Acórdão nº 108/12.0TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório AA… e BB… residentes na Rua de Santa Justa, nº. …, Pousada de Saramagos, Vila Nova de Famalicão, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB… e outros, melhor identificados nos autos, alegando, em síntese, ser o primeiro, filho do Réu Francisco, e irmão e cunhado dos demais Réus, sendo que, em 18 de Junho de 2002, faleceu Maria …, no estado de casada com o referido Francisco …, deixando como herdeiros legitimários os seus nove filhos; mais alegam que partilha dos bens imóveis do dissolvido casal, formalizada por escritura outorgada no Cartório Notarial da Dra. Antónia Manuela F. Novais Silva, foi declarada nula – por simulação relativa – por decisão judicial, já transitada em julgada, proferida nos autos de acção sob a forma de processo sumário nº. 4609/08.6TBGMR, decisão essa que, contudo, ressalvou os efeitos decorrentes do negócio dissimulado, isto é, a seguinte forma de partilha: que a raiz ou nua propriedade dos prédios referidos em b) fossem adjudicados à 1ª R. pelo valor global de € 25.000, sendo que esta pagaria a título de tornas ao A., 2º a 8º RR., seus irmãos, e ao 9º R., € 2.500/cada; e que sobre os mencionados prédios fosse constituído, a favor do 9º R. usufruto.

Mais alegaram que o dito negócio dissimulado é anulável pelo facto da Autora mulher não ter consentido nele, nem o ter ratificado. Os Autores pugnaram também pela nulidade do dito negócio dissimulado por o mesmo ser contrário a normas imperativas na medida em que não foi respeitada a parte que obrigatoriamente teria de caber ao Réu Francisco …: os imóveis a partilhar tinham valor não inferior a € 60.000,00, sendo de € 30.000,00 a meação do referido Francisco … e € 7.500,00 o seu quinhão, pelo que considerando o valor do usufruto de € 6.000,00, aquele Francisco Oliveira sempre teria de receber a quantia de € 31.500,00 a título de tornas devidas pela primeira Ré que não recebeu.

Os Autores terminaram formulando os seguintes pedidos e por esta mesma ordem: a). ser declarada nula e de nenhum efeito a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria …; b). caso assim não se entenda e subsidiariamente, ser declarada anulada a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria Cardoso; c). ser ordenado o cancelamento dos registos e averbamentos à inscrição da raiz ou nua propriedade a favor dos primeiros Réus e do usufruto a favor do nono Réu sobre os imóveis descritos sob os nºs. … – Vermil e … – Vermil, repondo em vigor a inscrição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de Autor e Réus.

No decurso das diligências para citação dos Réus, foi informado e devidamente documentado o óbito do Réu Francisco de Oliveira, ocorrido em 12 de Abril de 2012.

Por despacho de fls.104 e 105 foram declarados habilitados os Réus BB e Outros para prosseguirem os ulteriores termos da causa na posição processual primitivamente ocupada pelo Réu Francisco.

Regularmente citados, apenas os primeiros Réus BB e Outros contestaram a acção, alegando, por excepção, que a Autora teve perfeito conhecimento do negócio, tendo participado nas respectivas negociações, sendo certo também que já caducou o direito de requerer a anulação do negócio, dado que a Autora dele teve conhecimento há mais de seis meses e que tal negócio foi celebrado há mais de três anos. Mais alegaram que Autores e Réus fixaram, por mútuo acordo e para efeitos de partilha, o valor dos bens a partilhar em € 25.000,00, tendo ademais o Réu Francisco decidido doar a seus filhos, em acto subsequente ou simultâneo, por liberalidade e com o acordo de todos, uma parte do valor da sua meação e do seu quinhão hereditário. Ademais, os contestantes impugnaram a factualidade alegada pelos Autores e peticionaram a condenação destes como litigantes de má-fé.

Os Autores não deixaram de replicar a fls.141 e seguintes, onde pugnaram pela extemporaneidade da apresentação da contestação e defenderam a improcedência da invocada caducidade e demais excepções invocadas pelos Réus.

A fls.152 foi ainda apresentada tréplica.

A fls.158 e seguintes foi fixado em € 60.000,00 o valor da causa e foi julgada tempestivamente apresentada a contestação, tendo-se em seguida proferido despacho saneador onde se fixaram os factos assentes e elaborada a base instrutória, a qual foi reformulada no início da audiência de julgamento.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que decidiu declarar nula a partilha dos bens imóveis que fazem parte da herança aberta por morte de Maria, melhor descritos em I.3 e, em consequência, determinou o cancelamento dos registos e averbamentos à inscrição da raiz ou nua propriedade a favor dos primeiros Réus, e do usufruto a favor de Francisco de Oliveira, sobre os imóveis descritos sob os nºs. …/… – Vermil e … – Vermil (respectivamente Ap. 15 de 2008/06/09, Ap. 16 de 2008/06/09 – cfr. fls.32 e 30).

