Acórdão nº 386/15.2T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I. - J veio propor contra a F a presente acção declarativa de condenação peticionando que se declare existir uma situação de incumprimento culposo por parte da Ré da condição a que sujeitou a doação que lhe fez, e, consequentemente, condenar-se a mesma ao pagamento ao Autor da indemnização correspondente, no valor de € 50.744,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento ou, subsidiariamente, acrescida do valor da sua actualização pela aplicação dos índices de preços no consumidor, no continente, sem habitação, verificados desde o ano de 2015 até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente pede que se declare que existe uma situação de enriquecimento sem causa e a Ré seja condenada a pagar-lhe a importância acima referida dos juros ou actualização, nos termos acima mencionados.

Fundamenta alegando, em síntese, que doou à Ré as importâncias em dinheiro necessárias à construção de um edifício destinado a bar e aos arranjos exteriores da Capela de Santa Bárbara. Porém, já depois das obras estarem concluídas, tendo a Ré sido notificada pela Câmara Municipal para requerer o seu licenciamento, aquela nada fez, acabando por demolir a construção destinada ao bar e os passeios fronteiros.

Regularmente citada, contestou a Ré por impugnação motivada.

Proferido despacho saneador tabelar e fixados os temas de prova, os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgou a acção improcedente por não provada.

Inconformado, traz o Autor o presente recurso pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que “julgue provados os factos constantes dos itens 25º, 56º e 57º da petição inicial” e “julgue a acção totalmente procedente”.

Contra-alegou a Ré propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

** II.- O Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: I. Salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos itens 25º, 56º e 57º da petição inicial, ou seja,

  1. Quantia essa [quantia doada pelo Autor para a execução das obras do bar e arranjos exteriores do mesmo, referidos nos itens 23º e 24º do mesmo articulado] que o Autor quis, efectivamente, doar – como doou -, à Ré com vista à concretização do citado fim, ou seja, exclusivamente para suportar os custos da construção do edifício destinado a bar e respectivos arranjos exteriores, e que esta aceitou sem qualquer reserva.

  2. A única condição que estabeleceu foi que as verbas por si disponibilizadas por inteiro, fossem destinadas exclusivamente à construção do edifício destinado a Bar e aos respectivos arranjos exteriores, cuja exploração gerasse receitas destinadas a suportar as despesas de conservação com a envolvente da Capela de Santa Bárbara.

  3. Tal condição foi desde o início aceite pela Ré.

    1. Os referidos factos deviam ter sido dados como provados.

    2. Os factos em causa resultam provados, quer por acordo das partes, tendo sido expressamente aceites nos itens 29º, 6º, 32º, 33º, 34º e 35º da contestação, quer através da prova testemunhal produzida e indicada pormenorizadamente supra (depoimentos das testemunhas J e M).

    3. O simples facto de se tratar de três factos admitidos por acordo das partes, dispensa qualquer outro meio de prova sobre os mesmos e têm de ser dados como provados, sem mais.

    4. Alegando, ainda assim, que se trata de uma doação pura e simples, aquilo que a recorrida suscita é uma questão que não tem a ver com a prova dos factos, mas antes com a qualificação da doação feita pelo Autor, ou seja, se a mesma é uma doação “pura e simples”, como ela sustenta, ou antes uma doação modal, como sustenta o recorrente.

    5. A incorrecta decisão sobre a matéria de facto reflectiu-se necessariamente sobre a decisão da matéria de direito, sendo que, com a prova da matéria de facto constante dos citados três itens da petição inicial, a acção deveria ter procedido totalmente.

    6. É um facto que se está perante um contrato de doação feito pelo ora recorrente à ora recorrida, nos termos do artigo 940º do CC, como não vem posto em dúvida na douta sentença recorrida nem sequer pelas partes, que o aceitaram também de forma expressa.

    7. Tendo, porém, o ora recorrente estabelecido como condição que as verbas por si disponibilizadas por inteiro à recorrida, fossem destinadas exclusivamente à construção do edifício destinado a Bar e aos respectivos arranjos exteriores, cuja exploração gerasse receitas destinadas a suportar as despesas de conservação com a envolvente da Capela de Santa Bárbara, condição que foi desde o início aceite pela recorrida, é manifesto que se está perante uma doação modal, modalidade a que se refere o art. 963º do CC, o que significa que o recorrente impôs um ónus, uma limitação à doação efectuada.

    8. Ao demolir, sem mais, o edifício destinado a bar, por sua iniciativa e a suas exclusivas expensas, a Ré incumpriu o encargo inerente à doação, na medida em que destruiu o valor da doação, com a consequente criação de uma situação de impossibilidade de funcionamento do Bar com o objectivo declarado e proposto pelo Autor e pela Ré aceite (obtenção de receitas a aplicar na manutenção dos espaços envolventes da Capela).

    9. Por isso se verifica um caso de incumprimento da obrigação assumida pela recorrida, sendo ao caso aplicáveis as regras gerais do cumprimento das obrigações, nomeadamente o disposto no artigo 801º/2 do CC.

    10. Quanto à resolução, não obstante o art. 966º do CC prever a sua possibilidade em caso de consagração expressa no contrato, o facto é que, nos termos do disposto no art. 947º/2 do mesmo diploma, neste caso, a doação em dinheiro não se encontrava sujeita a qualquer formalidade externa, pelo que não faz sentido exigir a verificação desse requisito na situação em apreço, sendo, por isso, sempre possível a resolução, com os efeitos repristinatórios e retroactivos que da mesma decorrem, de acordo com o regime previsto nos arts. 432º e ss. (particularmente, 433º e 434º) e, por remissão, art. 289º, todos do CC.

    11. Ainda que porventura assim não se entendesse - o que não se concede -, ao mesmo resultado se chegaria por aplicação do regime decorrente da violação dos deveres laterais, tendo em conta que o encargo constitui um dever jurídico, uma obrigação acessória incidente sobre o donatário, cujo incumprimento implica os mesmos efeitos que o incumprimento de uma obrigação principal.

    12. Sempre tem o recorrente direito a exigir e a recorrida está obrigada a restituir, a totalidade da quantia global doada por aquele, que ascende, ainda sem qualquer actualização, a € 42.610,02.

    13. Nos termos do artigo 801º/2 do CC, para além do direito de resolução, o recorrente tem ainda direito a ser indemnizado pelo interesse contratual negativo isto é, pelos prejuízos decorrentes da celebração do contrato.

    14. Pelo contrário, se se entendesse que o Autor não tem direito à resolução do contrato, a indemnização será a correspondente ao interesse contratual positivo, ou seja, a decorrente do incumprimento do contrato celebrado.

    15. A conduta adoptada pela Ré é altamente censurável, pois que a mesma tratou de imediato de não cumprir com a obrigação que assumiu perante o Autor, tendo, sem mais, tratado de, inusitadamente e de forma despropositada, destruir algo com o valor correspondente, no momento actual, a mais de € 50.000,00 que saíram exclusivamente do património do Autor, tendo demonstrado uma absoluta negligência e leviandade no que toca à forma como conduziu o procedimento administrativo que correu termos na Câmara Municipal de Viana do Castelo, tendo aproveitado a circunstância da notificação da autarquia para proceder, ela própria, à demolição das obras executadas com dinheiro doado exclusivamente pelo mesmo, desconsiderando a sua pessoa, o seu esforço, o seu trabalho e o seu espírito de total liberalidade e de benemérito.

    16. Tal comportamento não pode deixar de ser considerado completamente reprovável e, assim, culposo, na medida em que a Ré actuou sem qualquer diligência e partiu, sem mais, para a demolição do edificado, desinteressando-se por completo do dinheiro, do esforço, do empenho e do trabalho dos outros, nomeadamente do Autor, sendo que, como causa directa e necessária da conduta da R., o A. sofreu um dano patrimonial, ainda sem actualização, de € 42.610,02, (quarenta e dois mil seiscentos e dez euros e dois cêntimos).

    17. Assim, quer por força do incumprimento culposo do contrato de...

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