Acórdão nº 1072/13.3TBBCHV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório Vieram os executados AA e mulher BB deduzir os presentes embargos alegando, em síntese, que a obrigação cautelar se encontra extinta por prescrição; que nada devem ao exequente e entre eles nunca houve negócios, pelo que inexiste qualquer relação causal subjacente ao dito cheque; que o cheque não pode valer como título executivo, porquanto não contém reconhecimento de qualquer dívida, sendo que devedor era a sociedade representada do ora executado que sempre actuou junto do exequente, não em nome e interesse próprio mas em representação e na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade, que ficou obrigada ao pagamento das mercadorias; que o executado emitiu e sacou o cheque como garantia do pagamento da dívida assinalada no requerimento executivo, sendo um cheque pessoal; que a dívida foi paga pela representada do executado mas o exequente nunca devolveu o cheque dado à execução; que a interveniente não é responsável por qualquer pagamento da invocada dívida da sociedade sendo que não assinou nem interveio de qualquer forma na emissão do cheque dado à execução, pelo que este não lhe pode ser oponível como título de crédito; que o cheque dado à execução não constitui título de crédito porque não reúne todos os pressupostos, para tanto, exigidos pela alínea c), do nº1, do artigo 46° do CPC e, para além disso, a invocada dívida não foi contraída pelo Executado no exercício do comércio, nem em proveito comum do casal, pelo que não é comum, nem é comunicável à executada.

Concluíram pela procedência dos embargos com todas as consequências.

* O Exequente apresentou contestação alegando, em síntese, que o cheque dado à execução vale como título executivo porque, apesar da relação cambiária se encontrar prescrita, o Exequente invocou no requerimento executivo a relação subjacente, valendo o mesmo como quirógrafo.

Mais alega que o exequente forneceu mercadoria à sociedade da qual o executado AA era sócio gerente, tendo o executado assumido a obrigação de pagar tal dívida, emitindo para seu pagamento o cheque dado à execução.

Concluiu pela improcedência da oposição mediante embargos.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos e julgou, em consequência, extinta a execução.

O exequente não se conformou e interpôs o presente recurso, onde em síntese, formulou as seguintes conclusões: “i.) Em 05/11/2013, o recorrente veio instaurar a competente acção executiva contra o executado, ora recorrido. porquanto, ii.) Aquele, no exercício da sua actividade, forneceu a este, na qualidade de sócio gerente da sociedade “CC, Lda.”, mercadorias tituladas pelas facturas devidamente discriminadas, porque constantes da conta corrente do cliente, e que totalizam a quantia de 7.812,76€ (sete mil oitocentos e doze euros e setenta e seis cêntimos).

iii.) Para pagamento daquela quantia, o recorrido entregou ao recorrente o cheque n.º 8682429336, datado de 06/03/1995 e emitido sob o BBVA, no exacto valor da quantia em dívida, ou seja, no valor de 7.812,76€ (sete mil oitocentos e doze euros e setenta e seis cêntimos).

iv.) Não obstante as vária interpelações orais e escritas, por parte do recorrente e as diversas promessas de pagamento pelo recorrido feitas ao longo dos anos, a verdade é que este nunca pagou àquele a quantia em causa nos autos, motivo pelo qual o recorrente viu-se compelido a lançar mão da acção executiva.

v.) Em 03/02/2014, veio o recorrido deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que: - a obrigação cambiária encontra-se extinta por prescrição; - o executado nada deve ao exequente e entre eles nunca houve negócios, pelo que inexiste qualquer relação causal subjacente ao dito cheque; - o cheque não pode valer como título executivo, porquanto não contém reconhecimento de qualquer dívida, sendo que o devedor era a sociedade representada do ora executado que sempre actuou junto do exequente, não em nome e interesse próprio mas em representação e na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade, que ficou obrigada ao pagamento das mercadorias; - o executado emitiu e sacou o cheque como garantia do pagamento da dívida assinalada no requerimento executivo, sendo um cheque pessoal; - a dívida foi paga pela representada do executado mas o exequente nunca devolveu o cheque aqui dado à execução; - a interveniente não é responsável por qualquer pagamento da invocada dívida da sociedade sendo que não assinou nem interveio de qualquer forma na emissão do cheque dado à execução, pelo que este não lhe pode ser oponível como título de crédito; - o cheque dado à execução não constitui título de crédito porque não reúne todos os pressupostos, para tanto, exigidos pela al. c), do n.º 1 do art.º 46.º do CPC e, para além disso, a invocada dívida não foi contraída pelo executado no exercício do comércio, nem em proveito comum do casal, nem é comunicável à interveniente, cônjuge do executado.

