Acórdão nº 108/14.5GAAMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, 1.
Nos presentes autos de processo comum nº 108/14.5GAAMR.G1 e após a realização da audiência de julgamento, o tribunal singular da Instância Local de Amares da Comarca de Braga condenou o arguido Gaspar M.
pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, nº 1, al. b) e 2 do Código Penal, na pena de três anos de prisão.
Na parcial procedência do pedido de indemnização civil, foi o arguido-demandado condenado no pagamento à demandante Maria A.
da quantia total de sete mil euros, acrescida de juros de mora desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
Inconformado, o arguido interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) : “1.
O arguido foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão e na parte cível, foi o arguido condenado a pagar à demandante – Maria A. - a quantia de sete mil euros, acrescida de juros de mora desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, bem como no pagamento de 4 UC’s de taxa de justiça e nas custas do processo.
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O presente Recurso é delimitado à questão da matéria de facto dada como provada sob os pontos n.º s 30 da fundamentação; à questão da medida da medida da pena concretamente aplicada, nomeadamente da pena de três anos de prisão; a não consideração de uma atenuante (confissão) e o pedido de indemnização cível em que foi condenado.
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Perante a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não podia o Tribunal a quo ter dado como provado, na fundamentação de facto, o constante do ponto 30.
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Na fixação do montante dos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, o Tribunal teve por base referência uma situação económica do arguido que não corresponde ao que efectivamente aufere.
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Pelo que, é exagerada a condenação do arguido no pedido de indemnização civil.
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O Arguido/Recorrente confessou a sua apurada conduta, mostrou-se arrependido e colaborou com a Justiça.
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Na fundamentação da decisão recorrida e no que respeita à pena de prisão efectiva, terão pesado mais os factores da prevenção especial do que os factores da prevenção geral, devido à condenação anterior do arguido.
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A simples censura dos factos praticados pelo Arguido/Recorrente, conjuntamente com a ameaça de prisão e a sua substituição por uma pena suspensa garantem de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial pertinentes ao caso em apreço.
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No que concerne à ressocialização do agente dever-se-á atender a que a aplicação da pena três anos de prisão subverterá por completo esta vertente pedagógica da pena, implicando um sacrifício desmesurado para o condenado.
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Por outro lado, uma pena de prisão suspensa na sua execução mostrar-se-á comunitariamente suportável, dentro das exigências de reafirmação dos valores violados com o comportamento do Recorrente.
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Ao decidir como fez a douta decisão em crise violou, entre outros, o prescrito no artigo 71.º, n.º 2, alíneas d) e e) e artigo 72.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.” Também inconformada, Maria A. interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) : “1. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que· a assistente apresenta deformação em ambos os braços, a assistente apresenta sequelas no membro superior esquerdo, concretamente cicatriz de cor rosada com cerca de 1 cm de comprimento localizada na face externa do terço proximal do braço· e no tórax: “uma cicatriz figurada ligeiramente hipocrómica em relação à pela circundante numa área de 5 cm pro 4 cm de maiores dimensões sugestiva de ser provada por fivela metálica de cinto.”;· e que das condutas descritas nos factos assentes da sentença recorrida resultaram consequências permanentes para a assistente.
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uma vez que esse factos resultam da prova documental junta aos autos, concretamente da informação clínica de página 108 e relatório pericial de fls. 171.
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A sentença recorrida refere que “considerando a intensidade da culpa do agente (dolo direto), o período temporal em que essas agressões físicas e verbais perduraram, a gravidade das ofensas físicas e morais que causou à ofendida, as elevadas exigências de prevenção geral (nos dias de hoje a violência conjugal é um dos grandes flagelos da nossa sociedade), e as elevadas exigências de prevenção especial (o arguido tem antecedentes criminais pela prática de um crime da mesma natureza), julgamos adequado e justo condenar o arguido numa pena de três anos de prisão”.
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Sucede que a recorrente considera que se aplica aos presentes autos o n.º 3 do artigo 152 CP, e mesmo que assim não se entenda, a medida da pena tem de estar mais próxima do limite máximo previsto.
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isto porque o n.º 3 refere que o agente será punido com pena de prisão de dois a oito anos, se resultar ofensa à integridade física grave da vitima, ou seja, se “…ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a desfigurá-lo grave e permanentemente, ou tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, …… de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo.”.(artigo 144º a) e b) CP) 6. Ora e conforme resulta no ponto I do presente recurso, a recorrente ficou com cicatrizes permanentes no seu corpo.
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Referindo T. Magalhães, D. Pinto Costa, F. Corte –Real, D.N Viera – in avaliação do dano corporal em direito Penal, Revista de direito Penal, ano II n.º 1 que “a saúde não se refere apenas ao corpo, mas de forma mais genérica, ao estado de completo bem-estar físico, mental e social”.
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Posto isto e conforme resulta do factos provados, nomeadamente que a “violência doméstica” iniciou-se no ano de 2006, sendo quase diária a sua frequência (ponto 4 dos factos provados) que da mesma resultam as lesões identificadas no ponto 19, bem como o facto do arguido com uma chave de fendas aquecida ter queimado o assistente na zona genital, 9. a pena aplicada deve ser próxima do limite máximo, ou seja, entre sete e oito anos.
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No seguimento do supra exposto, a recorrente não pode concordar com o valor atribuído de indemnização.
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O valor atribuído é manifestante insuficiente, as ofensas verbais e física ocorreram durante mais de 8 anos, a recorrente tem cicatrizes no corpo inteiro nomeadamente uma cicatriz, no tórax, figurada ligeiramente hipocrómna em relação à pela circundante numa área de 5 cm por 4 cm de maiores dimensões provocado por fivela metálica de cinto, conforme resulta do relatório perícia de fls. 171.
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Acresce ainda que a mesma deve ser indemnizada pelos danos psicológicos, resultante da vivência em contexto de violência durante cerca de 8 anos, ou seja, 2705 dias, sendo que durante esse período, a recorrente foi controlada pelo arguido, impedida de contactar com os seus amigos, com a sua família, de se socorrer de que quem que fosse, ou seja, a mesmo foi privada da sua liberdade.
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A recorrente foi ainda vítima de sucessivas agressões físicas e verbais, sendo constantemente ameaçada de morte, vivendo sob permanente angústia, desespero, medo, pelo que deve ser atribuída uma indemnização nunca inferior a 25,00 euros por dia, por semelhança à situação de internamente previsto na portaria n.º 679/2009, o que perfaz a quantia de € 67.625.
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A esse valor acresce o montante de € 30.0000 relativa ao dano estético, uma vez que são visíveis as cicatrizes no corpo da demandante, cfr. relatórios médicos e fotografias juntas aos autos, nomeadamente nos braços, peito e costas, sendo certo que as mesmas diminuíram a sua auto-estima e impossibilitaram a práticas das suas actividades pessoais e causaram na Recorrente desgosto e vergonha.
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A Recorrente deve ser indemnizada no valor de € 20.000 relativo ao dono biológico; este é denominado pela jurisprudência como “ diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, considera ainda e jurisprudência que “ é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…)A.STJ de 20 de Janeiro de 2011.
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Por tudo o exposto a Recorrente reclama uma indemnização total de € 117.625, quantia é adequada para ressarcimento de todos os danos por si sofridos, tendo em atenção a intenção malévola demonstrada pelo arguido.
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Por tudo o exposto verifica-se erro notório na apreciação da prova nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410º CPP, e a matéria de facto devem ser modificados, nos termos do artigo 431 CPP.
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A sentença recorrida viola ainda o estabelecido nos n.ºs 1 a n.º 2 do artigo 71º e n.º 3 do artigo 152º ambos do CP, bem como os artigo 562º e 564º do C.C.” O Ministério Público, por intermédio do magistrado na Instância Local de Amares, formulou resposta, concluindo que deve negar-se provimento a ambos os recursos.
No parecer a que se reporta o artigo 416.º do Código do Processo Penal, a Exmª procuradora-geral-adjunta suscitou questão prévia, invocando, em síntese, que não houve nos autos decisão de admissão da ofendida na qualidade de assistente, o que constitui irregularidade, entretanto sanada, pelo que a ofendida carece de legitimidade para recorrer no processo-crime. No mais, conclui que o recurso do arguido deve ser julgado improcedente.
A recorrente Maria G. formulou resposta ao parecer do Ministério Público, invocando, em síntese, que o tribunal admitiu oralmente a sua constituição de assistente. Caso assim não se entenda, deve decidir-se a remessa do processo ao tribunal de primeira instância para reparação da irregularidade Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Questão prévia 2.1 Mostram os autos que Maria A. requereu em 19/11/2014 a...
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