Acórdão nº 583/13.5TBPRG-I.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO Recorrente(s): - José … e sua mulher, Maria … Recorrido(a)(s): - Caixa …, S. A.; - Massa Insolvente de … Lda.
*Por sentença proferida nos autos principais foi a Ré … Lda. declarada insolvente.
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em apenso próprio, onde o crédito dos autores não foi reconhecido nem reclamado.
Nos presentes autos, que correm por apenso aos autos de Insolvência com o n.º 583/13.5TBPRG, José … e sua mulher, Maria …, intentaram contra Massa Insolvente de …, Lda.
, representada pelo Administrador da Insolvência, e Caixa …, S. A.
acção de verificação ulterior de créditos, nos termos do artigo 146.º do CIRE, pedindo que, na procedência da acção: a) Que o A. goza do direito de retenção sobre as fracções identificadas sob as letras C e D do art…. e descrito na C.R.P. sob o … da presente PI., decorrente da tradição e entrega da fracção por parte da 1.ª R. aquando da celebração do contrato de promessa; b) Os AA. entregaram à 1.º R os prédios identificados no DOC. Nº 1 junto e referido no art.º 1º desta PI e em pagamento parcial receberam as fracções C e D identificadas na alínea anterior.
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Reconhecer que por força da decretada insolvência da 1ª R. o contrato de promessa fica irremediável e definitivamente comprometido por culpa exclusiva daquela e que, por via disso, os AA. são credores pelo menos do dobro da quantia entregue e no valor de €160.000,00; d) Reconhecerem todos os RR que o A. tem direito a pagar-se preferencialmente com o produto da venda executiva levada a cabo pelo Sr. Administrador da Insolvência.
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Declarar-se ainda que os AA. não têm que entregar e abrir mão das fracções retidas, enquanto não for pago o seu crédito decorrente do incumprimento definitivo do contrato prometido celebrado com a 1.ª R. relativamente à fracção C e D e que é imputável a esta.
Alegando, em síntese, que (i) o Autor e a … contrataram que “os Primeiros Outorgantes prometem permutar com os Segundos os identificados prédios rústicos identificados nas alíneas A) a E) da Cláusula Primeira, com o Projecto de Arquitectura do Loteamento definitivamente aprovado e com o custo à sua responsabilidade, recebendo dos Segundos Outorgantes 18 (dezoito) apartamentos de tipologia T3”; (ii) após a celebração do contrato de promessa de compra e venda, a 1ª R. em meados de Agosto de 2009 procedeu à entrega da fracção C e D do art…. e descrito na C.R.P. sob o … assim prometida vender aos AA. para efeitos de ocupação e utilização, data na qual o mesmo entrou na posse das fracções; (iii) O preço das fracções identificadas no contrato-promessa encontra-se totalmente liquidado; (iv) o Autor passou então a dispor das fracções, possuindo e usufruindo do espaço de forma livre e à vista de toda a gente; (v) nunca foi celebrado contrato definitivo, em virtude da insolvência da ...; (vi) O Reclamante tem um direito de crédito sobre a Insolvente correspondente ao dobro do valor do preço pago.
*Devidamente notificadas, contestaram a Massa Insolvente e a credora Caixa … S. A., peticionando o não reconhecimento do crédito em causa, por inexistente.
*Houve lugar a audiência prévia, tendo sido, no seu seguimento, elaborado despacho saneador e designada data para audiência de discussão e julgamento.
*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.
*Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “V. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a acção totalmente improcedente, não se verificando o crédito invocado pelo autor.
Custas pelo autor.”.
*É justamente desta decisão que os AA./Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “EM CONCLUSÃO: 1.
Com o presente recurso pretende-se trazer à douta apreciação deste Venerando Tribunal a nossa discordância pela decisão de que se recorre, por entendermos que não foi feita uma correcta ponderação e interpretação da factualidade que os autos documentam, nomeadamente dos Documentos n.º 1, 2 e 3 juntos com a PI.
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São, pois, essencialmente duas as questões submetidas a apreciação: a do reconhecimento do direito de crédito dos Autores e da sua natureza.
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Cremos, que, face aos documentos juntos com a PI, os quais se tratam de documentos cujas assinaturas se mostram devidamente reconhecidas, mostra-se evidenciada a existência do crédito dos AA.
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Parece-nos indiscutível a existência de um direito de crédito dos AA., traduzido no incumprimento da Sociedade Insolvente proceder à entrega dos apartamentos que acordou com os Autores que eram os verdadeiros proprietários do prédio onde foi construído o empreendimento em causa nos autos, não tendo efectuado a entrega de qualquer apartamento.
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De forma que cremos que não foi feita uma correta ponderação dos documentos constantes dos autos e demais prova produzida, por declarações de parte e testemunhal.
