Acórdão nº 140/13.6TBMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1. - Relatório. P.., residente na comarca de Monção, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros.. - Sucursal em Portugal, com sede Lisboa, pedindo que :
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Seja declarado o condutor do veículo automóvel pesado de matrícula ..-IZ , como o único e exclusivo culpado na ocorrência do acidente objecto dos presentes autos ; b) Seja declarado que a Ré, enquanto Companhia Seguradora da circulação de tal veículo, é a responsável pelo pagamento das quantias peticionadas a título de indemnização; c) Seja a Ré condenada no pagamento ao Autor a título de indemnização pelos danos sofridos pela vítima do acidente ajuizado e pelo próprio Autor ; d) Seja a Ré condenada no pagamento ao Autor do montante indemnizatório de €145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros), à qual devem acrescer os juros que, à taxa legal, se venham a vencer a partir da citação e até integral pagamento da quantia referido no pedido antecedente.
Para tanto , alegou, em síntese, que : - No dia 25 de Novembro de 2010, pelas 15 horas, na Estrada Nacional nº 403, do concelho de Monção, ocorreu um acidente de viação, do qual veio a resultar a morte de M.., mãe do autor, e que foi atropelada pelo veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-IZ, segurado na Ré ; - O referido acidente ocorreu por culpa do condutor do ..-IZ, pois que imprimia no momento e ao camião uma velocidade não adequada às condições e características da via, o que lhe não permitiu imobilizá-lo perante a pessoa que nela se encontrava, a que acresce que conduzia de forma desatenta, negligente e sem consideração, e cuidado pelos demais seus utentes, veículos ou pessoas, acabando em consequência por embater e atropelar a M.., mãe do autor; - Porque a M.. faleceu no estado de viúva, sendo o autor o seu único e universal herdeiro, a indemnização a que tem direito e que abrangerá os danos morais e patrimoniais, quer sofridos pela vítima mortal, quer pelo ora Autor, seu filho e único herdeiro, deverá corresponder ao montante total de 145.000€, sendo a indemnização pelo “dano morte” de pelo menos € 65.000 (sessenta e cinco mil euros), a devida para o ressarcimento do dano moral – previsão da morte e dores – da falecida no valor de €40.000, e , a devida para o ressarcimento do dano moral do autor de pelo menos €40.000.
1.2. - Após citação, apresentou a demandada Seguradora a competente contestação, excepcionando a ilegitimidade do autor e impugnando os factos alegados/invocados por aquele [ aduzindo que foi a infeliz vítima do atropelamento que contribuiu culposamente para a sua ocorrência, concluindo a final pela improcedência da acção, e , seguindo-se a Réplica, elaborou-se de seguida o despacho saneador ( dispensada que foi a audiência prévia ), no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção dilatória invocada pela Ré.
1.3.- Por fim, fixado o objecto do litigio, e enunciados os temas da prova, foi designado dia para a audiência final, à qual se procedeu com observância do legal formalismo , e , finda a mesma e conclusos os autos para o efeito, proferiu o tribunal a quo a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “ (…) III - DECISÃO Pelo exposto, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo a R. do pedido.
Custas pelo A.
Registe e notifique.
Monção, 12 de Junho de 2014.” 1.4. - Inconformado com tal sentença, da mesma apelou então o Autor, apresentando o recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões: 1ª -A reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova.
2ª - É entendimento dominante na Jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no princípio da livre apreciação da prova só pode ser modificada pelo Tribunal de recurso quando afronte as regras da experiência comum.
3ª- O Douto Despacho Saneador estabeleceu como tema de prova, entre outros, o seguinte: " - Saber se o embate entre a viatura de matrícula ..-1Z e M.. se deu por culpa exclusiva do mesmo e, designadamente, se o dito condutor, por conduzir um veículo pesado de mercadorias cuja cabina e posto de condução é elevado em relação aos veículos ligeiros, tinha condições e visibilidade suficientes para se aperceber da presença da vitima quando esta atravessava a faixa de rodagem vinda do ilhéu central da rotunda "do Modelo" para o supermercado Modelo/Continente" 4ª - Inquirida sobre esta matéria a 1 a Testemunha, respondeu: - "Não havia vegetação alta mas sim rasteira" (no ilhéu da rotunda) mas "não posso afirmar que o homem" (condutor do veículo) "a veria" (a vítima). Esta "estava encostada ao lancil da rotunda e o camião também" 5ª - Inquirida sobre a mesma matéria, a 2a Testemunha que foi ouvida, A.., afirmou que: - "Havia vegetação não muito alta e só em metade" (do ilhéu), "a posição do condutor era bem superior à vegetação" e se este "direccionasse o olhar tinha a obrigação de visualizar o peão" (mas ele) "terá descuidado a posição do peão" (sendo que) "nesse local já estaria na rotunda pelo que teria prioridade sobre os demais " 6ª - Conforme se observa da motivação da decisão da matéria de facto, e constante da Douta Sentença recorrida, uma outra testemunha, M.., disse que verificou que o condutor "ao mesmo tempo que dava a volta à rotunda em marcha bastante lenta, se mantinha atento às várias artérias que ali desembocavam e ao trânsito que delas eventualmente surgisse.
