação sub júdice aplica-se o preceituado no nº 1 do artigo 493º do Cód. Civil, que faz recair sobre o proprietário do pinheiro o ónus dessa prova, de que avisou a autora/recorrente para se afastar antes do corte e derrube deste pinheiro.
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Cabia à recorrida Deolinda provar, pelo menos, que tomou todas as precauções necessárias para evitar os danos decorrentes da queda deste pinheiro.
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Com todo o respeito, na douta decisão recorrida em apreço inverteu-se o ónus da prova, pois que recaindo sobre a Ré Deolinda a presunção de culpa, prevista no artigo 493º nº 1 do...
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