Acórdão nº 119/14.0TBMDL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) A… veio intentar ação com processo comum contra O…, SA, emergente de acidente de viação, sendo a ré responsável por ser concessionária (pelo Estado português) da autoestrada onde circulava a viatura do autor e responsável pelo acidente, em virtude de, no dia, hora e local da sua ocorrência a via se encontrar em manutenção com três barreiras (new jersey móveis) tombadas na hemifaixa onde o autor circulava, pelo que conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e, em consequência: 1) Ser a ré condenada a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, o valor de €2.024,41, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; 2) Ser a ré condenada a pagar ao autor, ainda a título de danos não patrimoniais pela privação do uso do veículo, o montante de €500,00, acrescido de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento; 3) Ser a ré condenada nas custas.

A ré, O…, SA, apresentou contestação onde entende ser o presente litígio da competência exclusiva da jurisdição administrativa, sendo o Tribunal Judicial de Mirandela materialmente incompetente e conclui entendendo dever: 1) A exceção de incompetência material ser julgada provada e procedente e, em consequência, absolver-se a ré da instância ou, caso assim não se entenda, 2) A presente ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência ser a ré absolvida do pedido, com as legais consequências.

* Foi proferido despacho saneador que decidiu julgar improcedente a exceção da incompetência material invocada pela ré O…, SA.

* B) Inconformado com esta decisão, veio a ré O…, SA, interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (fls. 23).

Nas suas alegações, a apelante O…, SA, formulou as seguintes conclusões: 1ª O despacho sub judice, ao declarar improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Judicial de Mirandela para apreciação do presente litígio, enferma de erro de direito e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 444º e 445º do Código Civil, 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, 1º e 4º nº 1 alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, 10º nº 7 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 64º do Código de Processo Civil.

  1. A imputação de responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não pode ser aferida pelos normativos da responsabilidade contratual fundada na existência de um contrato inominado, quer porque as portagens são taxas e não preços, quer porque no caso não são aplicáveis ao contrato, na sua formação e regime, as regras contratuais (nomeadamente o princípio da liberdade de celebração e o princípio da liberdade de estipulação), quer ainda porque imputando-se uma responsabilidade contratual às concessionárias estar-se-ia a violar o princípio da igualdade rodoviária (cfr Lei nº 25/2006, de 30 de junho, que aprova o “Regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagens”, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/29/2005, proferido no âmbito do Processo 3290/05, relatado pelo Desembargador Cardoso de Albuquerque, disponível para consulta em www.dgsi.pt e António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, pág. 46).

  2. A imputação de responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não tem uma natureza contratual fundada na existência de um contrato a favor de terceiro, na medida em que os utentes não têm um direito autónomo à prestação, não podendo (sem se verificar um acidente) exigir da concessionária o cumprimento das obrigações assumidas nos termos do contrato de concessão, até porque nada existe nos mesmos que permita concluir em sentido contrário (cf. neste sentido, Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433 e António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 49 e 50).

  3. A responsabilidade por acidentes verificados em autoestradas concessionadas não assume uma natureza contratual fundada na existência de um contrato com eficácia de proteção de terceiros, na medida em que este instituto apenas foi concebido para colmatar falhas na responsabilidade extracontratual (cf. António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 48 e 49 e Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433).

  4. A responsabilidade da concessionária perante terceiros, é uma responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, como tem sido maioritariamente defendido pela doutrina e jurisprudência (cfr, na jurisprudência, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-29-2005, proferido no Processo nº 3290/05, relatado pelo Conselheiro Dr. Cardoso de Albuquerque, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.96, proferido no Processo nº 96A373, relatado pelo Conselheiro Cardona Ferreira, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-09-2005, proferido no Processo nº 4808/2005-6, relatado pelo Desembargador Granja da Fonseca, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 04-27-2004, proferido no Processo n.º 0420858, relatado pelo Desembargador Alziro Cardoso, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 06-26-1997, proferido no Processo n.º 9720068, relatado pelo Desembargador Araújo Barros, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-10-2009, proferido no Processo n.º 1082/04.1TBVFX.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino e Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014, proferido no Processo 048/13, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt e, na doutrina, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Responsabilidade civil dos concessionários de autoestradas, Anotação ao Acórdão do TCA Norte de 6.5.2010, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 92, Março/Abril de 2012, págs. 47 e 48 e, no mesmo sentido, António Menezes Cordeiro, in Igualdade rodoviária e acidentes de viação nas autoestradas, Almedina, 2004, págs. 56 e Manuel A. Carneiro da Frada, in Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas, em ROA, 2005, II, pág. 407 a 433).

  5. Nos termos da lei, são da competência dos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham subjacentes relações jurídicas administrativas, entendidas como “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública, ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”, assumindo, consequentemente, os tribunais judiciais uma competência...

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