Acórdão nº 6/17.0GAVLP.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução14 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 6/17.0GAVLP, que corria termos na Procuradoria da República da Comarca de Vila Real, Procuradoria do Juízo de Competência Genérica da Valpaços, o assistente C. R. deduziu acusação particular contra a arguida Maria, imputando-lhe a prática de um crime de furto agravado, p. e p. pelo Artº 204º, nº 1, alíneas e) e f), do Código Penal.

*2.

Porém, o Ministério Público não acompanhou tal acusação, quer quanto à factualidade nela descrita, quer quanto à integração jurídica que da mesma consta, atendendo à manifesta escassez de indícios quanto à verificação dos factos neles vertidos (cfr. fls. 76).

*3.

Remetidos os autos para julgamento, pela Mmª Juíza a quo foi proferido despacho de rejeição da aludida acusação particular deduzida pelo assistente, aduzindo, em síntese, que estando em causa um crime de natureza pública, aquele não tem legitimidade para acusar, desacompanhado do Ministério Público.

*4.

Inconformado com essa decisão judicial, o assistente C. R. dela veio interpor o presente recurso (que consta de fls. 151/157), cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1.

No entendimento do assistente, não existe fundamento suficiente para a rejeição da acusação particular por ele deduzida.

  1. Efectivamente, dispõe o artigo 311.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que «…para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada a)quando não contenha a identificação do arguido b)quando não contenha a narração dos factos c)Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d)Se os factos não constituírem crime».

  2. O que, salvo melhor opinião, não é o caso.

  3. De facto, da acusação particular deduzida pelo assistente resulta, como nela se pode ler, o preenchimento de todas as alíneas que o n.º 3, do artigo 311.º, do Código de Processo Penal, contempla. Incluindo a indicação das disposições legais aplicáveis.

  4. Pelo exposto, somos do parecer que o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 311º, nº 2 e nº 3, do Código de Processo Penal.

  5. Devendo, pelo exposto, ser revogado por outro que receba a acusação particular deduzida pelo assistente seguindo-se os ulteriores termos processuais 7. Designadamente, uma alteração da qualificação jurídica dos factos - artigo 311.º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal.

  6. De facto, por tudo quanto se disse supra, bem como do teor de toda a acusação particular deduzida pelo assistente, apenas se conclui a existência de um erro sobre a qualificação do tipo legal de crime, e, nunca, a falta de indicação das disposições legais aplicáveis.

  7. Ou seja, a violação do disposto no atrigo 311.º, n.º 3, c), do Código de Processo Penal.

  8. De facto, como se retira da narração dos factos na acusação particular, a arguida teve intenção de se apropriar de bens móveis que se encontravam na posse do assistente.

  9. Deve ser dado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogar-se o douto despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que receba a acusação particular deduzida pelo assistente, seguindo-se demais tramitação legal.

    FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA”.

    *5.

    Na resposta ao recurso, o Mº Público junto da 1ª instância pugna pela sua improcedência e pela manutenção, na íntegra, da decisão recorrida (cfr. fls. 161/162).

    *6.

    Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se, também, pela improcedência do recurso (cfr. fls. 168/173).

    6.1.

    Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

    *7.

    Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Como se sabe, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (1)(2).

    Ora, no caso vertente, da leitura e análise da conclusões apresentadas pelo recorrente, são duas as questões que importa decidir, a saber: - Se enferma de nulidade a acusação deduzida pelo assistente, por falta de legitimidade deste para acusar a arguida pela prática do crime que lhe imputou, nos termos em que a acusação foi deduzida; - Se o tribunal a quo, ao sanear o processo, nos termos previstos no Artº 311º do C.P.Penal, deveria ter alterado a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação particular, de modo a que fosse imputada à arguida a prática de um crime de furto simples, e não de furto qualificado.

    *2.

    Porém, antes de mais, há que atentar nas seguintes incidências processuais, que se reputam de relevantes para a ponderação e apreciação das aludidas questões.

    Com efeito: 2.1.

    Em 16/06/2017, a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu o seguinte despacho, que consta de fls. 63 (transcrição): “Notifique o assistente e o defensor nomeado para, querendo, em 10 dias e nos termos do disposto no artigo 285º, nº 1 do Código de Processo Penal, virem aos autos deduzir acusação particular contra a arguida pelos factos denunciados como configuradores, em abstracto, da prática de crime de furto, relativamente ao qual, ao abrigo do n.º 2 do sobredito preceito legal, se consigna que, em nosso entender, não se recolheram indícios suficientes da sua prática.”.

    2.2.

    Nessa sequência, veio o assistente deduzir contra a arguida Maria, para julgamento em tribunal singular, a acusação particular que consta de fls. 71/72, nos seguintes termos (transcrição considerada relevante): “1º no dia .., pela manhã, a arguida dirigiu-se às proximidades da residência do assistente acompanhada do seu actual companheiro, num veículo ligeiro de mercadorias de cor branca.

    1. Uma vez ali, a arguida e o seu acompanhante, depois de saírem do veículo onde se fizeram transportar, introduziram-se no interior dos anexos da casa do assistente de onde retiraram, entre outros, os seguintes objectos, de cuja falta o assistente se apercebeu, de Imediato: 3º a) Uma máquina de costura antiga de marca Singer, no valor de 150,00€; b) Um televisor usado no valor de 50.00 €; c) Vários acessórios de pesca, no valor de 250,00 €; d) Uma messa e 3 cadeiras, no valor de 100,00€; e) Bem assim outros objectos, no valor de 100,00€.

    2. Os objectos retirados dos anexos da casa do assistente eram da sua exclusiva propriedade.

    3. A arguida levou tais objectos contra a vontade do assistente e com o firme propósito de os fazer seus, como fez.

    4. Para além do assistente só a arguida tem as chaves dos anexos da residência do assistente.

    5. A arguida e o seu companheiro foram vistos no local e nessa hora, pelo assistente.

    6. A conduta da arguida visava apoderar-se dos objectos existentes nos anexos da residência do assistente, só não levando mais objectos por, entretanto, ter sido surpreendida pelo assistente.

    7. A arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente.

    8. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    9. Não se coibindo, todavia, de ter a conduta que teve.

    10. Com a sua conduta cometeu a arguida um crime de furto agravado p. p. pelo artigo 204º, nº 1, alíneas e) e f), do Código Penal.”.

    11. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT