Acórdão nº 345/03.8TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelRITA ROMEIRA
Data da Resolução31 de Maio de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO T...Crédito intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a Câmara Municipal de C..., pedindo a sua procedência e que se condene a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias pecuniárias: a) € 78.396,07, referentes aos créditos financiados e não pagos pela Ré, em conformidade com o alegado na petição inicial; b) € 2.221,00, referente a despesas por si suportadas, em conformidade com o alegado na petição inicial; c) juros vincendos, à taxa legal, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade, celebrou com a sociedade Construtora ..., Lda., em 28 de Maio de 1999, um contrato de factoring, nos termos do qual adquiriu a tal sociedade créditos sobre terceiros, nomeadamente, os créditos sobre a Câmara Municipal de C ..., aqui Ré, no valor global de € 156.910,51, titulados em facturas discriminadas na petição inicial. A ré notificada da celebração desse contrato, aceitou fazer os pagamentos à autora e chegou mesmo a liquidar algumas facturas. Contudo, relativamente às supra aludidas, não o fez, sendo, por isso devedora da quantia de € 156.910,51, referente aos aludidos créditos titulados pelas mesmas facturas, sendo que, não obstante ser essa a quantia total da dívida, a Autora pede nesta acção tão somente os valores financiados e entregues ao aderente no âmbito do contrato financiado, na quantia de € 78.396,07, acrescida do montante das despesas na celebração e manutenção do contrato, no montante de € 2.221,00 e, ainda, dos juros de mora.

Citada, a Ré contestou, alegando que o contrato de factoring invocados na petição inicial – e a cessão de créditos que o mesmo encerra – é nulo ou inválido, pois que o cedente não podia ceder à Autora os créditos sobre a Ré, por a tal estar vedado nos termos do contrato de empreitada de obras públicas celebrado que esteve na base da constituição dos créditos em causa.

Por outro lado, tal contrato não pode produzir efeitos relativamente a si, pois que, nos termos do sobredito contrato de empreitada, a construtora não poderia ceder ou dar como garantia tal contrato de empreitada ou qualquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da contestante.

Sucedeu que não houve acordo escrito prévio ou posterior à celebração do contrato de factoring, pelo que a Construtora ...nunca poderia ceder à Autora os créditos que detinha sobre si.

No mais, impugnou, por falsos ou porque desconhecidos, os factos alegados na petição inicial e afirmou que jamais o seu representante legal assinou, reconheceu ou assumiu a existência de qualquer cessão de créditos, bem como que todos os pagamentos relacionados com a empreitada em causa sempre foram feitos através de cheques emitidos à ordem da construtora.

A finalizar, invocou que já pagou a totalidade do preço da empreitada e que, por isso, nada deve à Construtora ..., no âmbito da empreitada em apreço.

Por último, impugna o valor reclamado relativo a despesas diversas na celebração e manutenção do contrato de factoring.

Conclui, assim, pela improcedência da acção.

A Autora replicou, pondo em causa a posição da Ré invocada na contestação, sustentando, no essencial, que a Ré, através do Chefe de Repartição, e ao abrigo do despacho de delegação do Presidente da Câmara, aceitou expressamente efectuar os pagamentos devidos pela empreitada através do factoring, tanto que chegou a efectuar o pagamento de algumas facturas à Autora.

Conclui como havia feito na petição inicial.

Após despacho que admitiu a réplica apresentada pela autora e julgou inadmissível a tréplica apresentada pela ré, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, da qual reclamaram a autora e a ré na sessão da audiência de julgamento, cfr. consta da acta de fls. 256 e 257, o que foi decidido através de despacho proferido na mesma sessão de julgamento, deferindo as reclamações apresentadas.

Instruídos os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto nos termos que constam de fls. 382 a 387, sem reclamações.

Juntas as alegações sobre o aspecto jurídico da causa, foi a fls. 420 e ss., proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora: a) a quantia de € 78.396,07; b) juros de mora sobre tal quantia, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a citação (17-09-03) e até integral pagamento; c) o montante de despesas de celebração e manutenção do contrato que venha a apurar-se em execução de sentença.

Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, o qual foi decidido nos termos do douto Acórdão de fls. 579 a 598, que julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença proferida apenas na parte em que condenou em custas a Ré, confirmando-a quanto ao mais.

Desta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por douto Acórdão de fls. 699 a 706, decidido anular o julgamento e ordenar a baixa dos autos à Relação de Guimarães, para ampliação da matéria de facto, nos termos dos artºs 729, nº3 e 730 do C.P.C..

Conforme consta do douto Acórdão desta Relação a fls. 714 a 716, decidiu-se, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, anular a sentença proferida em 1ª instância, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão não viciada, podendo, no entanto, aquele tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na nova decisão a proferir.

De novo na 1ª instância, em obediência ao douto Acórdão supra referido, foi ampliada a base instrutória nos termos que constam a fls. 785. Realizado o julgamento, apenas quanto a esta matéria, foi a mesma decidida nos termos que constam de fls. 1004 a 1009, sem que dela tenha havido reclamação.

Por fim foi proferida sentença com a seguinte decisão: “Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente: a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 78.396,07; d) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que vier a ser liquidada ulteriormente, referente a despesas suportadas pela Autora com a manutenção do contrato de factoring dos autos; e) juros de mora, à taxa aplicável aos juros de natureza comercial, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Custas da seguinte forma: .- a Autora, nesta sentença, tem um decaimento certo quanto ao pedido de juros relativo ao período que vai da propositura da acção até à citação; por outro lado, decairá total ou parcialmente ou não decairá de todo quanto ao seu pedido referente às despesas de manutenção do contrato; em tudo o mais, obtém vencimento de causa; assim, considerando a isenção subjectiva de custas de goza a Ré, serão tais custas repartidas da seguinte forma: .- relativamente ao pedido de € 78.396,07 não haverá custas; .- relativamente ao pedido de € 2.221,00 ficarão a cargo da Autora provisoriamente na proporção de ½, sendo a responsabilidade definitiva fixada ulteriormente na decisão que vier a ser proferida a esse propósito no incidente de liquidação a deduzir; .- relativamente ao pedido de juros, ficarão a cargo da Autora na proporção de decaimento quanto aos juros incidentes sobre a quantia referida em a); quanto ao pedido de juros sobre a quantia referida em b), não haverá custas.”.

Inconformada com esta decisão dela recorreu a ré, terminando as suas alegações, após ter sido notificada para esse efeito, cfr. despacho de fls. 1173, com as seguintes CONCLUSÕES: 1ª- As Partes no presente Processo são a Autora e a Ré/Recorrente e nenhuma outra; 2ª- Deu-se como provada (na douta Sentença recorrida) a existência da cláusula de proibição da cessão de créditos sem prévio acordo escrito da R./Recorrente (Câmara Municipal) —Ponto 3 dos Factos Provados; 3ª- Deu-se ainda como provado que “Nunca a Câmara Municipal de C... deu o seu acordo escrito à celebração do acordo referido em 5”, i.é, ao contrato de factoring em causa (Ponto 12 dos Factos Provados); 4ª- Todavia, - sendo embora a Recorrente um ente administrativo, como é notório e do conhecimento geral - com base no “Oficio” do Chefe de Repartição a que se alude no Ponto 4 dos Factos Provados, concluiu-se, mesmo assim, que o mesmo (Ofício) é eficaz para “suprir a falta de acordo escrito para a cedência de créditos“, i.é aquela cláusula de proibição da cessão de créditos - tanto bastando para condenar a R./Recorrente :Ao assim considerar a douta Sentença apelada é nula, já que os fundamentos estão em oposição com a decisão.

  1. -. A douta Sentença recorrida incorreu, ainda, em Erro de julgamento na apreciação da Matéria de Facto, porquanto: - Jamais a Ré/Recorrente fez qualquer pagamento de Factura directamente a Recorrida.

    -Todos os cheques para pagamento da empreitada — já paga na totalidade - foram emitidos á ordem da “Construtora ..., Lda”.

    Sendo certo que as Testemunhas arroladas pela Autora, quando inquiridas (pelo mandatário da Recorrente) referiram que a Autora dispunha de uma Procuração para endosso outorgada pela Construtora ..., Lda, - A Recorrente é, evidentemente, alheia a essa Procuração.

    - Não se poderá inferir, como se fez na Sentença apelada, que dada a existência dessa Procuração tal equivale ao reconhecimento (pela R./Recorrente) de que foram feitos pagamentos à Autora.

    - A Autora/Recorrida tinha conhecimento - no momento da cessão - da existência da cláusula de proibição da cessão, por haver-lhe sido entregue pela Construtora ..., Lda. uma Cópia do Contrato de Empreitada em causa (Art. 577°-nº2 C.Civ.) -A Autora/Recorrida tinha conhecimento de que se estava apenas em fase de negociação preliminar para — eventual - posterior deliberação da Câmara Municipal a autorizar a cessão.

    -A Autora/Recorrida tinha conhecimento de que só o órgão...

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