Acórdão nº 1017/13.0TBBGC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelESTELITA MENDON
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

* Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães: *L… residente no Bairro …, Bragança, instaurou, ao abrigo do preceituado no artigo 199.º da O.T.M.

, procedimento cautelar de suspensão das responsabilidades parentais contra M…, residente na Avenida …, Lote 7… 5300 Bragança, relativamente aos menores LA… (nascida em 21/11/2009) e MA (nascido em 12/08/2011), residentes com a requerente.

Para tanto, alega em súmula, que recentemente tomou conhecimento da existência de maus-tratos físicos e psicológicos por parte do requerido em relação aos menores, quando decorrem as visitas judicialmente determinadas, tendo também sabido no dia 12/04/2014, através do relato efectuado pela menor LA…, que por mais do que uma vez, o progenitor abusou sexualmente da filha, após o que a requerente encetou diversas diligências com vista à comprovação de tais narrativas.

Conclui, assim, pela necessidade de suspensão dos contactos do progenitor com os menores, até que se mostre definitivamente apreciada a acção definitiva de inibição das responsabilidades parentais a instaurar.

*Determinada a prévia audição do requerido (cfr. fls. 44-45), este apresentou oposição a fls. 47-54, na qual impugnou a alegação contida na petição inicial, pugnando pelo não decretamento da providência peticionada pela requerente.

*Procedeu-se à audição dos progenitores e à inquirição das testemunhas arroladas a fls. 14 e 54.

Procedeu-se a julgamento.

A final foi proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, julgam-se totalmente improcedentes os presentes autos de procedimento cautelar instaurados por L contra M, e, consequentemente:

  1. Julga-se improcedente o peticionado a fls. 13 pela requerente L.

  2. Condena-se a requerente L no pagamento das custas processuais”.

    Desta decisão foi interposto recurso pela L, que terminou formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Discordando da sentença sub judice, que indeferiu a providência requerida por si, vem a apelante dela recorrer, com fundamento, quer na errada subsunção do direito aos factos indiciados, quer na existência de erro na apreciação das provas e na decisão da matéria de facto, que impugna, com fundamento na prova testemunhal gravada e nos documentos juntos aos autos.

    1. Diga-se, em primeiro lugar, que caso não considerasse credíveis os relatos da mãe e da avó materna, maxime relativamente àquilo que as crianças lhes disseram, impunha-se que o Tribunal os rebatesse com elementos lógicos e racionais, nomeadamente concatenados com os demais elementos probatórios, o que, contudo, não aconteceu, pois o que, ao invés, se constata é que o Mtm.º Juiz desvalorizou, por completo e na íntegra, os seus depoimentos, com base, única e exclusivamente, na forma como elas depuseram, e não na veracidade daquilo que elas disseram, nomeadamente no que toca às questões dos maus-tratos físicos e abuso sexual.

    2. Tal como se decorre da motivação da sentença e dos respectivos depoimentos (declarações da apelante, prestadas a 19 de Junho de 2014, em especial as passagens do minuto 03:34 a 10:40, 13:49 a 17:15, 18:50 a 19:12, 19:50 a 23:40, 34:49 a 36:30, 37:10 a 37:40 e 39:23 a 44:06; depoimento da testemunha LF, prestado em 25 de Junho de 2014, nomeadamente as passagens do minuto 03:00 a 14:35, 16:27 a 16:43, 23:28 a 24:54 e 30:30 a 31:18), tanto a mãe das crianças, aqui apelante, como a avó materna, foram perfeitamente coerentes entre si, quer no que se reporta aos relatos das crianças em relação ao pai lhes bater e não lhe dar carinho, como no que concerne àquilo que a LA verbalizou em relação à suspeita de abuso sexual e, ainda que descrevessem de modo mais circunstanciado aquilo que as crianças lhes contaram relativamente às agressões de que haviam sido vítimas e, também, no que se refere ao relato da LA de que o pai lhe metia os dedos no pipi - o que é perfeitamente natural, dada a relação de proximidade e intimidade com os filhos e netos -, fizeram-no, no substancial, de modo absolutamente coerente com o depoimento prestado a tal propósito pela psicóloga que ouviu a criança em contexto de entrevista clínica, a testemunha TF, assim como com o declarado pelas testemunhas MT e SA, não existindo aí – nem em lado algum – qualquer contradição nem fundamento para que o depoimento delas não fosse considerado.

    3. Mesmo não alterando a matéria de facto, da factualidade julgada indiciada no ponto 5 da sentença sub judice, entendida à luz do depoimento da testemunha TF, decorre a existência de uma forte probabilidade de o progenitor adoptar comportamentos maltratantes para com os filhos, pelo que, consistindo esta providência numa medida cautelar, cuja decisão terá de assentar em elementos meramente indiciários e num juízo perfunctório, tanto – que não é pouco – deveria e deverá bastar para que se considere sumariamente comprovado que o progenitor/apelado é manifestamente incapaz de cuidar dos filhos, decretando-se, em consequência disso, a medida cautelar de suspensão das responsabilidades parentais, ou, em alternativa – para a hipótese de se entender que os indícios recolhidos não chegam para que se adopte tal medida (o que, contudo, não se concede) -, alterando-se provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor, no que toca ao regime de visitas, que deverá ao menos ser suspenso, tal como é permitido pelos artigos 157.º da Organização Tutelar de Menores e 987.º do Código de Processo Civil.