7ª - Na Petição Inicial com que se iniciaram os presentes autos, o Autor, ora Apelante alega: 12ª "O veiculo ..-1Z é, como se disse um veiculo pesado de mercadorias cuja cabina e posto de condução é elevado em relação aos veículos ligeiros quer de passageiros quer de mercadorias.
13ª E permitia, como permite, uma visibilidade superior sobre o tráfego de pessoas e outros automóveis.
14ª De facto, os condutores desta classe e tipo de veículos gozam - como também gozava então o condutor supra identificado - de uma vista alargada e extensa do que o comum dos que circulam nas estradas.
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No caso concreto, o condutor do ..-IZ tinha e teve condições superiores para se aperceber quer do trânsito de veículos, quer da circulação de pessoas, quer, ainda, da existência de algum obstáculo existente nas faixas de rodagem.
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De sorte que se apercebeu, como não podia deixar de ter-se apercebido, da presença da M.. nas aludidas faixas de rodagem por dispor de um plano e extensão de visão e visibilidade superior.
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Além da realidade de facto, ocorrente na altura, é, outrossim, o que resulta da experiência comum.
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Ou seja: o condutor do aludido veículo pesado tinha e teve visão e visibilidade plena sobre a presença na via não só de veículos mas, também, de pessoas e, até, de objectos nela jacentes ou que nela se encontrassem, nomeadamente daquela M..." 8ª - Sobre esta matéria não houve pronúncia - nem, consequentemente, consta da motivação da Sentença no que a ela concerne - por banda do Tribunal "a quo", sendo que ela se configura essencial para a decisão de direito sobre a culpa na eclosão do acidente.
9ª - As respostas à matéria de facto quando não há base instrutória devem permitir concluir, de forma inequívoca, quais os artigos dos articulados que foram ou não respondidos.
10ª - A situação de incerteza sobre se determinados factos alegados e com interesse foram respondidos gera a necessidade de aplicação oficiosa dos poderes de ampliação da matéria de facto.
11ª - Hoje em dia será de invocar o disposto no art. 607°, nºs 3 e 4 do Cod. Proc. Civil, já que, fixada a matéria de facto sobre a qual o Tribunal se deve pronunciar, tal se não verifica.
12a - Não se trata de vício que inquine, no aspecto formal, a sentença proferida mas sim, e fundamentalmente, de omissão que afecta o sentido da decisão proferida na justa medida em que esta não se conforma com a factualidade, determinada em Despacho Saneador transitado em julgado.
13a - No modesto entendimento do Apelante, os factos alegados na Petição e reproduzidos no ponto A=4= supra deverão ser considerados relevantes para a decisão da causa e tidos como provados e conduzirão concerteza a um desfecho distinto da causa.
14ª - Entendeu o Mº Juiz do tribunal "a quo" que "os factos provados levam-nos a concluir que a culpa na eclosão do atropelamento se deveu exclusivamente à conduta do peão e que "aos condutores de veículos automóveis ( ... ) não se lhes pode exigir que devam prever a negligência, a falta de atenção ou de cuidado dos outros condutores, ou que devam prever que os outros condutores infrinjam as disposições que regulam e disciplinam o trânsito.
15ª - O facto de conduzir implica a ilação - por presunção judicial - de que o que se passa na condução de veículo deriva de uma acção ou omissão dependente da vontade de quem assume a condução.
16ª - Em matéria de acidentes de viação, estará sobretudo em causa a omissão daquelas regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a da circulação rodoviária e mecânica; 17ª - A actuação dum condutor de veículo automóvel que, concentrando a sua atenção num obstáculo, descura os demais elementos do tráfego rodoviário envolvente, enquanto violadora do dever objectivo de cuidado - do cuidado exigível - é, nessa vertente objectiva, ilícita porque violadora de valores de ordem jurídica e é culposa, porque reprovável em face do concreto circunstancialismo presente.
18ª - À imprudência do peão não soube o automobilista responder com a acção adequada a evitar o dano, o que sucedeu, insiste-se por, desvio de atenção, não ter posto na condução o cuidado exigível, sendo-lhe imputável o resultado a título de inconsideração ou negligência".
19a - Tal condutor, transitando já em plena rotunda deveria, como "bom pai de família" preocupar-se com os obstáculos que lhe pudessem...
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