Acórdão nº 3192/14.8TBBRG-G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autora e apelada: SANDRA (…) casada, NIF nº …, residente na Rua da …, nº …, em …, Braga, Réu e apelante: JOÃO (…), médico …, com domicílio profissional na Avª …, nº … – …º andar, sala …, em …, Braga Interveniente e apelante: (…) - Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua … nº …, da cidade do Porto I.
Relatório A Autora na petição inicial pediu a condenação do Réu a pagar à Autora “a quantia de € 58.500,00 (cinquenta e oito mil e quinhentos euro) a título indemnizatório por todos os danos que lhe foram provocados com a atuação ilícita por ato e/ou omissão do Réu, devidamente atualizada à data da prolação e/ou acrescida dos juros moratórios vincendos desde a data da citação, à taxa legal”. No decurso dos autos, requereu a redução do pedido para a quantia de €35.000,00, o que foi admitido por despacho de 22/03/2018.
Alega, para tanto e em síntese, que procurou os serviços do Réu, médico dentista, com o propósito de melhorar a sua aparência dental, o qual lhe garantiu que o tratamento seria simples e eficaz, capaz de garantir o resultado final pretendido e que não comportava qualquer tipo de risco. Por causa do tratamento, a Autora começou a sentir alterações ao nível da sua estrutura bucal e apresentou ao Réu várias queixas e como não sentia melhoras consultou diversos especialistas; passou a sofrer de problemas funcionais, esqueléticos, desvios mandibulares, reabsorção radicular, alteração de mordida, oclusão traumática e dificuldades na mastigação; sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela conduta do Réu, que não fez uso de todos os conhecimentos técnico-científicos e todos os meios à sua disposição para assegurar à Autora os melhores cuidados e repor a sua saúde oral, violando, também, as regras deontológicas da Odontologia, tendo incorrido em responsabilidade tanto de âmbito contratual, como extracontratual.
O Réu contestou e deduziu incidente de intervenção principal provocada de … - Companhia de Seguros SA (actualmente denominada … – Companhia de Seguros SA), a qual foi admitida. Em síntese, o Réu aceitou ter prestado os seus serviços à Autora, mas negou todos os erros que lhe foram imputados, os danos e qualquer nexo de causalidade; alegou ter celebrado com a interveniente um contrato de seguro de responsabilidade profissional.
A Interveniente também contestou, invocando, em síntese, para afastar a sua obrigação de integral pagamento da indemnização quer a prescrição do direito, quer a previsão da franquia no contrato de seguro, e no mais, fazendo sua a contestação apresentada pelo Réu e impugnando a matéria factual invocada pela Autora.
Foi proferida, após julgamento, sentença com o seguinte decisório: “Assim, pelo exposto, julga-se a presente ação procedente e em consequência decide-se: a) Condenar o Réu e a Interveniente solidariamente a pagar à Autora a quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de dano patrimonial futuro, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% a contar da presente data e até efectivo e integral pagamento, sendo o valor respeitante à Interveniente deduzido da franquia estipulada no contrato de seguro “ Não se conformando com esta decisão, e lutando para que a sentença seja revogada, o Réu recorreu, apresentando as seguintes conclusões, que se compactam: Apesar de o Tribunal a quo julgar provado que: o Réu/Recorrente empregou todos os conhecimentos técnico- científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora; não existe de nexo de causalidade entre o tratamento ortodôntico que a A. realizou e as disfunções temporomandibulares de que ficou a padecer; R./Recorrente fez à A. a apresentação do diagnóstico e proposta de tratamento durante 45 minutos, explicando os aspectos relacionados com o tratamento e tendo dado à A. a possibilidade de colocar todas as questões que pretendeu e queria ver esclarecidas, concluiu o Tribunal a quo que o Réu/Recorrente não informou a A. de que o tratamento comportava o risco de a A. ficar a padecer de dificuldades mastigatórias, diminuição da continência oral, alterações faciais, bem como reabsorção radicular nos dentes 11 e 21, pelo que julgou a acção procedente.
Tal decisão é completamente desprovida de fundamentos de facto e de direito que permitam suportar a condenação do Réu, e, por via disso, da interveniente.
Através do recurso, o Recorrente impugna a matéria de facto julgada provada e também a matéria de Direito.
Entende o Recorrente, com extrema relevância para a injusta condenação de que foi alvo, que os factos provados sobre os números 11 e 96 se encontram erradamente julgados.
Da prova produzida, nomeadamente depoimento de parte da A., declarações de parte da A., prova testemunhal e documentos juntos aos autos (designadamente a minuta do consentimento informado que serviu de guião ao Réu na consulta efectuada antes de iniciar o tratamento e junto aos autos através de requerimento de 23-05- 2017, com a ref.ª citius 5567116, do qual constam os riscos associados ao tratamento), resulta que o Réu/Recorrente informou (mais do que) convenientemente a A. do tratamento e riscos inerentes ao mesmo.
