Acórdão nº 6246/10.6TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

P.., intentou ação declarativa, sob a forma de processo sumário, contra AENOR - AUTO-ESTRADAS DO NORTE, SA, atualmente ASCENDI NORTE, AUTO-ESTRADAS DO NORTE, SA, alegando, aqui sinoticamente, que, transitando o seu veículo, conduzido por R.., na autoestrada A11, aquela condutora foi surpreendida pelo aparecimento, à sua frente, de uma enorme pedra aos rebolões, provinda de um talude existente na zona da autoestrada, contíguo à via em que a R.. circulava. Não conseguindo ela evitar tal obstáculo, a veículo embateu frontalmente nele e despistou-se.

Da colisão com a pedra resultaram vários danos no veículo e prejuízo pela sua imobilização, pelos quais deve responder a R., por violação dos deveres de vigilância, prevenção e manutenção sobre a A11 de que é concessionária de exploração. Estima tais prejuízos no valor total de € 6.508,35.

Termina assim: «Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e provada e em consequência deverá a R. AENOR ser condenada a indemnizar o A. por todos os danos e prejuízos sofridos decorrentes daquele acidente, pagando-lhe a quantia de 6.508,35 Euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo pagamento.» (sic) Citada, a R. contestou a ação, impugnando grande parte dos factos alegados pelo A., dizendo, designadamente, que cumpre as suas obrigações de zelo e vigilância e que nenhuma pedra ou fragmento foi encontrado antes ou depois da alegada colisão, pelas rondas regulares que o seu pessoal realizou antes e depois dos factos alegados.

Requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros.., S. A., por estar transferida para esta seguradora a responsabilidade civil relativa à exploração da autoestrada.

Culminou assim a contestação: «Nestes Termos: a) Deve o Tribunal, ao abrigo do preceituado no artigo 508° do C. P. C, convidar o A. a apresentar nova p. i. aperfeiçoada e a concretizar em factos a matéria conclusiva que consta da p. i. que se contesta, de harmonia com o sugerido supra; Se assim não se entender, b) Deve a presente acção ser julgada totalmente não provada e improcedente, absolvendo-se a contestante do pedido; c) Deve ser ordenado, após audição da parte contrária, o chamamento da Companhia de Seguros.., S. A., de harmonia com o supra alinhado.» (sic) O A. respondeu à contestação, ali corrigiu a petição inicial e manifestou-se pela não oposição à intervenção principal.

Admitida a intervenção da COMPANHIA DE SEGUROS.., SA, esta foi citada e contestou a ação.

Aceitou a existência, validade e eficácia do contrato de seguro, porém, com franquia de 10% sobre o valor dos prejuízos indemnizáveis, com um mínimo de € 3.000,00 e um máximo de € 25.000,00.

Quanto ao acidente, impugnou a generalidade dos factos, considerando que os valores reclamados são exagerados e injustificados.

Terminou no sentido de que a ação deve ser julgada não provada e improcedente, com absolvição da interveniente do pedido.

O processo foi instruído.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto, a que se seguiu a prolação da sentença, também em ata, com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada nessa parte, e, em consequência: A) Condena-se a Ré Companhia de Seguros.., SA a pagar ao A. P.. a quantia de € 1.258,35 (mil duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento; B) Condena-se a Ré Ascendi Norte, Auto-Estradas do Norte, SA a pagar ao A. P.. a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento.

  1. No mais, absolvem-se as RR. do pedido.» (sic) * Inconformada, recorreu a R., de apelação, com as seguintes CONCLUSÕES: «I. Na opinião da R./apelante, o Tribunal a quo não analisou correctamente (longe disso, aliás) a prova produzida (e aquela não produzida) pelas partes, incorrendo em claro erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos pontos 5, 6, 7 e 29 da numeração seguida pela douta sentença; II. De facto, nenhuma das testemunhas do A. viu ou sequer afirmou (apenas imaginou) que o sinistro sub judice decorreu da colisão com uma pedra, que rolou/se soltou de um talude, que o veículo passou por cima da pedra e ainda que a arrastou, sendo certo que também não se pode chegar a essa conclusão por razões de normalidade ou de experiência comum, muito menos com base numa qualquer presunção natural; III. Mais: não há prova minimamente segura nos autos que esse acidente aconteceu ao Km 28+000 da A11, sentido Braga – Guimarães, como alegou o A., e que, pelo contrário, não poderia ter acontecido ao Km 30+342 da mesma A11, e mesmo sentido de marcha, local este que não integra a concessão da R./apelante; IV. De sorte que os pontos 5, 6 e 7 deviam ter recebido resposta negativa ou, pelo menos, considerados como não provados quanto a ter acontecido um acidente ao Km 28+000 da A11 decorrente da colisão do veículo com uma pedra vinda do talude; V. E também o ponto 29, na medida em que não se logrou provar que o local do sinistro foi o referido Km 28+000 da A11, devia ter recebido resposta diferente, expurgando-se dessa resposta que os diversos patrulhamentos da R./apelante passaram “no local do embate”.

