Acórdão nº 2/08.9TACBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução14 de Maio de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães * I- Relatório A assistente Maria F... requereu a abertura de instrução contra o arguido Joaquim A... a quem imputou, no respectivo requerimento, a prática de, pelo menos, onze crimes de Abuso Sexual de Criança, p. e p. pelo artigo 172.º do CP então em vigor e actualmente p. e p. pelo art. 171.º do CP.

Aquando da decisão instrutória foi proferido despacho a declarar extinto o procedimento criminal por prescrição.

Inconformada recorre a assistente, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1- Não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, tal como, de forma errada, se concluiu na decisão recorrida.

2- Não obstante a, alegada, alteração substancial dos factos, suscitada no processo 25/03.4 TACBC, veio depois a constatar-se que o arguido acabou por ser acusado nestes autos pelos mesmo factos e pelo mesmo crime de que já era acusado no anterior processo, com prolongamento do período de actuação criminosa até fins de Agosto de 1997, o que, por si só, não configura alteração substancial.

3- Sendo os mesmos os factos nestes autos, verifica-se que no outro processo (25/03.4 TACBC), ocorreram dois factos processuais que interromperam o prazo de prescrição, a saber, a constituição de arguido em 03.07.2006 e a notificação da acusação em 23.03.2007.

4- Ainda que existam dois processos distintos, salvo melhor opinião, não pode nunca entender-se que os factos são também diferentes, porque na realidade não o são.

5- Nem são diferentes os factos nem é diferente o tipo legal de crime, pois como supra se referiu, e não obstante a alegada alteração substancial dos factos, estes vieram a ser exactamente os mesmos, tal como o tipo legal de crime – abuso sexual de crianças.

6- O prazo de prescrição conta-se a partir da prática dos factos e, sendo estes os mesmos num e noutro processo, início da contagem ocorre em finais de Agosto de 1997.

7- Se os factos são os mesmos, e se o mesma pessoa é constituída arguida e notificada da acusação pela prática desses mesmos factos, ainda que no processo anterior, que deu origem ao actual, tais actos processuais têm que necessariamente provocar a interrupção da prescrição.

8- Ao decidir pela procedência da prescrição do procedimento criminal, a decisão recorrida interpretou e aplicou de forma errada o disposto no art. 121º do CP, pois não considerou, novamente mal, a existência de dois actos processuais que determinam a interrupção da prescrição, nomeadamente a constituição como arguido (artº 121 a) e b) do CP).

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido.

* O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do mesmo, invocando, entre o mais, o seguinte: “… A questão a decidir no presente recurso é a de saber se o procedimento criminal está efectivamente prescrito, tal como se entendeu na decisão recorrida e defendeu o Ministério Público na primeira instância.

Como decorre da motivação do recurso da assistente, a controvérsia surge quanto à relevância dos factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, ocorridos num processo onde se verificou uma “alteração substancial de factos”.

O despacho recorrido sustenta que a alteração substancial dos factos descritos na acusação dá início a um novo processo e, portanto, os factos interruptivos ou suspensivos da prescrição até aí verificados deixam de ter qualquer relevância, enquanto a assistente defende o contrário… … A decisão recorrida, partindo do entendimento de que a comunicação da alteração substancial valia como “denúncia”, concluiu que os presentes autos constituem um novo processo para todos os efeitos legais, designadamente para afastar qualquer efeito interruptivo ou suspensivo às ocorrências processuais até então ocorridas.

A este propósito diga-se, desde já, que não se entende que assim tenha concluído, pois que o mesmo entendimento não foi sufragado quando se tratou de indeferir as diligências de instrução requeridas pela assistente, aí tendo a decisão judicial, na guarida da tese também defendida pelo Ministério Público e com suporte na doutrina e na jurisprudência, proclamado que “todos os actos e despachos praticados no Processo n.º 23/03.4TACBC até ao despacho que ordenou a separação, mantêm a sua validade nos presentes autos” (Cfr. fls. 841 e fls. 856)… … Anotadas as incongruências, diremos, em convicção, que outra não poderá ser a decisão que não seja a de afirmar a efectiva validade de todos os actos praticados no processo n.º 23/03.4TACBC, designadamente no que concerne aos efeitos interruptivos da prescrição que derivaram da constituição de arguido em 03.07.2006.

É este o sentido uniforme e reiterado da jurisprudência conhecida, neste âmbito se evidenciando a jurisprudência ditada pelo Ac. T.R.Porto de 18.06.2008 (Processo n.º 0811771, Rel. Élia São Pedro, in http://www.dgsi.pt/jtrp), pelo Ac. STJ de 05/02/2003 (in http://portal.codigodaestrada.net) e pelo Ac. T.R.Coimbra de 28.10.2008 (Processo n.º 560/07.5TACBR.C1, Rel. Jorge Dias, in http://www.dgsi.pt/jtrc)...

... À luz daqueles ensinamentos, impõe-se pois saber se, nestes autos e tendo em conta essa interrupção, ocorreu ou não a prescrição do procedimento criminal.

O crime em apreço, Abuso Sexual de Crianças, independentemente do regime penal aplicável – artigo 172.º, n.º 1, na versão de 1995 do Código Penal e artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal vigente – é punido com pena de prisão de um a oito anos.

O prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos (alínea b) do artigo 118.º do C. Penal).

Estamos perante um crime continuado, e, como tal a prescrição do procedimento criminal só corre desde a data da prática do último acto (art.º 119.º n.º 2, al. b) do C.Penal) – No caso, em Agosto de 1997 ou em Agosto de 1998.

No âmbito do processo n.º 25/03.4TACBC, Joaquim A... foi constituído arguido em 03.07.2006 (Cfr. fls. 228 e segts.) A constituição de arguido interrompeu a prescrição do procedimento criminal, inutilizando todo o tempo até então decorrido e começando a correr novo prazo a partir daí (art.º 121º, n.º 1, a) e n.º 2 do C. Penal).

Porém, a prescrição do procedimento criminal não poderá remontar até 03.07.2016, pois que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (art.º 121.º, n.º 3 do C.Penal).

Não havendo causa de suspensão, a prescrição, mesmo considerando que a data da prática do último acto se situou em Agosto de 1997, apenas ocorrerá em Agosto de 2012 (1997+15anos), mantendo-se, por...

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