    4. Com todo o devido respeito, errou o Tribunal a quo na apreciação da prova quando, na motivação da sentença, refere que a testemunha e psicóloga (cujo depoimento valorou positivamente) TF pôde constatar, no decurso da entrevista que fez à LA, que a criança apresentava um discurso infantilizado para a sua idade, o que interpretou como uma forma de desviar a atenção da interlocutora, posto que, como melhor resultará da audição do seu depoimento (prestado em 25 de Junho de 2014, nomeadamente as concretas passagens do minuto 04:48 a 18:40, 21:58 a 22:17 e 34:09 a 38:14), o que aquela testemunha disse foi que aquele discurso infantilizado deu-se apenas quando ela começou a questionar a menina, de forma mais incisiva, a propósito daquilo que ela lhe havia verbalizado quanto ao pai/apelado meter-lhe os dedos no pipi, mas já não no restante tempo da entrevista, em particular quando contou que o pai lhe batia, pois, segundo a mesma testemunha, nessa altura a LA apresentou um discurso perfeitamente adequado à idade, detalhado, emotivo, fundamentado e, até, circunstanciado no espaço e no tempo.

    5. Errou também o Tribunal, quando, na fundamentação de direito da sentença, refere que a avaliação efectuada à LA pela psicóloga TF foi inconclusiva, pois, pelo menos no que respeita a tais maus-tratos, não o foi, já que ouvindo-se atentamente o depoimento da mesma testemunha (nomeadamente, as concretas passagens do minuto 04:48 a 18:40; do minuto 29:45 a 30:23; do minuto 34:09 a 38:14) resulta claro ter ela concluído pela existência de indícios que apontam para a sujeição desta criança (e do seu irmão) a maus-tratos físicos perpetrados pelo progenitor e por isso, também ao contrário do que vem dito na sentença, a essencialidade de uma perícia psicológica, reportava-se fundamentalmente à temática dos abusos sexuais, uma vez que, segundo ela, esta sim, não se mostrava suficientemente indiciada por via do relato da criança (cfr. passagens do minuto 19:31 a 22:27).

    6. Por outro lado, se é certo que, como também se anota na fundamentação da sentença, a existência de hematomas e/ou outras lesões nas crianças pode ter origem em várias causas, que não maus-tratos físicos, menos certo não será também que, no que toca a estas concretas e individuais crianças a alegação de que elas têm vindo a ser maltratadas pelo progenitor não se sustenta apenas na existência dessas lesões, mas também nos relatos dos dois meninos, que dizem que o pai lhes bate e que (sic) é mau porque bate.

    7. Pelo que, não sendo já esse tipo de verbalizações normais nem usuais em crianças, quando o relato de uma delas, in casu a LA, é considerado pela psicóloga que a ouviu – e cujo depoimento foi positivamente valorado na sentença – como sendo credível, sintónico e compatível ou, mais que isso, indiciador de uma experiência real maltratante junto do progenitor, tanto devia bastar para que o Tribunal concluísse, ao menos, pela existência de uma forte probabilidade de tais maus-tratos físicos – e, por inerência, psicológicos - ocorrerem.

    8. Ao contrário daquilo que também é referido na sentença, as lesões clinicamente verificadas nas crianças não são apenas aquelas que, relativamente ao M, constam do relatório médico de 10 de Março de 2014, pois junto aos autos está também outro relatório, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, que dá conta que em 12 de Abril de 2014 – quando foi observada por suspeita de abuso sexual – a Laura apresentava no corpo diversas escoriações e equimoses.

    9. Por conseguinte, errou o Tribunal ao não julgar provado que, quando, no dia 12 de Abril de 2014, a LA foi observada no Serviço de Urgências do Hospital de Vila Real, apresentava diversas lesões no corpo, designadamente as escoriações e equimoses referidas no supra referido relatório de episódio de urgência, devendo por isso, com fundamento nesse meio probatório, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de se julgar demonstrada a verificação das lesões na criança aí assinaladas.

    10. Face ao exposto, julgou também o Tribunal incorrectamente os pontos 2 e 6 da matéria de facto indiciariamente não provada da sentença, pois deveria, ao invés, ter julgado indiciariamente provado que a LA verbaliza que o pai é mau, que lhe bate, a ela e ao irmão, que a fecha às escuras e que não brinca com eles, uma vez que tal decisão, diversa da recorrida, é imposta pelos seguintes meios probatórios: a) o depoimento da Testemunha TF, prestado na sessão de audiência de julgamento realizada em 25 de Junho de 2014, designadamente as seguintes passagens: do minuto...

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