Acórdão nº 345/13.0TBAMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

J.., melhor identificado nos autos, demanda nesta ação declarativa com processo ordinário, P.., J.. e P.., Lda, reclamando dos mesmos uma indemnização no valor de 62839,00 € por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de um “foguete” que o atingiu num evento de caridade.

Alicerça o pedido formulado contra a 3ª ré no facto de a mesma ter vendido o fogo, sabendo necessariamente que ia ser queimado por inexperientes.

A conduta ilícita e culposa da 3ª Ré, consubstanciada na venda de material pirotécnico, actividade por natureza perigosa que faz sobre ela incidir presunção de culpa (artigo 493º, nº2 CC), apresenta um risco elevado e destina-se, além do mais, pela classificação do produto, a ser vendido exclusivamente a profissionais com conhecimentos especializados, tecnicamente habilitados e credenciados, o que não foi o caso.

* Contestando, veio a 3ª Ré, P.., Lda, alegar, além do mais, que havia transferido todos os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do exercício da sua actividade e exploração da mesma, para a Companhia de Seguros.., S.A., pelo que tem aquela companhia de Seguros todo o interesse em pleitear ao lado da aqui Ré, e interesse assim em intervir nos autos.

Requer, assim, que seja admitida a sua intervenção.

* Sobre o incidente requerido foi proferido o seguinte despacho: “Incidente de Intervenção Provocada de "..Companhia de Seguros, S.A., requerido pela 3ª Ré na sua contestação (fls. 37 a 39): A 3ª. Ré veio requerer a intervenção (a título principal, como se depreende dos normativos legais invocados) da seguradora "..Companhia de Seguros, S.A.", alegando para o efeito que celebrou com esta um contrato de seguro mediante o qual transferiu para a mesma a responsabilidade decorrente do exercício da sua actividade e exploração.

Notificado, o Autor não deduziu oposição. Cumpre decidir.

Do alegado pela 3ª. Ré resulta que terá celebrado com a ora chamada um contrato de seguro de responsabilidade civil que garante a obrigação de indemnizar decorrente do exercício da sua actividade e exploração da mesma.

Estamos, pois, perante um contrato de seguro de responsabilidade civil voluntário e não obrigatório, ao qual se aplicam, nomeadamente, as normas estabelecidas nos arts. 137° e segs. do Dec-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (que aprova o regime jurídico do contrato de seguro).

De harmonia com o disposto no art. 138º nº 1 deste diploma legal, "O seguro de responsabilidade civil garante a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado".

Significa isto que nos contratos de seguro facultativo as seguradoras apenas assumem (garantem) perante o tomador do seguro a eventual responsabilidade civil por danos causados a terceiros, não se constituindo, no entanto, como garantes directos da responsabilidade do segurado perante o lesado.

A relação jurídica em causa nos autos, tal como foi delimitada pelo autor na sua petição inicial, articula-se assim entre este, enquanto lesado e a tomadora do seguro, enquanto lesante.

Como, aliás, resulta do preâmbulo do citado Dec-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, "no seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar directamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador." E, de facto, o legislador circunscreveu, no âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativa, a acção directa do lesado face à seguradora do lesante às circunstâncias previstas no art. 140º nºs 2 e 3, do referido diploma, ou seja: - quando o contrato de seguro preveja o direito do lesado a demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto; e - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre lesado e segurador.

No caso em apreço, nenhuma destas circunstâncias concretas foi alegada pelas partes.

Por outro lado, também não nos encontrámos no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatória, pelo que também não é aplicável o disposto no art. 146º nº 1, do D.L. 72/2008.

Nesta conformidade, a referida Seguradora não se apresenta como condevedora, nem como principal devedora, não se justificando, por via disso, a sua intervenção na presente acção a título principal, mas sim a título acessório.

Na verdade, face ao alegado contrato de seguro, a 3a. Ré terá um eventual direito de regresso contra aquela, para ser ressarcido do prejuízo decorrente da perda da demanda.

Quer isto dizer que a intervenção da chamada se restringe ao auxílio da defesa quanto à responsabilidade pelo pagamento peticionado e também para garantir a vinculação da mesma à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 323º nº 4) (…).

(…) Pelo exposto, decide-se: - admitir a intervenção acessória na causa de ".. Companhia de Seguros, S.A.", como auxiliar da defesa, nos termos do disposto nos arts. 321º e 322°, ambos do c.P.C.; e - indeferir a intervenção desta entidade nos presentes autos a título principal…”.

* Não se conformando com a decisão proferida veio o A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: A - Através do contrato de seguro, a seguradora obriga-se a suportar o risco. Ou seja, como contrapartida do recebimento do prémio, a seguradora passa a estar disponível para fazer face às consequências da eventual realização do sinistro.

B - Desta forma, pode afirmar-se que, por força do contrato, nas relações internas, a seguradora coloca-se na posição de quem é obrigada a indemnizar e o segurado na posição de quem tem que demonstrar o dano, a sua relação com o sinistro, bem como a sua extensão e valorização.

C - Porém, atenta a natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil, assumidamente concebido como um contrato a favor de terceiro (art. 444º, do Código Civil), a seguradora obriga-se, também, para com o lesado a satisfazer a indemnização devida, ficando aquele com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário.

D - Acresce que, perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do art. 497º do Código Civil, pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro-lesado por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade, pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento (cfr. Ac. STA de 01.02.2000, Acórdãos Doutrinais, 466º-1231).

E - No caso em apreço, verifica-se que os factos articulados para justificar o chamamento da seguradora se inserem precisamente neste quadro normativo, pelo que não subsistem quaisquer dúvidas sobre a sua admissibilidade.

F – Na verdade, a chamada seguradora podia ter sido demanda pelo A conjuntamente com a Ré P.., sendo certo que esta transferiu para a chamada a obrigação de indemnizar terceiros, até determinado montante, pelos danos invocados na petição.

G - É pois inquestionável o direito da Ré P.., segurada, por força do litisconsórcio voluntário, a fazer intervir a título principal...

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