Acórdão nº 218/08.8TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução23 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães 1.Relatório. O Município de.., intentou acção ordinária contra A....– Auto Estradas..,SA, e I..,SA, pedindo a condenação solidária das RR no pagamento da quantia de € 22.082,20, acrescida de juros desde a citação.

Para tanto , alegou, em síntese, que : - No dia 14 de Dezembro de 2004 , na Auto-Estrada A11,ocorreu um acidente de viação, o qual se consubstanciou no embate entre o seu veículo automóvel de matrícula ..PV e um javali, tendo tal acidente ficado a dever-se a falta ou insuficiência de vedação no local do embate ( que não impediu a entrada do animal na via ), circunstância que é da inteira responsabilidade da A..-Auto Estradas..,SA, ré que porém havia transferido para a Ré Seguradora a sua responsabilidade por danos causados a terceiros; - Em consequência do referido acidente, sofreu o autor diversos danos patrimoniais, designadamente os decorrentes do valor que teve que despender com a reparação do automóvel que ascendeu a € 8.125,90, a que acresce o valor da desvalorização do veículo que ascende a € 2.870,00 e do valor correspondente ao aluguer de veículo de substituição que ascendeu a € 11.086,30.

1.1.- Após citação, a Ré A..-Auto Estradas..,SA contestou, no essencial por impugnação, tendo do mesmo modo a Ré Seguradora apresentado contestação, por excepção (invocando a ilegitimidade passiva) e impugnação, e , proferido no final dos articulados o competente despacho saneador (tendo nele a primeira instância julgado a Ré Seguradora parte legítima) , fixando-se a matéria de facto assente e organizando-se a base instrutória da causa, procedeu-se finalmente à audiência de discussão e julgamento.

