Acórdão nº 1097/09.3TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução09 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

P.., solteiro residente no lugar de.., Viana do Castelo, veio propor acção declarativa com processo ordinário contra a CASA DO POVO DE.., com sede no lugar..,Viana do Castelo, alegando, no essencial, que a R., proprietária de um estabelecimento comercial, cedeu a sua exploração a B... que veio a ceder a sua posição contratual ao A., com a concordância da R. que acabou por celebrar também um novo contrato de cessão de exploração com o demandante.

Por a R. não ter regularizado a falta de licença de funcionamento do estabelecimento, mesmo depois do A., durante a sua exploração, lhe ter fixado um prazo de 180 dias para o efeito, nem ter justificado a omissão persistente, resolveu o contrato e entregou o estabelecimento à R. com o respectivo equipamento.

Por ter cessado o contrato antes do seu termo, por incumprimento definitivo da Casa do Povo, o A. teve prejuízos relacionados com a devolução de uma caução prestada inicialmente e que a R. ainda não devolveu, assim como deixou de auferir os lucros que iria continuar a auferir até à data prevista para o termo do contrato. Sofreu ainda outros prejuízos patrimoniais e danos não patrimoniais de que quer ser ressarcido.

Assim, culmina o articulado inicial nos seguintes termos: «Deve a presente acção ser declarada procedente, por provada, e em consequência:

a) Ser declarado resolvido o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial (bar da Casa do Povo de..) devido a incumprimento definitivo da R.; b) Ser a R. condenada a devolver ao A. a caução prestada de € 6.000,00, acrescido de juros de mora, contados sobre tal quantia à taxa supletiva de juros comerciais, desde a data da resolução do contrato até data da sua devolução ao A., os quais, à data, se liquidam em € 382,86; c) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 49.843,39 a título de lucros cessantes, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento; d) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 872,52, a título de outros danos patrimoniais, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e) Ser a R. condenada ainda a pagar ao A. a quantia não inferior a € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento; f) Ser a R. condenada nas custas e procuradoria condigna.» (sic) A R. contestou a acção impugnando os factos da petição inicial e apresentando-os em versão diferente. Considera que o A. litiga de má fé e que sempre lhe prestou toda a informação quanto ao pedido de licenciamento do estabelecimento. Apesar de ter aceitado a entrega do bar, o A. sabia bem da falta da licença desde momento anterior à assinatura do contrato. A quantia de € 6.000,00 foi-lhe entregue a título de renda antecipada, e não de caução. Foi o A. que abandonou injustificadamente o estabelecimento, causando prejuízos à R.

Termina no sentido de que se julgue a acção improcedente e o A. seja condenado como litigante de má fé.

Na réplica, o A respondeu ao que considerou ser matéria de excepção e formulou pedido subsidiário --- que veio a ser admitido --- para o caso de não proceder o pedido relativo à devolução da caução, de condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 4.700,00, paga a mais a título antecipação de rendas, por enriquecimento sem causa, acrescido de juros de mora, contados sobre tal quantia à taxa supletiva de juros comerciais, desde a data da resolução do contrato até efectiva devolução ao A.

O R. treplicou relativamente ao alegado pagamento antecipado de rendas.

Dispensada a audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador seguido de factos assentes e de base instrutória de que houve reclamação do A., com indeferimento.

Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria da base instrutória, sem reclamações.

Foi então proferida sentença, com o seguinte segmento decisório: «Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: - declara-se resolvido o contrato de cessão de exploração do bar da Casa do Povo de.., celebrado entre o Autor P.. e a Ré CASA DO POVO DE.., por incumprimento definitivo da Ré; - condena-se a Ré CASA DO POVO DE.. a pagar ao A.

- a título de enriquecimento sem causa, € 3.900,00 (três mil e novecentos euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde 31 de Agosto de 2008 até integral pagamento; - por lucros cessantes, € 33.000,00 (trinta e três mil euros), acrescidos de juros de mora, à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação da Ré até integral pagamento; - a título de danos morais, € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a presente data até integral pagamento.

Absolve-se o Autor do pedido de condenação, em multa e em indemnização a favor da Ré, por litigância de má fé.» (sic) Inconformada, a R. interpôs apelação, com as seguintes CONCLUSÕES: «1. O Autor, ao longo do seu petitório, tentou convencer o tribunal do seu desconhecimento quanto à inexistência do alvará de licenciamento, relativo ao bar da Ré casa do Povo de...

  1. Não logrou provar tal desconhecimento.

  2. Da análise atenta do depoimento da testemunha M.., facilmente se percebe que o Autor teve conhecimento das diligências levadas a cabo pela Ré/recorrente, Casado Povo de...