vi.) Em 17/03/2014, o recorrente apresentou contestação, alegando, em síntese, que: - o cheque dado à execução vale como título executivo porque, apesar da relação cambiária se encontrar prescrita, o exequente invocou no requerimento executivo a relação subjacente, valendo o mesmo como quirografo; e, - o exequente forneceu mercadoria à sociedade da qual o executado AA era sócio gerente e, até à presente data, o pagamento do cheque não foi efectuado por quem quer que seja, sendo certo que os embargantes foram interpelados para o efeito.

vii.) Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida douta sentença, segundo a qual: “(…) o exequente alegou a relação subjacente à emissão do cheque. No entanto, e salvo o devido respeito, não logrou demonstrar a existência da relação subjacente. Na verdade, ao exequente não basta alegar factos, cumpre-lhe também demonstrá-los em juízo, o que não fez.” (sublinhados nossos) viii.) Acrescenta ainda a douta sentença que: “assim ficamos sem saber que mercadorias foram fornecidas, as quantidades, o preço das mesmas, não se conseguindo vislumbrar como é que o ilustre mandatário do exequente conseguiu toda essa informação relativamente as facturas alegadas no requerimento executivo uma vez que, quando foi notificado para efectuar a sua junção aos autos, veio alegar que o exequente já não possuia as facturas desde 1997 por não as ter guardado!” (sublinhados nossos).

ix.) Mais refere a douta sentença que, “assim sendo, não tendo o exequente logrado demonstrar a relação subjacente, despiciendo se torna a questão do pagamento do cheque, a qual competia provar ao embargante AA, que também não logrou demonstrá-la, bem como nos dispensamos de apreciar a questão do proveito comum do casal e da comunicabilidade da dívida invocada pelos embargantes (art. 608.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC)” x.) Por fim refere a douta sentença recorrida que “(…) de acordo com a repartição do ónus da prova, cabia ao exequente demonstrar a relação subjacente para poder invocar o cheque em causa nos autos como título executivo, o que não logrou fazer pelo que contra ele se há-de decidir esta questão (…).” xi.) Conclui, julgando procedentes os presentes embargos e, em consequência, extinta a execução a que estão apensos. Ora, Xii.) Salvo sempre o devido respeito que nos merece, não pode o recorrente anuir em tal fundamentação. Senão vejamos, Xiii.) Além dos requisitos de preenchimento, previstos no art.º 1.º da lei uniforme dos cheques (LUCH), constituem requisitos de exequibilidade do cheque, enquanto documento cambiário, segundo dispõe o art.º 40.º da mesma lei uniforme: a) a apresentação do cheque a pagamento em tempo útil, e, b) a verificação da recusa de pagamento.

Xiv.) Resulta da matéria de facto provada que o título dado á execução, foi apresentado a pagamento.

Xv.) Todavia, de acordo com o art.º 52.º da LUCH, prescrevem no prazo de seis meses, a acção do portador contra os endossantes, contra o sacador ou demais co-obrigados, a contar do termo do prazo de apresentação e a acção de um dos co-obrigados no pagamento de um cheque contra os demais, a contar do dia em que tenha pago o cheque ou em que tenha sido demandado.

Xvi.) Deste modo, o cheque dado à execução encontra-se prescrito, no que à obrigação cambiária diz respeito.

Xvii.) No entanto, poderá a acção executiva prosseguir com o cheque enquanto quirógrafo, na medida em que prescrita a acção cartular ou cambiária, o cheque conserva a sua eficácia como documento particular à margem da obrigação cambial, valendo como quirógrafo duma obrigação não cambiária, cuja relação subjacente se encontra alegada e justificada.

Xviii.) Acresce que, a assinatura do cheque, importa a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, nos termos do disposto no art.º 458.º, n.º 1 do Código Civil. Senão vejamos, Xix.) Nos termos do disposto na al. c) do art.º 46.º CPC, são títulos executivos, os “documentos particulares, assinados pelos devedores, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável…”.

Xx.) Como supra alegado, o cheque foi emitido à ordem do exequente como forma de pagamento das mercadorias fornecidas ao executado, o qual de acordo com a matéria de facto dada como provada actuou sempre na qualidade de sócio gerente e representante legal da sociedade “CC, Lda.” Xxi.) Assim, a relação subjacente à emissão do cheque consiste na transmissão obrigacional que ancora a pretensão deduzida contra o executado.

Porquanto, Xxii.) O executado emitiu a favor do exequente o cheque que foi entregue a este, cheque esse no exacto valor do montante em dívida, desse modo ordenando ao banco sacado que procedesse ao pagamento à exequente desse montante.

Xxiii.) Deste modo, a emissão e entrega do cheque ao exequente traduz uma declaração negocial tácita, de sentido inequívoco: o executado quis pagar a dívida contraída pela sociedade de que era sócio gerente.

Xxiv.) O que se compreende, na medida em que...

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