Acórdão nº 2892/10.6TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DA PURIFICA |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório A.., S.A., intentou esta acção ordinária contra a ré P.., Ldª.
Alegou em síntese o seguinte: No seguimento do concurso público, a Câmara Municipal de.. deliberou adjudicar à autora a execução da empreitada documentada no doc. 4, que implicava a execução de uma ciclovia e passeio pedonal, no prazo de 270 dias, contados da data da consignação.
Uma vez que o material referido no caderno de encargos era fornecido na zona norte pela ré, a autora contatou-a para que esta apresentasse proposta de preço para o fornecimento deste material, tendo solicitado a entrega de amostras, acabando por celebrar contrato de fornecimento em 12/05/2009.
De acordo com esse contrato, a ré obrigou-se a fornecer à autora 48, 600 toneladas de betuminoso colorido IRR castanho e de 11,500 toneladas de betuminoso colorido IRR creme, no período compreendido entre 12/05 e 03/06 e efetuar o acompanhamento técnico da aplicação desses materiais mediante o pagamento da quantia de 27 876,00 Euros, acrescido de IVA à taxa em vigor, valor que a autora pagou.
Sucede que somente em 22/06/2009 é que a ré entregou à autora a denominada composição do IRR referido no ponto 24, na sequência do que e após o dono da obra ter decidido a aplicação desse produto nos dias 10 e 11 de Julho de 2009, a autora aplicou na obra o material fornecido pela ré, em conformidade com as fichas técnicas fornecidas pela ré e de acordo com as indicações dadas pela ré no local.
Verificou-se, porém que, 72 horas depois de aplicado o material, o simples uso pedonal da ciclovia e da zona pedonal deixava marcas nos pavimentos em causa, o que contrariava o prescrito nas fichas técnicas, o que significa que o produto fornecido não cumpria as características previstas no caderno de encargos. Em 25/08/2009 o dono da obra notificou a autora para aplicar uma solução alternativa ao pavimento previsto no caderno de encargos já que a ré não fornecia solução credível, razão pela qual deve a ré restituir à autora a importância de 32 406, 24 Euros.
Acresce que o aludido comportamento obrigou a autora a permanecer na obra injustificadamente desde 10 de Julho de 2009 a 15 de Setembro de 2009 ou seja 2,27 meses para além do previsto, que implicou um custo global de 76 631, 39 Euros, que a autora reclama.
Pede a procedência e a condenação da ré no valor do pedido.
A ré contestou alegando que as novas amostras foram aprovadas pela ré em 17/6/2009, sob condições que não podem ser imputadas à ré sendo que os defeitos registados no pavimento aplicado resultaram do facto do pavimento ter ficado sujeito a tráfego que não estava previsto, não podendo ser imputadas à ré.
Conclui pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido contra ela formulado.
A autora replicou concluindo como na P.I..
Foi realizado despacho saneador que fixou os factos assentes e a base instrutória, peças que não mereceram reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e no final foi proferida a seguinte sentença: Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo a ré P.., Ldª dos pedidos contra ela formulados.
Custas a cargo da autora.
A autora não se conforma com esta decisão impugnando-a através do presente recurso, pretendendo vê-la revogada.
Apresenta as seguintes conclusões: A. A recorrida forneceu um produto destinado a pavimentação, mais concretamente um betuminoso chamado IRR, que consiste numa mistura de agregados (areia), corante e ligante.
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Mas obrigou-se não apenas a fornecer o produto, mas também a fazer o acompanhamento técnico.
Ou seja, e como se entendeu na sentença (pag. 20), contratou uma compra e venda e prestação de serviços C. Sucede que, aplicado o produto e decorrido o período de cura, o mesmo de desagregou ou, por outras palavras, desfazia-se em areia colorida.
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Apesar disso, entendeu-se na sentença que não ficou provada a existência de um defeito e, por isso, se absolveu a ré do pedido! E. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto supra indicada.
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No que se refere ao conhecimento do caderno de encargos por parte da ré e a limitação da sua obrigação ao fornecimento de quantidades, sem obrigação de fazer verificação laboratorial, desde logo se considera que a posição da sentença não está conforme a prova produzida.
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De qualquer modo, o conhecimento do caderno de encargos da obra é irrelevante, pois que a ré não se obrigou a fornecer qualquer produto mas antes se obrigou a fornecer pavimento IRR.
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Assim, a ré não podia deixar de saber que o produto a fornecer tinha uma finalidade determinada, por si conhecida e aceite. Logo, tinha obrigatoriamente de servir para tal finalidade.
I. Nesse sentido, no contrato celebrado com a autora, que foi junto pela própria ré (doc. 6 da petição), diz-se: «o objecto do presente Contrato consiste no fornecimento de pavimento IRR, incluindo acompanhamento técnico durante a sua aplicação ... », J. Também na matéria de facto se considerou provado o seguinte: 5.9.Na sequência do que, e dado que o material referido no ponto 8 supra (IRR - Aglomerado asfáltico colorido) era fornecido na zona Norte de Portugal pela R., a A. contactou esta, no decurso do ano de 2008, no sentido de a mesma apresentar proposta de preço para o fornecimento desse material destinado à execução da ciclovia e passeio pedonal, incluindo o acompanhamento técnico da sua aplicação- ¬Alínea I) dos Factos Assentes.
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Acresce que a ré forneceu à autora o que chamou de ficha técnica do produto (Doc. 7 da petição), de onde resulta inequivocamente que o produto fornecido se destinava a pavimentação.
L. Ora, o que se provou é que, mesmo depois de ultrapassado o período de tempo previsto para a cura, o produto em causa se desagregava, inclusive com o simples movimento do pé ou, por outras palavras: a ré comprometeu-se a fornecer um pavimento. mas o que verdadeiramente forneceu foi areia colorida.
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Sobre isto, ficou provado o seguinte: 5.31. Verificou-se, porém, que 72 horas depois de aplicado o material, o simples uso pedonal da ciclovia e da zona pedonal deixava marcas nos pavimentos em causa - Resposta ao ponto 2r da B.I..
5.32. Por fax remetido pela autora à ré em 13/07/2009,esta informa que o tapete betuminoso colorido IRR apresentava sinais da existência de desagregação do Material aplicado, solicitando uma reunião em obra - Resposta aos pontos 24° e 26° da B.I ..
5.33. As fichas técnicas do produto determinavam que após 72 horas da aplicação já seria possível a circulação de viaturas, sem execução de manobras - Resposta ao ponto 25° da B.I..
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Quanto à questão da verificação laboratorial, a Mm" Juiz a quo, não atentou devidamente nos pontos 5.1 e 5.4 do contrato celebrado (doc. 6 da petição).
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Em primeiro lugar, na reunião de 29 de Junho de 2009 (Doc. 15 da petição), foram recolhidas amostras do pavimento e assumido o compromisso de apresentar o resultado da análise das mesmas no dia seguinte, tendo igualmente sido reconhecido por todos que «este pavimento apresenta patologias, nomeadamente desagregação do material», o mesmo resultando da sentença (ponto 5.41).
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Em segundo lugar, não podemos esquecer que as amostras fornecidas pela autora primeiramente não foram aprovadas e as seguintes tiveram uma aprovação condicionada a vários requisitos, entre os quais a apresentação de um estudo de composição e a recolha de amostra no acto da descarga e da apresentação de dados.
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Nesse sentido, provou-se: 5.21. Nessa reunião, a R. obrigou-se de entregar à A., amostras do Betuminoso IRR (lmxlm) nos RAL 8001 e RAL 1001 para efeitos de aprovação do Dono da Obra¬ - Resposta ao ponto 6° da RI ..
5.22. A R. entregou à A. as referidas amostras as quais, aliás, não foram aprovadas pelo dono da obra em virtude de as respetivas cores não corresponderem às das primeiras amostras que tinham sido aprovadas e executadas pela R. na obra em Agosto de 2008 - Resposta ao ponto 8° da RI ..
5.23. A R. entregou novas amostras, que mereceram a aprovação, de forma condicionada do dono da obra em 16/06/2008 porquanto a aprovação definitiva ficou sujeita às seguintes condições:
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Apresentação de um estudo de composição; b) Recolha de amostra no ato de descarga em obra e apresentação dos dados relativos à mesma no que se refere aos materiais e suas percentagens de teores - Resposta ao ponto 11° da B.I.
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Ainda no mesmo sentido, podem ver-se os documentos 9 da petição e documentos 48 e 49 juntos em julgamento, sendo certo que no primeiro desses documentos diz-se expressamente que deve ser "apresentado o resultado laboratorial".
Entendeu-se ainda na sentença que a ré forneceu amostras e, apesar de conhecer a reação do produto, a autora manteve interesse no fornecimento, apesar de saber que o produto se desagregava e a cor se alterava (pag. 18 da sentença), pelo que se entendeu estarmos perante uma venda sob amostra, prevista no artigo 99 do Código Civil.
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Este raciocínio sofre de vários vícios, desde logo porque as amostras fornecidas pela ré NÃO FORAM APROVADAS.
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Bem pelo contrário, a primeira foi recusada e a segunda foi aprovada condicionalmente.
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Há que ter presente que, como foi ostensivamente explicado pelas testemunhas e se apreende pelo senso comum, o pavimento IRR não é um produto químico, mas sim um produto natural, concretamente composto por areia ou brita, por um produto corante e por um químico ligante.
V. Sucede que, como produto natural que é, a areia ou brita varia nas suas características, nomeadamente na seu grau de PH ou acidez, razão pela qual é habitual que as centrais onde é fabricado o betuminoso (e este foi fabricado pela ré), tem habitualmente anexo um laboratório, de modo a que o produto produzido vai sendo testado.
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Face ao referido, ainda que estivéssemos perante uma venda sob amostra, e não tendo esta sido aprovada, cai pela base o argumento da sentença.
X. Aliás, é absurdo considerar que a culpa é da autora porque, apesar de conhecer a reação do produto, manteve...
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