  3. A Ré, e por intermédio desta testemunha, entregou ao Autor cópia da carta que lhe foi remetida pela Câmara Municipal, em resposta à sua missiva datada de 8 de Agosto de 2007, que foi sendo informado, ainda que informalmente do andamento e das contingências daquele processo.

  4. Ao ter conhecimento daquela resposta, ficou também o autor a ser conhecedor da necessidade de um procedimento complexo e dispendioso para a Casa do Povo, questão que jamais poderia ser resolvida de imediato ou mesmo no prazo que mais tarde veio a conceder.

  5. O Autor tomou conhecimento dos procedimentos que teriam de ser adoptados, e que não se cingiam, como se pode comprovar através de uma leitura atenta do documento n.º 1 junto da contestação ao mero “preenchimento de um formulário”, como se refere na douta sentença recorrida.

  6. A Câmara Municipal solicitou à Casa do Povo de.. a entrega de um conjunto de peças, (projecto de estabilidade, projecto de instalação de gás, projecto de redes prediais de água e esgotos, projecto de águas pluviais, projecto de arranjos exteriores, projecto de instalações telefónicas e de telecomunicações, estudo/projecto de comportamento térmico, projecto de instalações electromecânicas de transporte de pessoas e/ou mercadorias, projecto de segurança contra incêndios, projecto acústico) que acarretariam custos na ordem de dezenas de milhares de euros, dada a dimensão das instalações e das suas várias valências.

  7. A Casa do Povo, não tinha nem tem capacidade económica/financeira para levar a efeito tal projecto.

  8. O Autor/ora recorrido, bem sabia que assim era.

  9. O Autor sabia que mesmo concedendo à Casa do Povo ora recorrente um prazo de 180 dias, aquela não conseguiria licenciar as suas instalações por falta de capacidade económica.

  10. O autor fez uso indevido da informação transmitida pela Câmara Municipal, cuja a cópia lhe foi fornecida, estipulando um prazo para a resolução do contrato, com fundamento na falta de licenciamento, bem sabendo desde cedo, que a Casa do Povo, não iria conseguir obtê-lo, em tempo útil.

  11. Com base nesta informação, previu o autor e premeditou o que posteriormente veio peticionar nos presentes autos.

  12. A Ré sempre não se coibiu de diligenciar no sentido de obter o licenciamento pretendido, nem tão pouco negou ao A. qualquer informação sobre tais diligências.

  13. Pela Casa do Povo de.., ora recorrente, sempre foi assumido, e tal questão não foi tida em devida conta na sentença em crise, que esta se responsabilizaria por qualquer coima cuja aplicação tivesse origem na falta de licenciamento e ainda assumiria os prejuízos decorrentes de um eventual encerramento com base na falta daquele documento.

  14. Tal facto era do conhecimento do recorrido, e tal garantia foi sobejamente transmitida e assumida perante este.

  15. Pelo exposto, deve a resposta ao quesito 2.º da Base instrutória ser alterado dele passando a constar que após o dia 8 de Agosto de 2007, a Ré ora recorrente deu conhecimento ao autor, da resposta da Câmara Municipal ao requerimento entregue pela Casa do Povo, com data de 8 de Agosto de 2007, junto daquela edilidade, bem como deu conhecimento ao Autor de todas as diligencias pela Ré/Recorrente levadas a efeito tendentes à obtenção do licenciamento das instalações da Casa do Povo onde se inclui naturalmente o Bar.

  16. Ficou provado na resposta aos quesitos, o Autor sabia que o estabelecimento (Bar da Casa do Povo), funcionava há vários anos (resposta ao quesito 9.º), sabia ainda que o bar da Casa do Povo não tinha licenciamento (resposta ao quesito 8.º e 9.º).

  17. Ficou demonstrado que a Casa do Povo informou o Autor das diligências realizadas, no sentido da obtenção do licenciamento do Bar, forneceu aquele cópia dos requerimentos entregues junto da Câmara Municipal de Viana do Castelo, bem como das respostas remetidas por aquela.

  18. A Casa do Povo assumiu o pagamento de qualquer coima ou prejuízo que a falta de licenciamento pudesse acarretar para o Autor, nomeadamente os decorrentes do encerramento do bar.

  19. o Autor ora recorrido, ao peticionar o que peticionou neste processo, omitindo factos dos quais não podia desconhecer como se demonstrou, age com má-fé e em manifesto abuso de direito, na modalidade “venire contra factum próprium”, procurando obter com o presente processo uma vantagem patrimonial que bem sabe não ter direito.

  20. Os quatro pressupostos de protecção da confiança através do “venire contra factum proprium” são: 1.º Uma situação de confiança; 2.º Uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT