Acórdão nº 207/14.3GAVF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução02 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO 1 – Nos presentes autos de inquérito-crime, foi proferido despacho de acusação contra Leonilda S., imputando-lhe a prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, nº1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 114/2011, de 30 de Novembro, por referência aos artigos 1º, 3º e 4º, nº, 1, f), do mesmo diploma.

2 – A arguida, inconformada com o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, requereu a abertura de instrução, visando a sua não pronúncia pela prática do crime pelo qual vinha acusada.

3 – Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia.

4 – Inconformado, dele, recorre, agora, o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem: «1. Constitui objecto do presente recurso a decisão instrutória proferida nos autos, na qual o M.º Juiz de Instrução Criminal “a quo” decidiu não pronunciar a arguida, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1º, 3º, 4º, 108º e 115º, todos do DL 422/89, de 02/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19-01 e determinou o oportuno arquivamento dos autos.

  1. Entendeu o M.º JIC que o “jogo” desenvolvido na máquina apreendida nos autos não pode ser classificado como “jogo de fortuna ou azar”, razão pela qual a sua exploração não é susceptível de integrar o crime imputado à arguida, nem qualquer outro crime previsto na dita “Lei do Jogo”.

  2. Mais concluiu que pelo seu modo de funcionamento e tipo de jogo se está perante máquina que desenvolve uma “modalidade afim”, tal como definida no artigo 163º, n.º1, por referência aos artigos 159º, 160º, n.º1 e 161º, do DL nº. 422/89, de 02-12 (com as alterações introduzidas pelo DL nº. 10/95, de 10-01).

  3. A máquina em causa nos autos, é do tipo de roleta, em que é um sinal luminoso giratório que determina a sorte ou o azar do jogador, consoante tal luz se imobilize num dos oito pontos premiados ou não, o que depende, única e exclusivamente, da sorte do jogador. Ganhando créditos, o jogador pode optar por continuar a jogar ou por trocá-los pelas quantias pecuniárias correspondentes.

  4. O artigo 1º, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, define como jogos de fortuna ou azar todos aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”, sendo a alínea g) do nº 1 do artigo 4º, exemplifica como tipo de jogo de fortuna ou azar, “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

  5. O artigo 108º, nº 1, do referido Decreto-Lei, dispõe que comete um crime de exploração de jogo ilícito “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”. Trata-se de uma cláusula geral que tem vindo a suscitar dificuldades de interpretação, quando se pretende distinguir este ilícito criminal dos ilícitos contra-ordenacionais que correspondem a modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo – cfr. arts. 159º a 161º, do mesmo diploma legal.

  6. O modo de funcionamento do equipamento apreendido nos autos é igual ou análogo ao do jogo da “roleta electrónica”, ou “slot machine” usada nos casinos e assenta num sortilégio de fórmulas matemáticas do respectivo software, das quais há-de resultar que as figuras em movimento se detenham em certo ponto do seu percurso, em relação ao qual o jogador não controla de modo algum o desenlace da jogada, ao qual é absolutamente indiferente a sua vontade ou perícia.

  7. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o comportamento da arguida, reflectido nos autos, é indiciariamente subsumível ao disposto no art. 108º, 1, do DL 422/89, de 2-12, com referência aos arts. 1º e 3º e 4º nº 1 al. g), do mesmo diploma.

  8. Pelos fundamentos expostos, entendemos que deverá ser revogado o despacho de não pronúncia da arguida e, ordenar-se ao M.º JIC, que profira despacho de pronúncia em conformidade com os factos constantes da acusação do Ministério Público.

  9. Ao decidir como decidiu violou o M.º JIC os artigos 308º, n.ºs 1 e 2, 283º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal e artigo108º, 1, do DL 422/89, de 2-12, com referência aos arts. 1º e 3º e 4º nº 1 al. g), do mesmo diploma».

    5 – A arguida defende a manutenção da decisão recorrida, na Resposta à Motivação do Recorrente, nos termos que constam a fls.148 a 150.

    6 - Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto, secundando os argumentos aduzidos em primeira instância pelo Ministério Público, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

    7 - Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

    II – THEMA DECIDENDUM A questão essencial a decidir consiste em saber se os factos indiciados se podem subsumir no crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelo artigo 108º, nº1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro.

    III – FACTOS INDICIADOS Os factos relevantes para a qualificação jurídico-penal constam da acusação e são os seguintes: «1. No dia 22/03/2014, a arguida explorava o estabelecimento comercial denominado “Café T.”, sito na Avenida …, em V. N. de Famalicão.

  10. Na circunstância, encontrava-se exposta no interior do sobredito estabelecimento, à disposição de qualquer cliente, uma máquina em forma de cubo, de cor azul, com um painel frontal em acrílico, no qual se encontrava inscrita a expressão “No FEAR”.

  11. O painel da máquina apresentava, também, um botão vermelho no canto inferior direito e, sequencialmente, os algarismos “50; 10; 1; 2; 5; 20; 100 e 200” que rodeavam uma circunferência composta por diversos leds vermelhos e oito verdes, os quais correspondiam a cada um dos algarismos sobreditos.

  12. No centro da circunferência aludida em 3. encontravam-se ainda dois visores digitais, rectangulares, sendo o primeiro deles indicativo de créditos disponíveis e o segundo (abaixo do primeiro) dos valores premiados.

  13. A máquina descrita em 2. a 4. exibia, na lateral direita, uma ranhura que permitia a introdução de moedas de €0,50, ou €1,00, mediante inserção das quais iniciava o seu funcionamento da seguinte forma: a. à introdução de uma moeda de €0,50, ou €1,00, correspondiam, respectivamente, uma ou duas jogadas; b. a mera inserção de uma daquelas moedas despoletava, de modo automático e sem qualquer intervenção do jogador, um movimento giratório da luz dos leds que compunham a circunferência descrita em 3.; c. este movimento giratório poderia terminar, de forma aleatória, fixo em qualquer dos seus leds da circunferência, o qual permaneceria aceso; d. caso o último led aceso fosse verde, o jogador ganharia o valor do correspondente algarismo, que apareceria no visor inferior colocado no centro daquela circunferência, e o jogador poderia receber, em numerário, o valor correspondente ao exibido no painel da máquina; c. Se o último led aceso fosse vermelho, o jogador nada ganharia.

  14. A única intervenção do jogador consistia na introdução de uma moeda, no moedeiro da máquina, sendo totalmente aleatório o resultado de cada jogada.

  15. A arguida fazia sua, uma percentagem dos proveitos da máquina, entregando o restante ao seu proprietário, cuja identidade não foi apurada.

  16. A arguida não possuía qualquer autorização para a exploração do jogo descrito em 5..

  17. Na circunstância, no interior da máquina - «moedeiro» - encontravam-se €41,00 em moedas de €0,50 e €1,00.

  18. Mantendo a referida máquina no estabelecimento indicado em 1., a arguida agiu com o propósito de aumentar os lucros da actividade daquele mesmo estabelecimento.

  19. A arguida conhecia as características do jogo existente na aludida máquina, nomeadamente que o resultado de cada jogada era totalmente aleatório à vontade e perícia do jogador.

  20. A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei».

    IV – A DECISÃO RECORRIDA A decisão recorrida, na parte que interessa para a decisão, tem o seguinte teor: «(…) Conforme referimos no relatório da presente decisão, na acusação que deduziu o Ministério Público imputa à arguida a prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, alínea f), e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

    Vejamos, então, o tipo legal do crime em apreço.

    De acordo com o disposto no citado artigo 108.º, pratica o crime em questão quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados.

    No sentido de tentarmos perceber melhor o tipo legal do crime em apreço, façamos, antes de mais, uma breve resenha da evolução histórica da disciplina jurídica do jogo em Portugal.

    A matéria em questão começou por ser regulada nos artigos 264.º a 272.º do Código Penal de 1886, sob a epígrafe de «jogos e lotarias», sendo sancionada a prática dessas actividades, fora dos condicionalismos legais, com penas que variavam entre 1 mês e 6 meses de prisão e, em caso de reincidência, com prisão de 2 meses até 1 ano.

    Posteriormente, o Decreto n.º 14.643, de 3 de Dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo.

    Subsequentemente, em 01/04/1969, entrou em vigor a disciplina jurídica do jogo constante do Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de Março de 1969, que reuniu num só diploma disposições dispersas por diversos decretos avulsos, que entretanto haviam sido publicados.

    Este diploma, no seu artigo 1.º, definia como de fortuna ou azar...

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