Acórdão nº 414/13.6TBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO AA e mulher, BB, instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra CC e marido DD, pedindo que os réus sejam condenados: a) a reconhecerem que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial e, subsidiariamente, a reconhecerem que os autores são donos e possuidores do aludido prédio por via da usucapião; b) a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade, da água identificada nos artigos 15º a 35º da petição inicial, declarando-se que o referido direito foi constituído por usucapião; c) a respeitar o consignado no documento nº 4 assinado notarialmente pelos antepossuidores de autores e réus, no que respeita aos usos e costumes da fruição da nascente da água; d) a nada fazerem que impeça, perturbe ou dificulte o acesso dos autores à referida metade da água; e) a pagar aos autores a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento; f) a pagar aos autores uma indemnização de perdas e danos a liquidar em “execução de sentença”.

Para fundamentar a sua pretensão, os autores alegaram, em síntese, a aquisição derivada e a usucapião para justificar a titularidade do prédio misto sito no lugar de Outeiro, freguesia de Carreiras de São Miguel, Vila Verde, aqui reivindicado, sendo os réus, por sua vez, proprietários do prédio rústico sito no mesmo lugar do Outeiro, o qual adveio à respectiva titularidade através de adjudicação em processo especial de divisão de coisa comum. Afirmam que o seu prédio é desde há mais de 50 anos abastecido por uma fonte de água de nascente explorada no extremo da Leira do Cortelho, integrado no prédio dos autores, água essa que foi explorada pelos antepossuidores dos prédios dos autores e dos réus, sendo que em 1955, o pai do autor e o pai da ré mulher reduziram a escrito num documento com reconhecimento de assinaturas notarial, os termos da exploração conjunta da referida água, tendo declarado que tanto a água ali explorada como a da fonte, ficariam a pertencer em comum a ambos, sucedendo que os réus, aproveitando a circunstância dos autores residirem na freguesia vizinha e de estes trabalharem em outras profissões que não a agricultura, procederam a obras de encaminhamento da água da fonte exclusivamente para o seu prédio, retirando e destruindo as obras que o pai do autor e o pai da ré mulher fizeram a expensas de ambos para encaminharem a água da fonte para o interior dos respectivos prédios, privando os autores da fruição daquela água, o que lhes causou vários prejuízos de que se querem ver ressarcidos.

Os réus contestaram, contrapondo que a água da nascente nunca se encontrou encaminhada para o prédio dos réus, sempre existindo um único encaminhamento para o prédio dos réus, sucedendo que no ano de 2001 a Câmara Municipal de Vila Verde decidiu refazer o muro que suporta a estrada municipal nº 539, o qual foi refeito transversalmente ao encaminhamento subterrâneo da água em causa, tendo o prédio dos réus aluído, o que provocou um enorme buraco, tendo ficado a descoberto o encaminhamento da água, o que levou a que fosse feita uma obra de recuperação no local a expensas da Câmara Municipal de Vila Verde, que também tomou todas as decisões sobre o material a aplicar na obra: Mais negam que a realização de tais obras tenha causado danos aos autores.

Em reconvenção pediram a condenação dos autores a reconhecerem que os réus são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, da água encaminhada para a extrema poente do seu prédio.

Houve resposta, concluindo os autores como na petição inicial e pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador tabelar, dispensando-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, parcialmente procedente sendo, por outro lado, julgada totalmente procedente a reconvenção deduzida e, em consequência, decide:

  1. Condenar os RR. a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio id. no artº 1º da p.i.; b) Absolver os RR. do demais contra si peticionado; c) Declarar os RR./reconvintes donos e legítimos possuidores da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. em 12º da p.i..

  2. Condenar os AA./reconvindos a absterem-se de praticar qualquer acto perturbador do direito referido em d).

    Custas a cargo de AA. e RR., na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 3/4 e 1/4.

    » Inconformados com o assim decidido, apelaram os autores, tendo culminado a respectiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «

    1. Os recorrentes não se podem conformar com a sentença proferida pelo Tribunal recorrido que julgou parcialmente procedente a demanda sendo, por outro lado, julgada totalmente procedente a reconvenção deduzida nos seguintes termos: Condenar os RR. a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio id. No art° 1° da p.i.; Absolver os RR. do demais contra si peticionado; Declarar os RR./reconvintes donos e legítimos possuidores da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. em 12° da p.i..

      Condenar os AA./reconvindos a absterem-se de praticar qualquer acto perturbador do direito referido em d).

    2. Apesar da aparente clareza dessa decisão e sem quebra do respeito devido, que aliás é muito, têm os ora Apelantes como certo que o Tribunal a quo não apreciou, nem valorou corretamente a totalidade da prova produzida com relevo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, nem fez correta interpretação aplicação do Direito ao caso sub judice.

    3. Em primeiro lugar, os recorrentes entendem que, desde logo, que a douta sentença proferida pelo Tribunal é nula ao julgar os RR./reconvintes donos e legítimos possuidores da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. em 12° da p.i., quando no facto provado em 7 resulta que, passa-se a citar: O descrito em 6 tem vindo a ser feito pelos RR., por si e antepossuidores, de forma contínua e ininterrupta, à vista e com o conhecimento de todos, sem a oposição ou turbação de ninguém, na intenção e convicção de que o direito ao uso da respectiva agua lhes pertence, na proporção de metade.

      ” D) Ao ter-se dado como provado - facto 7 - que os Rr/Reconvintes apenas na proporção de metade detêm o direito à água, não podia a douta sentença Declarar os RR./reconvintes donos e legítimos possuidores da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. Em 12° da p.i..

    4. Quanto muito, deveria o Tribunal a quo declarar os Rr/Reconvintes donos e legítimos possuidores de metade da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. em 12° da p.i..

    5. Ora, nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

    6. Sendo que, de acordo com a factualidade dada como provada e a respectiva fundamentação, o resultado lógico seria ter sido julgado procedente o reconhecimento do direito de propriedade quer dos AA, quer dos RR/Reconvintes, na proporção de metade cada, da água encaminhada para a extrema poente do prédio id. em 12° da p.i. e não apenas dos RR/Reconvintes.

    7. Pelo que, com o devido respeito, que é muito, a decisão recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 668.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, pois os próprios fundamentos invocados pela Meritíssima Juiz a quo deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao expresso na sentença.

    8. Sendo certo que, verifica-se a nulidade por oposição entre fundamentos e decisão tipificada na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.Civil, quando os factos provados e fundamentos invocados conduzirem logicamente, não ao resultado final expresso na decisão, mas a resultado oposto ou mesmo preferente.

    9. Por outro lado, a douta sentença é completamente omissa na apreciação dos documentos que foram juntos à petição inicial, mormente o documento nº 2, documento esse que não foi sequer impugnado pelos RR/Reconvintes.

    10. Naquele documento com reconhecimento notarial de assinaturas, no ano de 1955, junto aos autos como doc nº 2, os antepossuidores do prédio dos AA/Recorrentes e dos RR/Recorridos declararam: “que a expensas de ambos, procederam à exploração da água nas extremas dos seus prédios denominados de Campo do Cortelho e Capo do laranjal, no lugar de subouteiro, da referida Freguesia de Carreiras são Miguel”.

    11. Mais ali declararam os antepossuidores do prédio dos AA e dos RR que: “(…) convencionam que tanto a água ali explorada como a da fonte, fica a pertencer aos dois em comum, devendo, no entanto, cada um servir-se e utilizar-se dela tapando-a de vinte em vinte e quatro horas, começando sempre o giro às doze horas de cada dia. (…) que se obrigam a respeitar o contrato tal como estipularam de princípio.(…).

    12. Tal documento tem força probatória plena, e, não foi impugnado pelos RR/Reconvintes aqui recorridos.

    13. O referido documento junto à petição inicial como documento nº 4 tem o valor probatório pleno nos mesmos termos em que ele se justifica para a confissão.

    14. A força probatória plena do documento particular significa que o facto não carece de outra prova e que tem de considerar-se verdadeiro.

    15. O documento particular cuja autoria seja reconhecida, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento – artº 376º nº1, do Código Civil.

    16. Os Rr /Reconvintes não arguiram qualquer falsidade do documento, pelo que faz o mesmo prova plena - artº 376º nº1, do Código Civil R) O tribunal a quo não se pronunciou sobre o teor de tal documento – doc nº 4 junto á petição...

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