Acórdão nº 3533/10.7TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, Companhia de Seguros, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe: a) uma indemnização pelos danos patrimoniais, a título de lucros cessantes, cujo montante ascenderá à quantia a liquidar em execução de sentença, atenta a incapacidade permanente profissional a determinar nos presentes autos, acrescido dos juros de mora, à taxa legal e anual, desde a citação até efectivo e integral pagamento; b) a indemnização de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais por este já sofridos e cuja liquidação foi possível fazer até à presente data, bem como a indemnização pelos danos não patrimoniais que esta ainda vai sofrer, e cujo montante não é possível prever e, por isso, relega-se a sua liquidação para execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal e anual, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, na ocorrência de um acidente de viação ocorrido em 21.10.2005, no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 70-33-PA, propriedade da sociedade “CC, Lda.”, de que é gerente, e por si conduzido, e o veículo ligeiro com a matrícula 78-47-OG, propriedade de DD e por este conduzido, atribuindo a culpa na eclosão do acidente ao condutor do veículo OG, estando a responsabilidade civil emergente da sua circulação transferida para a ré, a qual, aliás, reconheceu a culpa do referido condutor, tendo já indemnizado a dita sociedade pelos danos patrimoniais sofridos pelo OG. Mais alega que do acidente resultaram danos para a sua integridade física e saúde, cuja gravidade apenas recentemente foi detectada, dos quais se quer ver ressarcido nos montantes peticionados.
A ré contestou aceitando que o acidente em causa se ficou a dever a culpa exclusiva do seu segurado, alegando, porém, porém, que o autor foi devidamente tratado e indemnizado pela ré das lesões que sofreu e que, além da indemnização recebida pela proprietária do veículo conduzido pelo autor, a ré pagou a este, em 11.05.2006, a quantia de € 11.068,28, correspondente a salários retidos, transportes e outras despesas e a título de danos morais, tendo o autor dado quitação total à ré em virtude desse pagamento, concluindo nada dever ao autor.
Invocou ainda a excepção da prescrição, defendendo que o crime subsumível ao acidente dos autos foi o de ofensas corporais simples negligentes, sendo que o conhecimento do direito do autor a ser indemnizado ocorre desde a data do acidente.
No mais impugna a factualidade alegada, nomeadamente as lesões invocadas, que diz não resultarem do acidente, alegando também desconhecer a sua origem e extensão.
Conclui pela sua absolvição do pedido e pela condenação do autor como litigante de má-fé.
Houve réplica, concluindo o autor como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a que constituiu a base instrutória, a qual não foi objecto de reclamações.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Com fundamento no atrás exposto: a) condeno a ré BB Companhia de Seguros, S.A a pagar ao autor a quantia de € 32.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
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absolvo a ré BB Companhia de Seguros, S.A, do restante pedido contra si deduzido.
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julgo improcedentes as exceções de prescrição e de cumprimento da obrigação invocadas pela ré.
Não se indicia litigância de má-fé.
Custas por autor e ré na proporção dos seus decaimentos».
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «I – Na sua douta decisão, entende o Tribunal recorrido “…que os danos reivindicados pelo autor neste processo, como se verifica compulsando a p.i., correspondem a sequelas lesivas do acidente que se manifestaram posteriormente, e que o autor apenas vai ter conhecimento serem consequência deste, quando for notificada da presente sentença.
”.
II – Ou seja, o Tribunal vai informar o A. sobre qual deverá ser o objeto do seu pedido, ao notificá-lo da sentença! O que frontalmente contraria o que se encontra instituído no nº 1 do art.º 609º do CPC: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”, sob pena de nulidade.
III - Ora, se não exorbita na quantidade, o douto Tribunal a quo fá-lo já na qualidade, ou seja, estabelece qual é que deveria ser o objeto do pedido do A., quando o notifica da sentença! Mais grave é que, ao fazê-lo, estabelece um novo prazo prescricional, remetendo-o para “a fixação da matéria de facto provada”, pois apenas nessa altura “o autor passa a ter conhecimento do direito à indemnização”.
Entende a R. / Apelante que assim não é, nem pode ser.
IV - Na verdade, já no artigo 36º da sua p.i., o A. refere que “…com dores fortes e persistentes, dirigiu-se a um médico especialista, mais concretamente, o Prof. Dr. Armando Mansilha, que o acompanhou desde meados daquele ano de 2006, em consultas de angiologia e cirurgia vascular”.
Na sequência desta observação, ter-lhe-á sido diagnosticada, por aquele Médico, a “oclusão da carótida interna direita”, “confirmada por angioressonância” – artigo 37º da p.i.
V - Na Clínica Médica do Dr. Campos Costa, num exame efetuado em Fevereiro de 2007 (doc. nº6 junto com a p.i.), viria a confirmar-se a dita “oclusão da carótida”, e é da mesma data, i. é, Fevereiro de 2007, o relatório do Instituto de Radiologia Dr. Pinto Leite, resultante de uma “angiografia colorida carotídea e vertebral” que conclui padecer o A. de “oclusão pós-bulbar da carótida interna direita”.
VI - Ora, na sequência de todos estes meios complementares de diagnóstico a que entendeu por bem recorrer, e com a opinião escrita do Prof. Dr. Armando Mansilha “de que as lesões foram provocadas pelo acidente de viação” (pelo menos, foi esse o entendimento que o A. quis dar ao relatório deste Médico e que foi, a final, sufragado pelo Tribunal a quo) “o Autor, em Março de 2007, deu conhecimento desse facto à R., com pedido de reabertura de processo que, posteriormente, instruiu com todos os exames efetuados…” – artigo 43º da p.i.
VII - São, portanto, de meados de 2006 e Fevereiro / Março de 2007 – e segundo as próprias afirmações do A. na sua p.i. – as opiniões dos Clínicos, consubstanciadas nos exames nessa altura efetuados, de que teria ocorrido uma oclusão da carótida direita do A., fenómeno que seria a origem de toda a patologia verificada.
VIII - Não é, pois, verdade, que tenha sido na sequência do relatório final do Dr. Joaquim Pinheiro, de 28 de Setembro de 2010, que o A. tomou conhecimento das lesões e, desta forma, do direito que lhe compete – cfr. artigos 48º e 49º da p.i. – e, por maioria de razão, não será verdade que venha a ter conhecimento desse direito, com a notificação da sentença! IX - Este relatório de Setembro de 2010 – aliás, muito conveniente, face à necessidade da propositura da ação, em Outubro do mesmo ano – limita-se a elencar os factos relatados pelo A. e a confirmar, através de uma ressonância magnética, as lesões já constatadas mais de três anos antes! De resto, o relatório refere uma Síndrome de Horner (que, diga-se, também pode ter causa congénita), com alguns dos seus principais sintomas: Ptose (queda parcial da pálpebra) e Miose (constrição da pupila), aspetos que, diga-se de passagem, resultam da simples observação visual.
X - Ilustríssimos Desembargadores, é muito claro para a R. e Apelante, conforme será já para Vs. Exªs também: no caso sub judice, o lesado teve conhecimento de direito que lhe assistia bem antes do Relatório que o A. convenientemente arranjou em Setembro de 2010, bem sabendo que toda a sua situação clínica – que ele atribui ao acidente de que foi vítima – já se encontrava definida, pelo menos, desde Março de 2007, ou seja, bem para lá dos três anos que haviam de decorrer até que a ação fosse intentada e a R. fosse citada! XI - Acresce que a douta sentença a quo – a aqui, andou bem - nem sequer considerou o prazo específico concedido pelo nº3 do art.º 498º do C.C., para o caso do facto ilícito ser considerado crime, mas sim o nº1, do mesmo preceito. E mesmo que assim não fosse, é o A. que “cria” a qualificação do crime, na douta p.i., classificando-o de “ofensa à integridade física grave” (e, deste modo, enquadrando o caso no prazo prescricional de 5 anos).
XII - Mas, na verdade, e como é bom de ver, do acidente dos autos poderia apenas resultar uma acusação por crime por ofensa à integridade física por negligência – artº 148º, nº1 do C.P. mas, como também é consabido, o procedimento criminal depende de queixa – nº4 do referido artigo – procedimento que inexiste, pelo que se não se conhece qualquer sentença-crime que condene (ou absolva…) o condutor do veículo seguro na R., e de que forma! Ora, “III – Nos casos em que é necessária a queixa para haver procedimento criminal e o titular do direito de queixa o deixar prescrever ou a ele renunciar, torna-se impossível aplicar o prazo mais amplo previsto no nº3 do art.º 498º do C.Civil.”[1] XIII - Pelo que deveria, assim, e pelo Tribunal recorrido, ser considerada extemporânea a propositura da presente ação e, desta forma, prescrito o direito do A., absolvendo-se a R. do pedido.
XIV – Entendeu, igualmente, o Tribunal a quo, não atender à exceção perentória de cumprimento da obrigação, alegada pela R. / Apelante na sua Contestação, baseando este entendimento no facto de “o alcance da declaração de quitação assinada pelo autor abrange apenas os danos patrimoniais e não patrimoniais de que o mesmo era conhecedor à altura, pois os que vieram a surgir depois não podiam ter sido levados em conta pelo autor por, na altura da subscrição da...
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