Acórdão nº 929/07.5TAFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução15 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º929/07.5TAFLG do 2ºJuízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença proferida em 23/12/2011 e na mesma data depositada, foi decidido: - condenar o arguido António P... na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco), o que perfaz o montante de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta) pela prática de, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelo disposto no artigo 105.º, 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias ex vi artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

- condenar a arguida “X Costura Calçado, Lda.” na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis), o que perfaz o montante de € 3.000,00 (três mil) pela prática de, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelo disposto no artigo 105.º, 1 ex vi artigo 107.º, n.º 1, com referência ao artigo 7.º, n.º 1, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

- condenar solidariamente os arguidos/demandados X Costura Calçado, Lda., e António P... a pagar ao Assistente/demandante Instituto de Solidariedade e Segurança Social I.P. a quantia de € 75.604,69 (setenta e cinco mil, seiscentos e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos a calcular à taxa legal desde a data da apresentação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, sobre a quantia em dívida de € 47.252,93 (quarenta e sete mil, duzentos e cinquenta e dois euros e noventa e três cêntimos).

O arguido António P..., inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1 -Na Douta Sentença aqui posta em crise, foram dados como provados factos que não o poderiam ter sido, face á prova produzida em audiência, foi o arguido condenado pela prática dum crime que não cometeu, e sem prescindir, a pena aplicada é excessiva, pelo que se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito.

2 - Está o julgamento ferido de nulidade por deficiência grave da gravação da prova em audiência de julgamento.

3 - Da cópia fornecida á defesa do arguido António P..., tal deficiência denota-se em particular nas cruciais declarações do arguido, ora recorrente constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 3 minutos e 12 segundos e gravação digital com 11 minutos e 31 segundos), mas também as declarações da testemunha Maria R..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 5 minutos e 28 segundos), as declarações da testemunha Gracinda A..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 8 minutos e 46 segundos), as declarações da testemunha Clara R..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 3 minutos e 25 segundos), as declarações da testemunha João S..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 4 minutos e 42 segundos), as declarações da testemunha João T..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 5 minutos e 58 segundos), as declarações da testemunha João F..., constantes da audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 (gravação digital com 5 minutos e 35 segundos), conforme também se poderá comprovar pela compulsão da transcrição dos depoimentos infra e que não se reproduz para efeitos de economia processual.

4 - Compulsado e ouvido o teor do CD que contém o registo de toda a gravação dos depoimentos, arguido e testemunhas, verifica-se que existe efectivamente uma gravação deficiente daqueles, que impossibilita uma exacta percepção ou inteligibilidade do que foi gravado.

5 - Imperceptibilidade que, por sua vez, impossibilita o arguido, ou o próprio Ministério Público de recorrer da matéria de facto.

6 - O artigo 363º do Código de Processo Penal diz: “As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.

7 - Com efeito, o legislador pretendeu, com a consagração da obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, é a possibilidade de qualquer sujeito processual poder recorrer da matéria de facto e não apenas da matéria de direito.

8 - Esta gravação só é juridicamente válida e relevante, se for perceptível, audível, para os sujeitos processuais, arguido, Ministério Público, assistente, demandante, ou demandado civil, que dela pretendem retirar consequências, maxime, recorrer da matéria de facto.

9 - Pelo que, uma gravação deficiente, onde as declarações não são perceptíveis, corresponde a uma não gravação.

10 - O exercício do direito do recurso sobre a matéria de facto existe até ao último dia do prazo para interpor o recurso, sendo assim de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão de que se pretende recorrer – artº 411º, n.º 4 do C.P.P..

11 - Assim, em conformidade com o dimanado pelo artigo 122º, n.º 1 do C.P.P., a nulidade torna inválido o acto em que se verifique, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afectar, esclarecendo o n.º 2 que a declaração de nulidade determina quais os actos que possam considerar-se inválidos e ordena a sua repetição, aproveitando-se, todos os actos que puderem ser salvos do efeito dessa nulidade – neste sentido temos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/02/2010, acórdão do Tribunal da Relação do Porto 507/08.1GBPRD.P1 de 05/05/2010, bem como vária jurisprudência referenciada por Vinício Ribeiro no Código de Processo Penal anotado, Coimbra Editora, 2008, em anotação ao art.º 363º - fls. 759 e ss.

12 - A intervenção do Ministério Público e, consequentemente as perguntas pelo mesmo feitas às testemunhas, estão eivadas de um ruído de fundo que dificulta e impossibilita na maioria das situações, a sua exacta percepção.

13 - Também a maioria das intervenções da Senhora Juíza e das Mandatárias, mostra-se ou ruidosa e pouco perceptível, ou imperceptível por demasiado baixa.

14 - A maioria do depoimento do arguido apresenta-se bastante ruidoso, logo imperceptível a sua compreensão.

15 - A maioria do depoimento das testemunhas, essencialmente as das testemunhas Maria R..., Gracinda A..., João T... e João F... apresentam-se bastante ruidosas, sem som, logo imperceptível a sua compreensão.

16 - Ou seja, todos os depoimentos encontram-se afectados na sua clareza e compreensão, quer seja por dificuldade de percepção das perguntas feitas pelo Ministério Público, ou por outros intervenientes processuais, quer pelas respostas dadas, umas ruidosas, outras manifestamente baixas, depoimentos havendo que estão inquinados por mais de um destes vícios.

17 - Pelo que se justifica e é obrigatório, assim o ditando o bom senso jurídico, a repetição de todos os actos correspondentes às declarações quer do arguido, quer das testemunhas.

18 - Assim, deverá se declarada a nulidade da deficiente gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento e, consequentemente, julgar-se as mesmas inválidas, ordenando-se a sua repetição.

19 - Assim se entendendo deverão considerar-se prejudicadas as demais questões a suscitar.

20 - NULIDADE DA SENTENÇA nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea b), por violação do disposto nos artigos 358º e 359º, todos do CPP: Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de salientar, os factos descritos na acusação (normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória), definem e fixam o objecto do processo que por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado - cfr., Ac, do Tribunal Constitucional n.º 130/98, in www.tribunalconstitucional.pt.

21 - Segundo Figueiredo Dias é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal (Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 145; sobre o quadro constitucional justificante do principio da vinculação temática do processo penal, vejam-se, também, os Acs. Do Tribunal Constitucional n.º 173/92, 674/99 e 463/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).

22 - É naquele efeito que se consubstanciam os princípios da identidade (segundo o qual o objecto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença – cfr. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal – II Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Almedina, reimp., 1983, págs. 305 e 317, da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente – cfr. Castanheira Neves Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, pág. 202; por isso, também, “o juiz deve conhecer não de maneira fragmentária mas esgotantemente o facto que é submetido ao seu julgamento” (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, cit., pág. 359; cfr. Também, págs. 314-315 e 317-318) e da consunção do objecto do processo penal (memo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo – cfr. (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, cit., pág. 304 e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, cit., pág. 205).

23 - Com efeito um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT