Acórdão nº 1610/08.3PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução15 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º1610/08.3PBGMR.G1 do 2ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 16/2/2012 e depositada em 23/2/2012, o arguido Domingos L... foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art.137.º n.º1 do C.Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à condição do arguido pagar aos Bombeiros Voluntários de Guimarães, dentro do prazo de um ano e quatro meses, a quantia de €400,00.

O arguido, inconformado com a decisão, dela recorreu, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: 1-O Recorrente não se conforma com a douta decisão recorrida, no que se refere à taxa de alcoolemia, em três pontos fundamentais: a) dedução dos erros máximos admissíveis; b) utilização do mesmo alcoolímetro para a realização do primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado e da contraprova; c) processo metabólico do álcool.

2-À data, hora e local do acidente dos autos, o Recorrente não conduzia o veículo supra identificado sob influência do álcool, porquanto não foi efectuada a dedução do erro máximo admissível ao valor obtido no primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado, que acusou uma TAS de 0,50 g/l, resultado este que foi posto em causa mediante solicitação de contraprova, efectuada pelo mesmo aparelho utilizado para realizar o primeiro exame.

3-A única forma de calcular a taxa de alcoolemia é através de alcoolímetro, que não são instrumentos de medição absolutamente exactos, porque sujeitos a erro, e, consequentemente, os valores obtidos pelos mesmos podem não corresponder ao valor real.

4-Atenta tal realidade, surgiram normas de controlo metrológico, que, apesar de não serem eficazes, determinam que a margem de erro de tais aparelhos se situa entre determinados intervalos e, não ultrapassando essa margem de erro prevista, o aparelho considera-se calibrado e pronto para ser usado.

5-Dada a certificação pelo IPQ, qualquer aparelho certificado pode ser usado com uma margem de erro, sendo esta margem a que a lei permite, de acordo com a Portaria n.º 1556/2007, 10 de Dezembro.

6-Atento tal juízo técnico científico que atesta que o aparelho em funcionamento é utilizado com um erro, a única solução que resta é corrigir tal erro, “(…) usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo)”.

7-Não é admissível que os erros máximos admissíveis sejam apenas considerados no momento técnico de aferição do alcoolímetro e não sejam os mesmos deduzidos nos resultados apurados em tais aparelhos.

8-Só faz sentido que o julgador deduza os erros máximos admissíveis, pois só assim reduz ao máximo o erro entre o resultado do exame e a realidade, não constituindo qualquer obstáculo a existência ou não de norma legal, uma vez que o juízo científico constitui a garantia da existência de erro.

9-Se o juízo técnico cientifico indica que tal aparelho de medição tem uma margem de erro, na análise do resultado apurado deve ser tido em consideração tal erro, sob pena de erro notório na apreciação da prova.

10-É, pois, requisito legal a dedução do erro máximo admissível ao valor obtido através do exame de pesquisa de álcool, quer no resultado obtido no primeiro exame realizado, quer no resultado obtido na contraprova.

11-Se tal dedução tivesse sido efectuada no primeiro exame efectuado, ter-se-ia tornado desnecessária a realização de contraprova, porquanto ter-se-ia demonstrado que o Recorrente não circulava sob a influência do álcool.

12-O Recorrente foi submetido ao primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado às 16h20, acusando uma TAS de 0,50 g/l, e submetido a contraprova às 16h33, tendo acusado uma TAS de 0,54 g/l, deduzida do valor de erro máximo admissível.

13-A absorção do álcool no corpo não é imediata, passando por um processo metabólico.

14-Em regra, após o consumo de uma bebida padrão, a quantidade de álcool no sangue do consumidor atinge o seu auge ao fim de 30 a 45 minutos, sendo a rapidez com que o álcool é absorvido pelo corpo influenciada quer pelo género do consumidor, quer pela alimentação.

15-O Recorrente tinha acabado de almoçar quando sucedeu o acidente dos autos, cerca das 14h50 e foi durante o almoço que aquele bebeu um copo de vinho.

16-Ora, se à hora do primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado às 16h20, a TAS do Recorrente, deduzida a margem de erro admissível, situava-se abaixo do limite de 0,50 g/l, à hora da ocorrência, cerca das 14h50, a TAS no Recorrente situar-se-ia em valores bastante inferiores.

17-Não se encontrava, por isso, o Recorrente, à hora do acidente, a circular sob o efeito do álcool.

18-A jurisprudência maioritária tem considerado que a prova e a contraprova devem ser realizadas em aparelhos distintos, pois só assim se garante o direito ao contraditório e se cumpre o estatuído no art. 153º do Código da Estrada e nos arts. 1º, 2º e 3º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

19-Os citados normativos, ainda que não o digam de forma expressa, pressupõem que a realização de contraprova tem de ser efectuada em aparelho diferente daquele em que se realizou o primeiro exame, ao determinar quer o art. 153º n.º 4 do Código da Estrada quer o art. 2º n.º 1 do referido diploma que o examinando, quando requer a contraprova, deve ser conduzido a local onde o referido exame possa ser realizado.

20-Se a contraprova pudesse ser realizada pelo mesmo aparelho utilizado para efectuar o primeiro exame, não havia necessidade de prever a deslocação do examinando a outro local para efectuar novo exame, pois o aparelho utilizado no primeiro exame encontrar-se-ia no mesmo local.

21-A conjugação dos aludidos artigos só permite concluir que, na falta de um segundo aparelho no local, a contraprova terá de ser efectuada no local onde seja possível aceder a um aparelho distinto daquele, conduzindo-se o examinando a esse local para o efeito, sob pena de o art. 153º n.º 4 do Código da Estrada carecer de qualquer efeito útil.

22-Acresce que, contendo os alcoolímetros margens de erro, a faculdade de requerer a contraprova tem como objectivo eliminar as probabilidades de erro do aparelho utilizado para efectuar o primeiro exame, pelo que, mais uma vez, a contraprova nunca poderá ser realizada pelo mesmo aparelho.

23-São, por isso, pressupostos da contraprova a sua realização em aparelho aprovado e diverso do utilizado no exame inicial de pesquisa de álcool no ar expirado.

24-Encontra-se, por isso, afectada a validade da contraprova, por ofensa ao art. 153º do Código da Estrada e art. 2º n.º 1 do citado Regulamento, que determinam que a contraprova deve ser efectuada por aparelho diverso do utilizado no exame inicial.

25-Esta invalidade determina a inexistência da contraprova, uma vez que falta um elemento essencial – realização da contraprova em alcoolímetro aprovado e diverso do utilizado no exame inicial – e de modo algum pode produzir efeitos jurídicos, inexistência invocável a todo o tempo.

26-Com efeito, trata-se de um meio proibido de prova, nos termos do disposto no art. 125º do Código de Processo Penal, porquanto, não tendo sido observado o disposto no art. 153º do Código da Estrada, a prova é ilegal e, por isso, não pode ser valorada.

27-O resultado da contraprova não foi, portanto, apurado e, tendo sido afastado o valor do exame inicial de pesquisa de álcool no ar expirado, não ficou provada a eventual TAS a que o Recorrente circulava.

28-Consequentemente, a pena a aplicar deve reduzir-se para um ano de pena de prisão suspensa na sua execução.

29-A decisão recorrida violou, por isso, os artigos 8º da Portaria n.º 1556/2007, 10 de Outubro, 1º e 2º da Lei n.º 18/2007, 17 de Maio e 153º, 158º do Código da Estrada e 125º do Código de Processo Penal.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.481 a 503].

Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação.

Nesta instância, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que se pronuncia pela rejeição do recurso nos termos do art.420.º n.º1 al.a) e b) do C.P.Penal, defendendo que ao questionar a existência de álcool no sangue, quando tal facto não foi julgado causal do acidente, o recorrente não tem legitimidade nem interesse em agir porquanto nada foi decidido contra ele nesta matéria e que quanto à redução da pena de prisão, a sua pretensão é infundada [fls.512 a 514].

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respectiva motivação: 1.1. Factos provados com interesse para a decisão da causa.

a) No dia 03 de Novembro de 2008, cerca das 14h50m, 0 arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 46-...-29, pela Rua Engenheiro Orlando Vital Marques Rodrigues, nesta comarca, no sentido Mascotelos- Santiago de Candoso, e à velocidade de cerca de 40Km/h.

b) Na mesma artéria, naquele dia e aquela hora, no mesmo sentido de trânsito seguido pelo arguido, ou seja, Mascotelos-Santiago de Candoso, na hemi-faixa de rodagem esquerda da via...

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