Dito isto, VI. Não havendo dúvidas quanto à circunstância de estar em vigor, à data dos factos, o artigo 12º nº 1 alínea a) Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, resta, no entanto, apurar se este preceito legal tem aplicação ao sinistro sub judice, sabendo-se de antemão que o Tribunal entendeu afirmativamente, ou seja, que esse normativo legal se aplica ao acidente dos autos; VII. Todavia, e uma fase anterior, cumpre dizer que não se verifica a oneração da concessionária com uma presunção de incumprimento e/ou de culpa, muito menos se deverá entender que a exclusão da eventual responsabilidade da concessionária só ocorre com a verificação de um caso fortuito ou de força maior ou então com a prova de que o obstáculo se encontrava na via devido a facto da responsabilidade de outrem; VIII. Efectivamente, e quanto às ditas presunções de incumprimento e/ou de culpa, nem tal decorre da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (vide, a este propósito, o ac. desta Relação de Guimarães de 23-9-2010, citado no corpo destas alegações), nem tal resulta do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 Julho, concluindo-se tão-só que com o advento da Lei citada passou a impender um ónus de prova (uma inversão do ónus da prova, portanto) sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso) no âmbito da responsabilidade extracontratual; IX. Depois, e quanto à ideia de que a R./apelante logra afastar a sua eventual responsabilidade se provar a ocorrência de um caso de força maior, também aqui não se vislumbra – seja na Lei a que nos referimos (vide o nº 3 do artigo 12º e leia-se este em conjunto com o nº 2 do mesmo artigo, como se deve), seja no DL que aprovou as Bases da Concessão da R. – que assista razão ao Tribunal a quo; X. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a assegurar permanentemente a circulação na AE em boas condições de segurança e comodidade (embora não ancorada na Base citada pela douta sentença porque pertencente a outra concessão de AE), daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, no fundo, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes, até porque as suas obrigações são de meios e não de resultado, como facilmente se intui; XI. Mais: também não nos parece que se possa considerar que incumbia à R./apelante demonstrar a responsabilidade de outrem para se eximir da sua eventual responsabilidade, sendo certo que dessa forma caminharíamos inevitavelmente na direcção de uma responsabilidade objectiva que também não tem qualquer previsão legal.

Isto posto, XII. A douta sentença dedica-se ainda a tentar (e com perdão da palavra) “desconstruir” o nº 2 do artigo 12º da Lei citada, argumentando para tal que o legislador não pretendeu (com aquele preceito legal) cercear ao lesado os meios de prova ao seu alcance; XIII. Contudo, lendo (como se deve) aquele nº 2 em conjunto com o nº 1 do mesmo artigo 12º, temos que não se trata de impedir ou limitar o lesado de lançar mão de qualquer meio de prova admissível em Direito, mas antes, e isso sim, de conferir à autoridade policial o poder/dever de dar mais crédito logo no local à versão do acidente apresentada pelo lesado (e claramente, assim ocorrendo, em favor deste), afastando assim e designadamente - parece-nos - possíveis encenações e/ou simulações de acidentes - veja-se, p. e., os antecedentes históricos desta Lei, e particularmente a exposição de motivos e o artigo 5º do projecto de lei nº 164/X do Bloco de Esquerda (BE), bem como o Decreto nº 122/X da Assembleia da República (AR) que corresponde à aprovação daquela Lei nº 24/2007, para reconstituir a mens legislatoris e para se perceber que se partiu de uma inversão de ónus da prova “pura” (projecto de lei do BE) para uma solução “temperada” com aquela exigência de confirmação das causas do acidente pela autoridade policial (decreto da AR); XIV. Ora, a douta sentença apenas podia ter-se socorrido do disposto no nº 1 do artigo 12º (fazendo impender o ónus ali previsto sobre a R.) se a autoridade policial tivesse (obrigatoriamente) verificado no local as causas do acidente (nº 2), acrescentando-se que só estava esta autoridade dispensada de o fazer em caso – aqui sim - de força maior (nº 3); XV. Todavia, dos autos resulta inequivocamente que nem a militar da GNR verificou uma pedra, nem o funcionário da R. avistou essa pedra ou o quer que fosse (e tanto ao Km 28+000, como ao Km 30+342 da A11), razão pela qual só se poderá concluir que a autoridade policial não verificou no local apontado as causas do acidente narrado pelo A. e bem assim...

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