Acórdão nº 1212/08.4TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução19 de Junho de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães V.. e M.. por si e na qualidade de legais representantes do seu filho menor R.., intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra M.., F.., R.., J.., todos por si e na qualidade de legais representantes da sociedade "C.., Lda" e Dr. F.., pedindo que os réus sejam condenados a pagarem-lhe uma indemnização não inferior a € 380.000,00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela sua conduta.

Alegaram, para tanto e em síntese, que, na sequência de uma gravidez da autora, da qual resultou o nascimento do menor R.., os autores contrataram por três vezes os serviços da ré "C.., Lda" para realização de exames de ecografia obstetrícia, tendo a primeira ré assinado o relatório da ecografia realizada às 21 semanas de gestação e o sexto réu os relatórios realizados às 8ª e 30ª semanas. Acontece que apesar de os referidos relatórios atestarem não haver qualquer deformação no feto, o menor R.. nasceu no dia 7/4/05 com gravíssimas malformações dos membros superiores e inferiores.

Mais alegaram que estas malformações só não foram detectadas por descuido e negligência grosseira imputável a todos os réus e isso impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez ou sujeitar o feto a tratamento, diminuindo significativamente as malformações existentes.

Os réus contestaram, excepcionando a prescrição e a ilegitimidade dos réus F.., R.. e "C.., Lda".

Mais impugnaram os factos alegados pelos autores, sustentando, em síntese, que as malformações apresentadas pelo autor R.. ficaram a dever-se à síndrome das bandas amnióticas, que podem desenvolver-se tardiamente no decurso da gestação e implica que as lesões tenham sido causadas numa fase tardia, posterior à execução dos exames ecográficos.

Os autores replicaram, pugnando pela improcedência das excepções e refutando os argumentos de defesa alegados na contestação.

No despacho saneador, julgou-se procedente a excepção da ilegitimidade dos réus F.., R.. e J.., que foram absolvidos da instância, e julgada improcedente a excepção de prescrição.

Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 230 a 240.

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condenou as rés "C.. Lda" e M.. a pagarem, solidariamente, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a cada um dos autores e a quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os autores vão ter de suportar com a substituição das próteses do filho até este atingir os 18 anos de idade; b) absolveu o réu F.. do pedido.

As custas ficaram a cargo dos autores e rés "C.., Lda" e M.., na proporção do respectivo decaimento.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os réus, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1º - O Laudo Pericial não permite dar uma resposta de provado ao quesito 1º.

  1. - Os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito sobre aquele seu laudo, visam esclarecê-lo ou complementá-lo, mas não o podem nem devem contradizer, sob pena de se tornarem numa perícia “ex novo”, coartando-se às partes os direitos que resultam dos artºs. 587 e 589 do Cód. de Proc. Civil.

  2. - Para além de que se os esclarecimentos forem contraditórios com o laudo, nem este nem aqueles merecem credibilidade, já que incidem sobre factos onde é imperioso presidir um conhecimento científico.

  3. - Não basta a mera convicção do Julgador para responder a este quesito 1º, pois para dar uma resposta de provado ao mesmo é necessário a demonstração científica de que esse facto ocorreu, conhecimento que o Julgador não tem nem lhe foi facultado pelo Senhor Perito.

  4. - Mas o mesmo Senhor Perito em sede de esclarecimentos não deu ao Tribunal qualquer certeza sobre se as deformações ocorriam ou não à data em que foram realizadas as ecografias pela recorrente.

  5. - O Parecer do Colégio da Especialidade radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, enquanto parecer e laudo científico realizado sobre os mesmos elementos que serviram de base ao Laudo do Perito Dr. N.., expressamente exclui qualquer possibilidade do Tribunal a quo responder provado ao quesito 1º.

  6. - Este parecer, elaborado por especialistas, demonstra que as deformidades poderiam ter sido causadas pelas bandas amnióticas, e que poderiam ter aparecido após a ré recorrente ter realizado as ecografias à mãe do menor R...

  7. - O mesmo Parecer, de fls. 243, é um Laudo científico, não impugnado pelos autores nem posto em causa por ninguém, não tendo o Tribunal a quo conhecimento científico nenhum para rejeitar, sub-avaliar, ou desprezar o que nele se descreve.

    Assim, 9º - A convicção do Ilustre Julgador a quo não tem o mínimo de suporte razoável na prova produzida, antes é contrariada por prova científica que consta dos autos, como seja o Laudo de fls. 178 e 179 e o parecer de fls. 243, bem como os esclarecimentos do Dr. N.. e o depoimento do Dr. P...

  8. - Assim a resposta dada ao quesito 1º é incorrecta, sem sustentação na prova que impunha e impõe que a tal quesito se responda “não provado”.

  9. - Quanto ao Quesito 31º ninguém poderia, em boa verdade, e pelas razões já acima expostas, desmentir o que a autora colocou nos relatórios que acompanharam as ecografias.

  10. - O Senhor Perito Dr. N.. não assegurou, nem poderia assegurar, que a recorrente não tivesse visto que o feto possuía ambas as mãos e ambos os pés.

  11. - Ao respectivo quesito no seu laudo de fls. 180, limitou-se a responder: “não se poderá extrair tal conclusão do relatório do exame ecografico respectivo”.

  12. - Mas esta resposta não exclui a possibilidade da ré ter visto aqueles segmentos dos membros.

  13. - Os esclarecimentos que prestou em audiência não excluem essa possibilidade, como acima vimos, e para os quais remetemos e aqui se dão como reproduzidos.

  14. - Porém, outra prova existe nos autos que permitia ao Tribunal a quo responder provado a este quesito.

    Esta prova é o laudo científico constante do citado Parecer do Colégio da Especialidade de Radiodiagnóstico da Ordem dos Médicos, e o depoimento prestado pela testemunha Dr. P... (adiante Dr. P..). 17º - Face ao depoimento da testemunha Dr. P.. e ao parecer do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, (respectivamente registo 20110516131922-133400-64178; 20110516134717-133400-64178 e fls. 243 e segs., fotografia de fls. 210) e à ausência de qualquer prova em contrário, haveria que dar como provados os factos sobre que interrogam os quesitos 31º e 32º.

  15. - A resposta dada ao quesito 35º tem uma leitura equívoca, ora permitindo concluir que as deformidades existiam desde o inicio da gravidez, ora permitindo a interpretação de que elas só são detectáveis quando ocorrem, e podem ocorrer a qualquer momento da gravidez.

  16. - Porém nem uma nem outra interpretação é admissível, face à prova produzida, designadamente a que decorre da resposta dada ao quesito 35º no laudo de fls. 178 e seguintes, face ao Parecer da Ordem dos Médicos de fls. 243 e seguintes, face aos esclarecimentos do Perito e ao depoimento do médico especialista Dr. P...

  17. - O Tribunal a quo não tem, assim, onde alicerçar esta resposta ao quesito 35º, já que ninguém o afirmou nem escreveu, tratando-se de um outro facto científico para a prova do qual a fundamentação da convicção do julgador terá de assentar em dados e elementos objectivos e também científicos.

  18. - Existe, sim, prova, que impõe uma resposta de provado ao quesito 35º, qual seja o parecer da Ordem dos Médicos – fls. 243 e sgs. – e o depoimento da testemunha Dr. P.. citados e identificados no corpo destas alegações. (registo 20110516131922-133400-64178).

    Por outro lado, 22º - A condenação dos réus visa o ressarcimento do choque ou comoção que os autores sofreram aquando do nascimento do menor.

  19. - Na verdade, ainda que as deformidades existissem à data da realização das ecografias feitas pela Dr.ª. M.., e que fossem visíveis ou percepcionáveis por esta, não se provou que esta as tivesse visto, ou que não as tivesse visto por negligência.

  20. - Fosse como fosse, num caso ou noutro, a verdade é que não se provou que os autores tivessem sofrido mais por ignorarem logo as deformidades do feto do que se as tivessem conhecido logo após as ecografias.

  21. - Ou melhor não se provou que o momento concreto, e em si mesmo, do conhecimento fosse causa do sofrimento.

  22. - Não está alegado, nem quesitado, nem provado que por não saberem logo das deformidades os autores fossem sofrer mais ou menos, que o seu dano moral fosse maior ou menor.

  23. - O que em bom rigor se sabe e se tem por certo, por ser elementar e da experiência comum, é que a tomada de conhecimento dum facto como este – (a mãe que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT