Acórdão nº 86/14.0T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA AM |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
M.., casada, residente em.., EUA, veio propor a presente acção de processo comum contra A.., viúvo, residente na .., Vila Pouca de Aguiar, peticionando que: a) Se declare que a autora não é filha do falecido J.., para todos os efeitos legais e que o registo de paternidade seja declarado nulo e cancelado, ao abrigo do disposto no artigo 1848º do CC, ordenando-se, em consequência, o cancelamento do registo da paternidade; b) Se declare que a autora é filha biológica de A.., aqui réu, e que assim sempre foi reconhecida e tratada por este, sendo reconhecida a paternidade biológica a favor do mesmo; c) Seja determinado o averbamento dessa filiação paterna ao assento de nascimento da autora e também da avoenga paterna.
Para tanto, e em síntese, alega que é filha do réu, com quem a mãe estabeleceu uma relação de namoro e do qual resultou o seu nascimento.
Acrescenta que o réu sempre a tratou como filha, sendo certo que a paternidade estabelecida em favor de J.. apenas ocorreu por força da presunção legal decorrente dos laços de casamento com a sua mãe.
* O R. apresentou contestação onde invocou a excepção de caducidade.
No mais, defendeu-se por impugnação e, a final, pugnou pela improcedência da acção.
À excepção de caducidade respondeu a autora, pugnando pela sua improcedência.
* Foi então proferida nos autos a seguinte decisão, que transcrevemos na íntegra: “QUESTÃO PRÉVIA: Da excepção de caducidade: Para efeitos da questão em análise importa atentar na seguinte factualidade: 1 – A presente acção foi intentada a 21.11.2014 (cf. fls. 32); 2 – A autora nasceu a 23.01.1958, encontra-se registada como filha de J.. e de T.. (cf. fls. 21).
Ora, a este propósito vigora o preceituado no artigo 1817º, nº1, do Código Civil, de acordo com o qual “a acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”.
Tal preceito é aplicável aos casos de reconhecimento judicial da paternidade, atenta a remissão expressa do artigo 1873º do Código Civil.
Ora, a este propósito, é abundante a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente no sentido da não inconstitucionalidade da dita norma, posição que também perfilhamos.
Com efeito, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº547/2014 (…)proferido em processo que correu termos nesta Instância Local, decidiu-se expressamente nos seguintes termos: “a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 1817º, nº1, em conjugação com o artigo 1873º, ambos do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº14/2009, de 1 de abril (…), na medida em que prevê um prazo de 10 anos para a propositura da acção de investigação da paternidade, contado da maioridade ou da emancipação do investigante; b) Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 1817º, nº3, al. b), em conjugação com o artigo 1873º, ambos do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº14/2009, de 1 de abril, na medida em que prevê um prazo suplementar de três anos para a propositura da acção de investigação da paternidade, contado do conhecimento, pelo investigante, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, nomeadamente a cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai; c) Julgar procedente o recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada de acordo com o antecedente juízo de não inconstitucionalidade.” Por outro lado, temos que, no caso, não tem aplicabilidade qualquer das alíneas do nº3 do artigo 1817º do CC e que conferem a possibilidade da acção ser ainda proposta no prazo dos três anos posteriores a algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
Com efeito, compulsada a matéria alegada na petição inicial, constata-se que a autora, em momento algum alegou que o réu tenha deixado de a tratar como filha.
Ao invés, antes alega que “foi e continua a ser reputada e tratada por A.. como sua filha” – cf. artigo 37º da petição inicial.
Nessa medida, não tendo cessado o alegado tratamento como filha, não se verifica a situação a que alude a sobredita alínea b).
Ademais, e do mesmo modo, também não se verifica, conforme defende a autora, a situação prevista na alínea c), dado que nunca tendo o autor, como aquela alega, cessado o mencionado tratamento como filha, temos que nenhuma da factualidade que invoca é superveniente.
Na verdade, a autora alega que o tratamento de que agora se quer fazer valer sempre existiu (cf. artigo 22º da petição inicial), pelo que não se vislumbra qualquer superveniência que legitime o recurso à presente acção fora dos prazos legalmente previstos.
Assim, não se verificando qualquer circunstância prevista no nº3 do artigo 1817º do CC e considerando o julgamento de não inconstitucionalidade da norma prevista no nº1 do mesmo artigo, impõe-se julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolver o réu A.. do pedido formulado nos autos…”.
* Não se conformando com a decisão proferida, veio a A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: 1ª PARTE - Da caducidade do direito da Autora, por alegada ultrapassagem do prazo das alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil.
1 - Estando alegado um conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação, ainda que com necessidade de concretização, tal facto integra a previsão da alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, caso em que a ação pode, ainda, ser proposta nos três anos posteriores à referida ocorrência.
2 - Os prazos de três anos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles.
3 - Estando alegada matéria susceptível de integrar outro prazo de caducidade da acção - n.º 3, alínea c) do artigo 1817.º do CC -, e uma vez que o direito de propositura da acção não caduca antes de esgotados todos os prazos, terá a acção que prosseguir para se averiguar do preenchimento factual da causa de caducidade prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
4 - Pelo que nunca estaria o Tribunal em condições de conhecer da exceção invocada, cujo conhecimento deverá ser sempre deferido para data posterior à produção de prova, ou seja, para sentença final.
5 - A alínea b) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil não faz depender a ação de investigação da cessação do tratamento como filha, como parece concluir o tribunal "a quo".
6 - O que o normativo legal refere é que designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe estaria justificada a investigação, mas não exclusivamente, pois a norma refere factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação.
7 - Como já referido, a aqui Apelante alegou e irá provar os factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação.
8 - O pretenso pai, caso conteste a ação de investigação de paternidade, manifesta em juízo factos que consubstanciam o fim do tratamento como filha, facto que é de conhecimento oficioso e deve ser valorado pelo tribunal.
9 - Facto que é publico e notório, de conhecimento oficioso, constante dos autos, e que, mesmo no seguimento do raciocínio seguido pelo tribunal deveria ter sido valorado, pelo que também por esse fundamento não poderia ter o tribunal " a quo" ter decidido como decidiu.
10 - Pelo exposto, não podia o Tribunal “ a quo ” ter decidido, como decidiu, julgar procedente a exceção de caducidade.
11 - A douta sentença tem de ser substituída por outra que julgue improcedente a excepção de caducidade e, em consequência, mande prosseguir os presentes autos os seus termos legais, pelo que a douta sentença violou, nesta parte, o disposto nos artigos 342.º Código Civil, 590.º, 596º, 411º e 547º Código de Processo Civil, e seus basilares princípios.
12 - Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” cometeu erro na indagação dos factos e erro na apreciação da matéria de facto dada como provada, pelo que violou o disposto nos artigos 5º, 596º, 413º e 609º do Código de Processo Civil.
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PARTE - Da caducidade do direito de investigar a paternidade nos termos do artigo 1817º nº 1, do Código Civil.
13 - Também quanto a esta questão discorda a Apelante da decisão tomada pelo Tribunal "a quo", pois por referência à caducidade do direito de investigar a paternidade nos termos do artigo 1817º nº 1, do Código Civil, não ocorre qualquer caducidade desde logo porque, conforme vem sendo jurisprudência maioritária, tais prazos de caducidade são inconstitucionais.
14 - Com a entrada em vigor da Lei 14/2009, de 1 de Abril, foi alterado o mencionado artigo 1817º, nº 1, no sentido de se fixar o prazo de propositura da acção de investigação, durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
15 - A presente acção foi proposta já depois da entrada em vigor desta nova lei, pelo que cabe apurar se este novo prazo de caducidade deve ou não aplicar-se ao caso sub judice.
16 - Ao nível da doutrina, a tese da “imprescritibilidade” da acção de investigação de paternidade tem tido defensores (vide Guilherme de Oliveira em Caducidade das acções de investigação, em Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, pág. 49-58, da ed. de 2004, da Coimbra Editora), Jorge Duarte Pinheiro, em O direito de família contemporâneo, pág. 184-199, da 3.ª ed., da AAFDL, e Rafael Vale e Reis, em O direito ao conhecimento das...
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