Em sede de depoimento de parte, ficou assente: “Quanto ao art.º 64.º da contestação, confirma apenas que o réu João … fez efetivamente a apresentação do diagnóstico e proposta do tratamento, bem como, dos seus honorários, durante cerca de 30 ou 45 minutos, e que nessa consulta lhe explicou os aspectos relacionados com o tratamento tendo-lhe dado a possibilidade de colocar todas as questões que entendeu e que na altura pretendia ver esclarecidas.” É forçoso concluir que a referência à explicação dos aspectos relacionados com o tratamento incluiu não só a descrição do mesmo, como também dos riscos dele advenientes, sendo que outra coisa não faria qualquer sentido.
Ficou demonstrado nos autos que a A., designadamente através do deu depoimento de parte, é uma pessoa esclarecida, com formação, e curiosa, com capacidade para pesquisar temas complexos como a ortodontia, dominando a matéria acima da média ou padrão do homem médio. É inconcebível admitir-se que a A. aceitou realizar o tratamento sem questionar os riscos associados ao mesmo, aceitando a alegada afirmação do R. de que o tratamento não comportava qualquer risco.
Por outro lado, não foi produzida qualquer prova nos autos de que o Réu não tenha informado a A. dos riscos. Essa afirmação foi apenas produzida pela A. na petição inicial e repetida no seu depoimento em sede de audiência (em declarações de parte no final da audiência, ao contrário do depoimento de parte no início em que afirmou o supra exposto), tendo sido impugnada pelo Réu na sua contestação.
O Tribunal a quo tomou como verdadeiras as afirmações da A., apesar de oportuna e devidamente impugnadas, dando como certas as suas palavras, apesar da própria ter entrado em várias e numerosas contradições ao longo de todo o depoimento e nas várias perícias efetuadas nos autos.
De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2014, processo n.º 3925/07.9TVPRT.P1.S1, ao abdicar de colocar questões adicionais, a A. abdicou do seu direito a ser informada em termos mais detalhados.
Considerando o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível datado de 17-06-2015, verifica-se que os sintomas descritos pela A. e que constam do facto provado 74, podem ter origem: em desordem temporomandibular (que não tem nexo de causalidade com o tratamento); hábitos do doente (como higiene deficiente, má técnica de escovagem, hábitos tabágicos, entre outros), tratando-se de uma situação com etiologia multifactorial; ou normal processo de envelhecimento.
Face ao exposto, deverão ser alterados os factos provados 11 e 96, alterando-se o facto provado 11 de modo a incluir a explicação dos riscos associados ao tratamento e dando-se como não provado o facto 96.
O facto provado 16 também merece reparo: “16. As consultas começavam a protelar-se no tempo e foram para além das previstas 18 meses inicialmente expectáveis.” Eventualmente tratar-se-á de um lapso de escrita, uma vez que é feita menção às consultas no início da frase. No entanto, é manifesta a incorrecção no facto provado. Assim, o facto provado 16 deverá a passar a ter a seguinte redacção: “16. As consultas começavam a protelar-se no tempo e foram para além das 18 inicialmente previstas e expectáveis.” Relativamente ao facto provado 23, o modo como está escrito leva a crer que foi por iniciativa do R. que foi colocado um novo aparelho ortodôntico para corrigir o diastema. Sucede que tal não corresponde à verdade.
Face ao exposto, deverá ser alterada a redacção do facto provado 23, para a seguinte: “23. Tal insatisfação foi manifestada ao aqui Réu que tendo em vista corrigir o diastema, no Verão de 2008, por iniciativa da A., procedeu à recolocação de um novo aparelho ortodôntico fixo apenas na arcada dentária superior.” . No facto provado 31 ficou estabelecido o seguinte: “31. Durante este período de tratamento, o Réu voltou a colocar braquetes e fez vários desgastes nos dentes da Autora para conseguir contactos.” 26. Porém, foi em período posterior a terminar o tratamento com o Réu que a A. efectuou os desgastes, com outros médicos dentistas, tal como resulta do depoimento da Dr. Cláudia … de … e do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível datado de 17-06-2015.
Assim, deverá ser removido dos factos provados a menção aos desgastes efectuados pelo Réu, passando o facto provado 34 a ter a seguinte redacção: “31. Durante este período de tratamento, o Réu voltou a colocar braquetes.” É falso que as queixas da A. tenho surgido logo após o tratamento ortodôntico tal como refere o facto provado Tal facto é confessado pela própria A. em sede de depoimento de parte, no dia …, quando refere que as queixas começaram pelas gengivas em Abril de 2010 —...
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