Acórdão nº 2148/10.4TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2015
Magistrado Responsável | FILIPE CARO |
Data da Resolução | 19 de Março de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.
MARIA…, casada, contribuinte n.º …, residente na Rua…, na cidade de Braga, instaurou ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra - S…, casada, residente na Rua …, concelho de Braga, e, - A…, solteiro, residente na Rua…, na cidade de Braga, alegando, no essencial, o seguinte: A A., sócia gerente da sociedade S…, Lda, gabinete de contabilidade, admitiu ao serviço os RR.
Porém, em finais de 2002, a A. alienou a quota que detinha naquela sociedade e constituiu com os RR., a 25.3.2003, a sociedade R…, Lda. formalizando-a com uma quota de 15% para o R. e uma quota de 85% para a R., mas sendo esta, de facto, duas quotas, uma de 15% da R. e outra de 70% da A., conforme, paralelamente, acordaram que formalizariam mais tarde, quando a A. entendesse.
A A. entregou a esta nova sociedade a sua carteira de clientes, trazida da S..., Lda., para onde já a levara anteriormente.
Esta nova sociedade era gerida pelos RR. que passaram a ter acesso a todos os dados dos clientes afetos à Autora Maria…, contactando-os pessoal e diretamente, recebendo-os, negociando o preço das avenças e o seu modo de pagamento.
Quando, em 2006/2007, a A. quis formalizar a sua quota de 70% na sociedade, como haviam acordado, os RR. recusaram, impediram a A. de entrar nas instalações da R…, Lda. e esvaziaram a sociedade do seu objeto comercial, designadamente da clientela existente, transferindo-a para uma outra sociedade por quotas, a O…, Lda., entretanto constituída por eles no dia 13.3.2007, com o mesmo objeto social: a contabilidade. Nesse mesmo mês, os RR. doaram à A. 70% do capital social, mas deixaram a R…, Lda. totalmente desvalorizada e que foi apresentada à insolvência e declarada insolvente por não possuir clientela suficiente para gerar lucros.
Naquelas circunstâncias, os RR. planearam e levaram a cabo contactos com os clientes da R…, Lda., informando-os de que iam sair para uma nova sociedade e oferecendo os seus serviços, bem sabendo que muitos desses clientes poderiam optar por transferir a sua contabilidade para a nova empresa, ficando, deste modo, aquela sociedade sem clientela e a quota da A. totalmente desvalorizada.
Todos os clientes da R…, Lda. rescindiram o contrato de prestação de serviços que possuíam com efeitos a partir do dia 28 de fevereiro de 2007 e grande parte dos clientes afetos àquela sociedade foi transferida para a nova empresa dos RR.
Antes daquela atuação dos RR., a quota da A. valia seguramente algumas dezenas de milhar de euros.
A A. não consegue esquecer esta situação que a atormenta diariamente, não dormia, não comia, nem saía com os amigos, não logrando recuperar a empresa que fundara, tendo, assim, sofrido danos não patrimoniais pelos quais pretende ser indemnizada com a quantia de € 2.500,00.
Os RR. haviam-se obrigado a devolver a quota tal como a receberam, ou seja, com a mesma capacidade de gerar lucros que tinha à data da constituição e, ao não o terem feito, agiram com culpa.
O preço da quota de 70% do capital social antes da conduta dos RR. seria de, pelo menos, € 82.359,45, pretendendo ser indemnizada por quantia a apurar em sede pericial, que se computa, aproximadamente, em € 80.000,00, por ter sofrido uma desvalorização de 100%.
Culminou o seu articulado com o seguinte pedido: “Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência: A. Devem os Réus ser condenados, solidariamente, no pagamento de valor correspondente à desvalorização da quota de 70% da Autora e que se vier a apurar em sede de prova pericial, sempre num valor mínimo de € 80.000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal; B. Cumulativamente devem os Réus, solidariamente, ser condenados no pagamento de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar desde a citação; C. Serem os Réus condenados no pagamento das custas processuais e demais encargos com o processo, designadamente custas de parte e procuradoria condigna.” (sic) Os RR. contestaram a ação impugnando grande parte dos factos alegados na petição inicial. Alegaram: A A. moveu, sem sucesso, muitas ações judiciais contra os RR. e contra os seus clientes que deixaram de trabalhar com a R…, Lda., visando apenas prejudicá-los, tendo cobrar valores que não eram devidos.
A insolvência da R…, Lda. foi qualificada de fortuita e já nesse incidente foi tratada a questão da transferência de clientela.
A A. age e agiu sempre com má fé processual e má fé moral, deturpando a verdade, inventando factos, perseguindo de forma descarada e preocupante os RR. A A. não tinha qualquer carteira de clientes, estes eram da R…, Lda. e recusaram-se a trabalhar com ela.
Quando a A. manifestou vontade de entrar para a sociedade já as relações entre ela e os RR., eram conflituosas, pautadas por desconfianças e diferenças insuperáveis. Nunca agiram com intenção de prejudicar a A. nem a R…, Lda. e nada fizeram para aliciar os clientes da última. Os RR. limitaram-se a informar os clientes que iam sair da R…, Lda. e que ficaria a Maria… como sócia gerente. Não transferiram qualquer clientela daquela sociedade para a O…, Lda. Os clientes que deixaram de trabalhar com a R…, Lda. fizeram-no única e exclusivamente por não quererem trabalhar com a A.
Foi deliberado pelos sócios da R…, Lda., em 28.12.2006, dar consentimento aos sócios e gerentes para que exerçam atividade igual à exercida pela mesma sociedade.
A A. teve uma gerência desastrosa, descurando os clientes, destruindo o património da R…, Lda. abandonando as instalações onde funcionava a sua sede.
A R…, Lda. não ficou deserta de clientes; mantiveram-se comprovadamente clientes suficientes para manter a sociedade. Foi a A. que a quis encerrar e tudo fez nesse sentido.
A A. deturpa a verdade, alterando e falseando factos e omitindo a realidade para fazer valer direitos que sabe não lhe assistirem, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé numa indemnização a favor dos RR. nunca inferior a € 3.000,00.
Terminam no sentido de que devem ser absolvidos do pedido e a A. condenada como litigante de má fé na supra referida indemnização.
A A. apresentou réplica opondo-se aos fundamentos da contestação e reforçando a argumentação da petição inicial Foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de factos assentes e de base instrutória, de que não houve reclamação.
Decorrida a fase de instrução, teve lugar a audiência final, a que se seguiu a prolação de sentença fundamentada em matéria de facto e de Direito que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente a acção, por não provada, e em consequência, absolve os réus dos pedidos formulados.
Custas pela autora.” (sic) Inconformada, apelou a A., em matéria de facto e de Direito, resumindo e concluindo as alegações nos seguintes termos: «I. Por decisão datada de 05 de Setembro de 2014, o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a acção intentada pela recorrente, absolvendo os recorridos do pedido, não se conformando, porém, a Recorrente, daí o presente recurso que versa sobre matéria de facto e de direito com reapreciação da prova gravada.
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Com efeito, salvo diferente e melhor entendimento, o Tribunal a quo deveria ter considerado provada a totalidade da matéria que constava do quesito 9º, com base no depoimento prestado a 18/06/2014 do então técnico oficial de contas da sociedade comercial R…, J…, gravado no sistema H@bilus, aos 6 minutos e 50 segundos a 7min 49 segundos e, ainda, porque na própria sentença, a propósito da motivação quanto à matéria de facto, o próprio Julgador a quo afirma que “ficou claro que a mesma (clientela) proveio apenas em parte do Gabinete de Contabilidade de S…, onde já havia clientes da Autora e dos seus outros dois sócios, e ainda que foram angariados novos clientes para aquela (R…).
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O Tribunal a quo deveria ter considerado provada a totalidade da matéria que constava dos quesitos 16º e 17º, com base no depoimento do anterior funcionário T…, prestado no dia 03/07/2014, dos 27 minutos aos 29 minutos, de A…, depoimento prestado no dia 03/07/2014, gravado no sistema H@bilus, aos 9 minutos até 12 minutos.
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O Tribunal a quo deveria ter considerado provada a totalidade da matéria que constava dos quesitos 18. e 24. com base nos depoimentos de A… (dos 7 minutos aos 7 minutos e 20 segundos), H… (aos 5 minutos e 20 segundos), T… (aos 39 minutos), A… (dos 7 minutos aos 9 minutos e dos 13 minutos aos 14 minutos e 10 segundos), todos prestados no dia 03/07/2014 e registados no sistema H@bilus.
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Por constituírem factos essenciais para a decisão da causa deverá ser aditado à matéria de facto provada o teor dos artigos 61º e 71º da petição inicial na medida em que resultou do depoimento do então técnico oficial de contas da sociedade comercial R…, J…, gravado no sistema H@bilus, prestado a 18/06/2014, dos 23 minutos aos 44 minutos.
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Provados os factos que constam da decisão, com e sem as ressalvas supra indicadas a propósito da impugnação da matéria de facto, a decisão quanto à matéria de direito está ferida de erro, o que se invoca para todos os efeitos legais, dái, também, o presente recurso.
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A questão de direito que carece de ser analisada nestes autos prende-se, salvo diferente e melhor entendimento, com a análise e qualificação jurídica do tipo contratual celebrado entre Recorrente e Recorridos, verificação do respectivo cumprimento e consequências jurídicas ou, em última análise, da análise da responsabilidade extracontratual dos Recorridos.
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Os Recorridos assumiram a obrigação de transmitir à Recorrente uma quota de 70% do capital social nas exactas condições em que foi recebida, sendo que a entrega da mencionada quota ocorreu dias após 64 dos 90 clientes da sociedade cuja quota se cedia ter rescindido contrato de prestação de serviços com a sociedade em causa (na sequência de informação prestada pelos próprios Recorridos de que iriam cessar funções de técnicos de...
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