Acórdão nº 1489/17.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrada Maria, seguradoras X - Companhia de Seguros, Sa, Companhia de Seguros Y, Sa/Seguradoras W, Sa e Z Companhia de Seguros, Sa e entidade patronal B., Sa.

Foi realizado exame médico e realizada tentativa de conciliação que se frustrou.

A sinistrada pediu: “serem as Rés condenadas a pagar à Autora, na medida das suas responsabilidades: - A pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de €305,93, com início em 21/04/2017.

- A quantia de €668,34 de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta.

- A quantia de €24,00 a título de despesas de transporte para se deslocar ao tribunal e a actos médicos.

- Juros de mora vencidos e vincendos sobre tais quantias, calculados à taxa de 4%.”.

Alegou, em súmula: era empregada da 4ª R; em 02.04.2017, sofreu um acidente quando se prestava a dirigir para o seu local de trabalho (dirigia-se para a garagem da sua residência, a fim de entrar no veículo automóvel); e essa R tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para as demais RR.

A 4ª R alegou no sentido de impugnar a matéria relativa ao descrito acidente, nomeadamente.

As demais RR contestaram alegando, sumariamente: no mesmo sentido; quanto à retribuição segura ser inferior à retribuição anual invocada; estão vinculadas a um contrato de co-seguro, por força do qual as suas responsabilidades são de 65% para a 1ª R, 22,5% para a a 2ª R e 12,5% para a 3ª R; e a A não apresentar à altura qualquer sequela incapacitante.

Foi proferido despacho saneador, altura em que se fixaram os factos assentes e a base instrutória bem como se determinou que em apenso se fixasse a incapacidade.

Neste, realizado exame por junta médica, foi decidido que “a A se encontra curada, com uma IPP de 2%, tendo tido ITA desde 3/4/2017 até 2/5/2017 e ITP de 10% de 2/5/2017 até 15/5/2017 (data da alta 16/5/2017)”.

Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença decidindo-se: “Condenar as RR. seguradoras, na proporção da respectiva responsabilidade, a pagar à A.: - o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €277,45, com início no dia 17/5/2017, bem como €1.210,01 de indemnização pelas incapacidades temporárias e €24,00 de despesas de deslocação; juros nos, termos supra expostos; Condenar a R. “B.” a pagar à A.: - o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €28,48, com início no dia 17/5/2017, bem como €124,17 de diferenças nas incapacidades temporárias; juros nos termos supra expostos.” As seguradoras recorreram.

Conclusões: “1. A factualidade apurada não permite qualificar o acidente dos autos como um acidente de trabalho.

  1. Efectivamente, apurou-se o seguinte: “4 - No dia 2/4/2017, pelas 6,00 horas, quando a A. se dirigia para a garagem da sua residência, a fim de entrar no veículo automóvel para se deslocar para o seu local de trabalho, escorregou e caiu, sofrendo entorse do tornozelo direito e fractura da tíbia. 5 - A residência da A. é constituída por uma moradia unifamiliar, totalmente rodeada por muro e portões eléctricos que a separam da via pública. 6 - A queda da A. ocorreu no interior do logradouro murado da sua habitação, no percurso entre a edificação habitacional e o anexo onde se encontrava estacionada a sua viatura.” 3. Ou seja, é bom de ver que a A. não estava já a dirigir-se para o seu local de trabalho mas apenas a dirigir-se para a sua garagem, no interior do logradouro vedado da sua habitação, para depois, quando acedesse à via ública, então sim, iniciar o trajecto para o seu local de trabalho.

  2. O Art. Artigo 9.º da Lei 98/2009 ao operar a extensão do conceito de acidente de trabalho tal como previsto no Art. 8º do mesmo diploma, estatui expressamente que: 1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte; b) …………; c)…………..; d)…………..; e) ………….; f) …………; g) …………; h) …………;.

    2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: a) ……………; b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; c) …………..; d)…………..; e)…………..; f)…………; 3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.

    4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.

  3. Assim, e desde logo, temos que a Apelada não havia sequer iniciado qualquer trajecto, encontrando-se ainda na sua residência, em espaço murado e vedado ao público.

  4. Nem sequer do ponto de vista etimólogo ou gramatical o conceito estatuído na letra da lei se encontra verificado.

  5. Ora, letra da lei ao operar a extensão do conceito de acidente de trabalho (artigo 9.º da Lei n.º 98/2009), pressupõe que no momento da ocorrência do acidente, o trabalhador se encontre já no trajecto casa/trabalho ou seja, fora do espaço privado da sua residência e/ou sob a alçada e subordinação da empregadora.

  6. A Apelada apenas iria iniciar o trajecto residência/local de trabalho quando, depois de estar no seu automóvel, acedesse à via pública, iniciando então o trajecto, o percurso para o trabalho.

  7. A actual redacção da Lei 99/2008 ao regular esta matéria diverge do previsto na Lei 100/97 de 13/09, regulamentada pelo DL 143/99 de 30/04 – em que se consignava que estava abrangido o trajecto desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública até às instalações que constituam o local de trabalho.

  8. Na actual lei esta especificação desapareceu, reportando-se, agora à protecção ao trajecto entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituam o local de trabalho.

  9. O que indicia claramente, ao contrário do que entendeu o Mmo Juiz a quo que o sentido da lei é o de que encontrando-se o trabalhador ainda dentro da área envolvente da residência, como seja o logradouro, ainda não estará entre a residência e o local e trabalho, mas sim na residência.

  10. Como ensina Júlio Gomes, os acidentes ocorridos na residência do trabalhador não encontram tutela neste regime por “se situarem numa esfera de risco do próprio trabalhador, num espaço por este controlado e a cujos perigos sempre se exporia, mesmo sem trabalho” (idem, pg. 181).

  11. No logradouro de sua casa, como no interior da mesma, a A. não está ainda sob risco empresarial ou de autoridade, mas apenas no âmbito da sua vida privada, totalmente dependente da sua esfera de actuação e sob o seu controle.

  12. No mesmo sentido, diz Pedro Romano Martinez, que “a responsabilidade por acidentes de percurso não abrange situações em que o trabalhador se encontra num espaço por ele controlado, em particular na sua vida privada” (Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, pág. 829).

  13. Este entendimento, para além de ser a única que respeita a letra da lei, como exige o Art. 9º CCiv. (trajecto, diz a lei) assim como o seu espírito (proteger o trabalhador quando se encontra já, por força da relação laboral, em área do risco empresarial e não sob o risco privado que todos corremos em nossas casas) leva a que o acidente dos autos não possa ser qualificado como acidente de trabalho.

  14. Ao decidir diferentemente, o Mmo. Juiz a quo violou a letra da lei (ao ignorá-la, abstraindo da necessária correspondência com a mesma, que diz expressamente “A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: … b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; 17. Além de ilegal por vilar a letra da lei, tal solução opera uma extensão tal do conceito de acidente de trabalho que extravasa o seu sentido – ao ponto de acidentes domésticos passarem a ser qualificados como acidentes de trabalho.

  15. Nem sequer tem qualquer lógica entender, aceitando-se o raciocínio da decisão em crise, que uma queda no logradouro de uma moradia é acidente de trabalho mas que uma queda quando o trabalhador se dirige para a cozinha, para ir tomar o pequeno-almoço, não o seja.

  16. O logradouro da casa da Apelada é um espaço sob controlo e domínio exclusivos da mesma, sem qualquer conexão com a sua actividade profissional e em que não está sob risco empresarial ou de autoridade.

  17. Neste sentido, que se crê ser o correcto, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2015, votado por unanimidade, de cujo sumário se retira o seguinte: I - A tónica delimitadora do que é acidente in itinere, ou não, passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afectam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reacção.

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