Os RR. BB e Outro, não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, no qual formularam as seguintes conclusões: A. O artigo 394º do CCivil não veda, em absoluto, a produção de prova testemunhal, designadamente quando essa prova testemunhal seja complementar e/ou coadjuvante da prova documental já existente no processo, como é, salvo o devido respeito, o caso nestes autos.

  1. Ou seja, existindo, como existe, prova documental do acordo celebrado entre as partes, nada impede que seja produzida, admitida e tida em consideração, na decisão a proferir, prova testemunhal, designadamente para fixar o sentido e alcance dos documentos e/ou interpretar a vontade real das partes deles constante.

  2. Neste sentido, além doutros, o Ac. STJ, 07-02-2008, Proc. 07B3934, in www.dgsi.pt, que refere, “A regra do artigo 394º do CC, que estabelece a inadmissibilidade da prova por testemunhas, se tiver por objecto convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento particular mencionado nos artigos 373º a 379º, não tem um valor absoluto, sendo admitida a prova testemunhal quando houver um começo ou princípio de prova por escrito, ou mesmo quando as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção”.

  3. No caso do autos não só existe prova escrita, como a prova testemunhal produzida - que poderá e deverá ser atendida - demonstra com clareza a vontade real das partes, em consonância com o teor ou conteúdo do documento escrito – contrato promessa junto a fls 191 e sgts - tornando inclusive absolutamente verosímil que o Réu Francisco de Oliveira decidiu, em ato subsequente ou simultâneo à partilha notarial, com o acordo de todos, dar aos seus filhos, em partes iguais, uma parte do seu quinhão hereditário e da sua meação, reservando para si a quantia igual à de cada um dos seus filhos, ou seja, por forma a que cada um, inclusive ele, recebesse €2.500.

  4. Do depoimento da única testemunha ouvida em audiência de julgamento não resulta qualquer acordo ou convenção contrária ao vazado no aludido contrato promessa, pois, em momento algum, por tal testemunha é referida qualquer factualidade divergente, bem pelo contrário, relativo ao vazado na promessa de partilha, apenas e tão só por ela é referida a motivação, os fundamentos, o alcance de tal contrato promessa.

  5. De facto, a única testemunha ouvida - comum a AA e RR - apenas e tão só relatou ao Tribunal os preliminares ou negociações havidas entre as partes e o alcance ou vontade real que esses contraentes quiseram dar ou vazar nesse acordo ou promessa escrita que mais não seria que a redução a escrito do acordo resultante dessas negociações.

  6. Assim e na verdade, tal testemunha única, ouvida em audiência de julgamento, no depoimento que prestou e que se encontra gravado em CD, dos 1 minuto e 13 segundos até aos 4 minutos e 48 segundos relata ao Tribunal como teve conhecimento dos factos em discussão nos autos, designadamente que, não obstante ser advogado, mas a título particular e familiar colaborou com AA. e RR., concretamente com a R. Maria de Fátima Oliveira, na preparação da escritura de partilha junto do Cartório Notarial; aos 5 minutos e 45 segundos, a testemunha questionada se a A. mulher teve conhecimento do negócio dissimulado, para além de responder afirmativamente e relatar a razão de ciência para tal resposta, relatou ainda ao Tribunal o conhecimento direto das negociações ou preliminares ao acordo de partilha e a motivação e vontade real das partes nessa mesma partilha.

    (Eliminou-se a transcrição do depoimento da testemunha, por não ser necessário para a compreensão do objecto do recurso).

  7. Ora, perante esta prova produzida em audiência de julgamento cuja transcrição parcial supra se reproduziu conclui-se que a testemunha apenas e tão só veio explicar e complementar o conteúdo do documento, do contrato promessa pelo que, salvo o devido respeito, entende o recorrente não existir fundamento para a sua não admissão no que à resposta ao quesito ou artigo 13º da Base Instrutória concerne.

    I. Do depoimento desta única testemunha, repete-se, comum a AA. e RR., não resulta que entre as partes tenha havido qualquer outro acordo, anterior ou contemporâneo, que seja ou torne contrário ao acordo reduzido a escrito.

  8. No seu depoimento, a testemunha apenas e tão se limitou a relatar ao Tribunal as negociações prévias à outorga do...

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