1.2.- No final da respectiva discussão, foi a matéria de facto decidida (sem reclamações), após o que proferiu o tribunal a quo sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: a) Absolver a R I..,SA do pedido; b) Condenar a R A.. - Auto Estradas.., SA a pagar ao A Município de.. a quantia de 21.212,20€ (vinte e um mil, duzentos e doze euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Custas por autor e ré A.. na proporção do decaimento.” 1.3. - Inconformada com tal Decisão, da mesma apelou então a ré A.. – Auto Estradas.., SA, apresentando a recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões: I. Entende a R., ora apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, todos da douta b.i.; II. Na verdade, resulta de modo bem evidente da transcrição efectuada no corpo destas alegações que a testemunha D.. (Sr. agente da BT) não assistiu ao acidente (aliás, mais ninguém assistiu), sendo o seu depoimento puramente especulativo, não servindo de forma alguma para provar o que constava dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 9º, artigos esses que deviam ter sido dados como não provados ou, no máximo (e apenas quanto aos artigos 5º e 7º - e este último sendo em parte conclusivo,além do mais, quanto à impossibilidade para o condutor de evitar a colisão), que ocorreu um embate da parte da frente do veículo com um javali e que esse embate provocou a morte do animal; III. Quanto ao artigo 12º da b. i., e para além de ser visível que a sua formulação é nitidamente conclusiva, temos que não foi feita qualquer prova pelo A. (e em sentido contrário foi claramente feita pela R. – vide respostas aos artigos 24º e 25ºda b. i.) que autorizasse a conclusão que o animal acedeu à via através da vedação ou logrando ultrapassá-la, motivo pelo qual devia igualmente ter merecido resposta negativa (não provado); IV. Depois, e no que respeita ao artigo 19º da b. i., sendo rigoroso na apreciação dos dados existentes nos autos (i. e., ouvindo os depoimentos transcritos de P.. e de L.., consultando os documentos juntos aos autos pelo A. e considerando ainda a alínea B) da matéria assente – que o carro foi registado a favor do A. em Setembro de 2003), o Tribunal apenas podia ter dado como provado que o PV é da marca Volkswagen, modelo Passat, e que na data do embate tinha percorrido 89.959 Kms; V. No que concerne aos artigos 20º e 21º da b. i., nada resulta do depoimento das citadas testemunhas (uma delas um mero aficionado, outra um profissional dos automóveis que, no entanto, não soube dizer em concreto – até porque não podia – em que estado se encontrava o automóvel à data do acidente) que consinta que se dê como provado o que constava perguntado naqueles itens da b. i., o que vale por dizer que a resposta a tais artigos devia (e deve) ser negativa; VI. Finalmente, quanto aos artigos 22º e 23º da b. i., e pelas mesmas razões, mas também porque é evidente (apesar das aparentes coincidências) que nenhuma dessas testemunhas sabia (ou sabe) com um mínimo de rigor qual o valor venal do veículo à data do acidente (e quanto valia este novo) e qual – a ter havido – teria sido o valor da sua desvalorização, além de que não se explica a diferença de 3 anos entre a data da alegada compra e a do seu registo (ainda para mais, tratando-se de uma autarquia), entende igualmente a R./apelante que o A. não logrou provar o que destes itens constava e se propôs; Isto posto, VII. Certamente por mero lapso, a douta sentença cita erradamente legislação respeitante a uma outra concessionária de AE - que não relativa à R./apelante,portanto – e alude a Bases (nº XXXVI nº 2 e XLVII do DL nº 294/97, de 24/10) que não têm qualquer correspondência com o diploma legal que instituiu e aprovou as Bases da concessão da R./apelante (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho); VIII. Acresce que não se vislumbra (contrariamente ao que se diz na douta sentença) onde está previsto no diploma legal que respeita à R. ou então no artigo 12º nº3 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho que esta R. só afastará a sua eventual responsabilidade se provar que ocorreu um caso de força maior, bastando para tal ler aquele DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, mas também o nº 3 do artigo 12º citado (e este necessariamente em conjunto com o nº 2 do mesmo preceito legal); Segue-se que, IX. No que concerne à solução de Direito adoptada (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho), temos que falece a razão à douta sentença do Tribunal a quo, desde logo porque inaplicável ao sinistro sub judice que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12º do Cód. Civil e ac. RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt, procurado pelos descritores “acidente de viação and auto-estrada”); X. De resto, nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, diversamente do que sustenta a douta decisão, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9º nº 3); XI. Segue-se que para que uma lei nova possa ser interpretativa é necessário que a solução do direito anterior seja controvertida e que a solução da lei nova se fique dentro dos quadros da controvérsia e de tal modo que a ela se poderia chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei. Será antes inovadora se, em face de textos antigos, nem o julgador, nem o intérprete se podiam sentir autorizados a adoptar a solução que a lei nova consagra (Prof. Baptista Machado, ob. eloc. citados); XII. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora (e que supre aquilo que foi considerado uma lacuna), exclusiva deste tipo de sinistros em AE, que não pode ter aplicação retroactiva (por não respeitar pelo menos um dos dois requisitos indicados pelo Prof. Baptista Machado – ultrapassa claramente os limites impostos à interpretação, integração e aplicação da lei, tanto na letra, como no espírito) e que, também por essa razão, afasta a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos; XIII. Recorde-se que aquela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho teve origem no Decreto nº 122/X da Assembleia da República e este por sua vez nos projectos de lei nºs. 145/X do PCP e 164/X do BE, sendo que o elemento histórico a ter em conta na interpretação neste caso (e que se retira, de resto, daqueles projectos de lei, particularmente daquele do BE) nos indica que a preocupação foi a de inovar, de suprir uma lacuna do sistema, mantendo-se esta questão da responsabilidade das concessionárias no âmbito da responsabilidade delitual, mas inovando-se com a inversão do ónus da prova, antes a cargo do lesado; XIV. Aliás, estava em vigor à data do sinistro (e ainda hoje está, lembre-se) a norma contida na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho que, sem margem para qualquer dúvida (até pela própria epígrafe), situa no campo da responsabilidade extracontratual esta problemática; XV. De forma que não se vê que a Lei tenha vindo interpretar (ou sequer de que forma o poderia ter feito) quer aquela Base LXXIII quer os artigos 483º e 487º do Cód. Civil; XVI. Por outro lado, também não se vislumbra que esta Lei tenha vindo estabelecer uma presunção sobre as concessionárias de AE, seja ela de culpa ou de ilicitude (e mais uma vez o elemento histórico aí está para o demonstrar, como se vê da exposição de motivos do projecto de lei nº 164/X do BE), mas apenas operou uma inversão do ónus da prova, o que, aliás, também se alcança da leitura do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho que forçosamente teria então uma redacção diferente e parecida, pelo menos, com a do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil como defendia p. e. o Prof. Sinde Monteiro – cfr. ac. desta RG de 23-9-2010; XVII. Não é, por isso, aplicável a estes autos a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (e concretamente o seu artigo 12º nº 1) e também não é caso de inversão do ónus da prova, posto que o acidente dos autos...

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