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Relativamente aos factos dados como não provados entende a Recorrente que o Tribunal deveria (1). (“entende a Recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provado o facto alegado no art.º 13 da PI e que fez incluir na matéria de facto dada como não provada (ponto 2), ou seja: “O Preço das fracções identificadas no contrato-promessa encontra-se totalmente liquidado”.
Como devia ter dado como provado que o prédio urbano situado em ..., inscrito na matriz predial sob o n.º … natureza urbana, freguesia de ..., e descrito na CRP sob o n.º…, correspondente às fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J. e que se encontra registado em nome da … pela apresentação 4 de 2009/09/05, foi adquirido por esta a José …, na sequência do acordo firmado entre a Sociedade e os Autores e que se traduziu nos contratos de promessa juntos aos autos”).
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Cremos que face às declarações de parte do A. e das testemunhas Maria … e Paula … dever-se-iam ter dado ainda como provados os seguintes factos: 1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.
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Mais devia o Tribunal dar como provado que à data da outorga do primeiro contrato denominado “contrato de promessa”, o A. marido não era sócio gerente da Sociedade insolvente.
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Até porque tal facto ressalta à evidência do documento já junto aos autos e que constitui o Doc. n.º 1 junto com a PI, uma vez que, a representar a Segunda Outorgante, estão os seus dois únicos sócios e gerentes, que conforme resulta do reconhecimento de assinaturas notarial, agem em representação da Sociedade e com poderes para o acto.
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E de facto, o A. em sede de declarações, que nos pareceram além de credíveis, consentâneas com as regras da normalidade e experiência comum, relatou os factos tal como se passaram, ainda que o tenha feito sobre uma enorme reprovação, numa postura que se revelou premonitória da M. Juiz a quo, que desde o início da audiência de discussão e julgamento não só duvidou da bondade das declarações prestadas pelo A., como fez transparecer, com grande clarividência, que fosse qual fosse a prova a produzir a sentença estava ditada, pelo simples facto de o A. ter feito parte da própria Sociedade.
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Sucede que, como o próprio, referiu em sede de declarações, aquando da outorga do primeiro documento denominado “Contrato Promessa” este nada tinha a ver com a Sociedade, aliás as suas declarações, revelaram-se absolutamente credíveis, porquanto explicou a este Tribunal, todo o seu percurso, o que antecedeu a outorga do primeiro contrato, o que lhe sucedeu, a razão de ser do segundo contrato e como todo o seu investimento foi “por água abaixo”, porquanto ficou sem o terreno onde foi construído o empreendimento, sem que tivesse recebido qualquer apartamento ou quantia monetária.
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Com efeito, se do documento junto aos autos se extrai com certeza que o A. marido não era detentor de qualquer quota, porquanto só, no ano de 2003 através da Escritura de Divisões, Cessões de Quotas, Aumento e Alteração Parcial do Pacto, adquiriu uma quota no valor nominal de €6.235,00, e que resultou da divisão da quota da Sócia Irene ….
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Como resulta do documento em causa, junto com o presente recurso, a essa data os únicos sócios da sociedade eram Abílio … e esposa Irene ….
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Contudo, numa atitude que desde o início transparecer a desnecessidade de produção de prova, por já estar feito o juízo final e apreciação dos autos, concluiu a M. Juiz a quo, contrariando documento autêntico existente nos autos que: “Ora, como se pode ver pelos factos não provados, a versão factual aqui trazida pelo autor não logrou, de todo, convencer o Tribunal”.
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Como vemos, em momento algum o A. omitiu qualquer função de gerência desde a data da constituição da sociedade, pelo simples facto de efectivamente não deter qualquer função de gerência, nem tampouco ser sócio.
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O que só credibiliza as suas declarações, saindo aliás reforçadas, até porque este esclareceu muito bem ao Tribunal, pelo menos dentro do que lhe foi permitido, em que consistiu o primeiro contacto, relatando aliás qual foi a sua intenção, que detinha um terreno apto a construção, mas não detinha poder económico para seguir com a construção, procurou alguém com capacidade e força para o fazer.
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Quanto à postura que o Tribunal apelidou de “defensiva”, Venerandos Juízes Desembargadores, permitam-nos a expressão face à posição que quase poderíamos apelidar de “ataque” com que que foi confrontado, cremos que face às circunstâncias concretas, outra postura lhe não seria de exigir.
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Pelo contrário, face à idade do A., … anos, à forma como foi conduzido o seu depoimento, é de louvar que o mesmo tenha conseguido manter o discernimento e capacidade que lhe permitiram, dentro de todos os condicionalismos gerados pela própria condução da audiência de discussão e julgamento, contar a sua versão dos factos de forma que nos pareceu credível e sincera.
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Esta postura e atitude do Tribunal a quo, sobrevém do depoimento prestado pelo A. como infra se denotará.
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Mais, não se percebe, como pode o Tribunal a quo dar como provados...
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