Acórdão nº 372/10.9TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução23 de Abril de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

  1. RELATÓRIO I.- As AA. C…; M…; F… e mulher S…, J… e mulher M…, todos identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra os RR. A… e mulher M…, também identificados nos autos, pedindo que estes sejam condenados a: a) reconhecerem que eles, AA., são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados em 2º a 4º da P.I.; b) reconhecerem a existência de servidão de aqueduto e presa, relativas à água supra identificada, que atravessa o prédio dos RR., no sentido nascente-poente, a favor dos prédios de cada um dos AA., para sua rega; c) reconhecerem que aos AA. assiste a respectiva “adminiculum” daquela servidão, ou seja o direito de passagem e acesso através do prédio dos RR. (prédio serviente) até à caixa de derivação da água, através da qual é feita a divisão, derivação, encaminhamento e condução das águas até aos prédios de cada um dos AA., para sua rega; d) absterem-se de praticar quaisquer actos susceptíveis de ofender aqueles direito dos AA.; e) indemnizarem os AA. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a impossibilidade de utilização da referida servidão, e das águas através dela conduzidas, pela sua obstrução durante cerca de dois meses, em quantia global não inferior a € 11.000,00, dos quais € 5.000 são para ressarcimento dos danos patrimoniais, sendo € 1.000,00 para as 1.as AA., € 3.000,00 para os 2.os AA. e € 1.000,00, para os 3.os AA.; e € 6.000 para ressarcimento dos danos não patrimoniais, sendo € 2.000,00 para cada um dos 1.os, 2.os e 3.os AA..

Fundamentam alegando, em síntese, que são donos de prédios sitos em Leitões, Guimarães, os quais aproveitam para rega, durante todo o ano e segundo um giro pré-definido, as águas provindas da presa da “Grande-Chã” que desde 1994 são conduzidas através de tubo subterrâneo que, no seu percurso, passa no subsolo do prédio dos RR. e vai até uma caixa de derivação, a qual, por exigência dos mesmos RR., foi construída no terreno pertencente a A…, permanecendo, porém, o acesso à mesma caixa através do prédio daqueles RR.. Ora, em Agosto de 2009, estes decidiram tapar a passagem, vedando o acesso dos AA. à mencionada caixa, impossibilitando-os de utilizarem a água, do que lhes resultaram prejuízos visto haverem secado o milho, os legumes e outras plantações que tinham nos seus terrenos, causando- lhes a presente situação enormes incómodos, preocupações, inquietações e ansiedade, afectando o sistema nervoso e o sossego.

Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção com fundamento, no essencial, na desnecessidade da persistência da adminicula atento o entubamento da água.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu: 1. Declarar que as 1.as AA. são proprietárias e legitimas possuidoras do prédio rústico denominado “Campo da Ribeira”, composto por terreno de cultura arvense de regadio, vinha em ramada e pomar misto, sito na Rua da… (anteriormente denominado Lugar da…), da freguesia de Leitões, do concelho de Guimarães, omisso à respectiva matriz, em resultado das avaliações gerais oportunamente efectuadas naquele concelho, onde se encontrava anteriormente inscrito sob o artigo …, mas tendo sido apresentada participação para a sua inscrição, no Serviço de Finanças de Guimarães-1, no dia 30.06.2010, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra registado e inscrito a favor da A. C….

  1. Declarar que os 2º.s Autores são proprietários de um prédio urbano, constituído por uma parcela de terreno destinado a construção, sito na Rua da…, da dita freguesia de Leitões, inscrito na respectiva matriz sob o artigo… e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra registado e inscrito a seu favor.

  2. Declarar que os 3ºs Autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, destinado a habitação, de dois andares, com cortes, barra, alpendres, eira e eido, sito na Rua de…, da freguesia de Leitões, concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo… e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra inscrito a favor do pai da Autora M…, A….4. Condenar os RR. a reconhecerem os direitos de propriedade referidos em 1., 2. e 3.

  3. Condenar os RR. a reconhecerem a existência de uma servidão de aqueduto que onera o seu prédio a favor dos prédios dos AA., no sentido nascente poente.

  4. Absolver os RR. do demais peticionado.

    Inconformados, trazem os Autores o presente recurso pretendendo ver revogada aquela decisão, a ser substituída por outra que altere a matéria de facto quanto à facticidade que impugnam e julgue procedentes os pedidos que formularam sob as alíneas c); d) e e). Ou, mesmo que não seja alterada a matéria de facto, seja proferida decisão que condene os Réus a reconhecerem o direito que lhes assiste ao adminiculum da servidão de aqueduto, ou seja, o direito de acederem através do prédio deles, Réus, até à caixa de derivação da água, e bem assim, a indemnizá-los dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) que resultaram provados, advenientes da impossibilidade de utilização da servidão e das águas através dela conduzidas.

    Contra-alegaram os Réus que defenderam a improcedência do recurso, quer quanto à matéria de facto quer no que respeita à matéria de direito, propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.

    O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II.- Os Autores/Apelantes fundam o recurso nas seguintes conclusões: (…) III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

    De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre: - reapreciar a decisão de facto quanto aos pontos impugnados; - reapreciar a decisão de direito quanto ao adminiculum servitutis invocado (passagem pelo prédio dos Réus até uma caixa onde é feita a derivação da água para os prédios dos Apelantes); - reapreciar a decisão dos pedidos indemnizatórios formulados.

    ** B) FUNDAMENTAÇÃO IV.- Como acima se deixou referido os Apelantes impugnam a decisão de facto quanto à facticidade transcrita sob os n.os 55, 56 e 58, que consideram incorrectamente julgados, pretendendo que se julgue não provado o último e se altere a redacção dos dois primeiros por forma a que deles constem as operações de encaminhamento da água por cada um dos consortes. Mais impugnam a decisão quanto à facticidade transcrita sob os n.os 60, 61, 62, 64 e 65, que, tendo sido julgados não provados, pretendem que se corrija este julgamento e se tenham agora por provados.

    O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto tem de, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso quanto a esta parte, cumprir com o disposto em cada uma das alíneas do n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.C.: indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.

    Os Apelantes fundamentam a sua dissensão referindo especificadamente os meios de prova que justificam a decisão por que pugnam, referindo a inspecção judicial ao local e as fotografias aí apresentadas, os depoimentos de parte, remetendo para a “assentada”, e depoimentos testemunhais e formulam o projecto de decisão.

    Têm-se, assim, por cumpridas as imposições constantes das alíneas a); b) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C.

    Relativamente aos depoimentos de parte e testemunhais, pelo menos no corpo das alegações, indicam os minutos da gravação onde se localizam as afirmações que impunham decisão diversa da do Tribunal a quo.

    Porque esta indicação não consta das conclusões, alegam os Réus (sem daí tirarem conclusões quanto à admissibilidade do recurso) incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 2 do referido art.º 640.º, referido.

    Sem embargo é de reconhecer que aquela indicação no corpo das alegações só por um rigorismo que não encontra justificação no actual Código é que poderá ser desconsiderada para efeitos do cumprimento do ónus imposto por aquela alínea a) do n.º 2 do art.º 640.º referido.

    V.- O art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento.

    Assim, a alteração daquela decisão que, se estiverem em causa direitos de natureza disponível, se restringirá à parte que foi delimitada pelo recurso, é agora um poder vinculado da Relação, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no n.º 1, ou seja, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

    A intenção do legislador foi, como consta da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.

    Deste modo, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos que vêm referidos na alínea c) do nº. 2, e sem prejuízo da possibilidade de ser ordenada a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu-se agora à Relação o poder/dever de investigação oficiosa.

    Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a...

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