Acórdão nº 1752/12.0TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃESI-Relatório I veio intentar a presente acção de anulação de deliberações sociais contra F, pedindo que, pela procedência da mesma, sejam as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária da Assembleia Geral da R. de 19/4/2012 declaradas nulas ou, se assim não se entender, anuladas.

Para o efeito, alegou ser contitular de uma quota no valor nominal de € 425.000,00 e outra no valor nominal de € 75.000,00 no capital social da R., as quais lhe advieram por legado feito pelo seu falecido pai, M, titulado por testamento outorgado no dia 4/8/2010, em que legou as mencionadas quotas em comum e partes iguais e por conta da sua quota disponível, à A. e a seu irmão J.

Contestou a R., invocando, desde logo e entre outros, excepção de ilegitimidade activa da A, determinante da absolvição da R. da instância.

*Replicou a A., pedindo a improcedência da excepção de ilegitimidade activa arguida, mantendo a posição por si assumida nos autos, mas deduzindo à cautela a intervenção principal provocada do outro co-titular das quotas indivisas e peticionando a condenação da Ré como litigante de má fé.

*A Ré deduziu oposição ao incidente deduzido e veio responder ao pedido de condenação em litigante de má fé, pedindo a improcedência de ambos.

*Admitido o incidente, foi o chamado J. citado, declarando nos autos fazer seus os articulados da Ré, a que se seguiu a apresentação de articulado de resposta da A. e requerimento de pronúncia da Ré, bem como do chamado a pedir o desentranhamento do requerimento de resposta da A.

*Foi, então, designada uma tentativa de conciliação que, por frustrada, deu lugar ao despacho de cumprimento do disposto no art. 5.º, n.º 4, da Lei 41/2013, de 26.6, observado pelas partes.

*Posteriormente foi proferido despacho a designar dia para audiência prévia, tendo-se considerado as partes legítimas ‘ad causum’, por se ter entendido que a excepção invocada, de ilegitimidade activa, assenta em matéria controvertida, dado correr termos um processo intentado pela cabeça de casal em que se impugna o testamento através do qual a A. terá ficado na posse das participações sociais em causa nestes autos, relegando-se, por isso, o seu conhecimento para final, a que se seguiu a enunciação do objecto do litígio e a selecção dos temas de prova**Sobre a decisão proferida insurgiu-se a Ré, reclamando do decidido quanto à excepção deduzida, pedindo a sua revogação, com a subsequente decisão de ilegitimidade da A., à semelhança do decidido no outro processo pendente, o que não foi atendido, por se manter o decidido.

*Admitido o depoimento de parte dos gerentes da Ré foi interposto recurso pela Ré, bem como pelo chamado quanto ao segmento do despacho referente à prova requerida pela A. e pela A. quanto ao deferimento do pedido a requerer o seu depoimento de parte.

*Após, foi proferido despacho que suspendeu a instância, face à pendência do processo a correr termos no 1.º Juízo, com o n.º 2979/12.0TJVNF, através do qual se impugna o testamento quanto à titularidade e posse das participações sociais, objecto igualmente de recurso.

*Apreciados os recursos interpostos, foram todos eles julgados improcedentes, à excepção do recurso interposto pela A. quanto ao despacho proferido a fls. 346, assim se determinando o normal prosseguimento dos autos até final.

*Após baixa dos autos, foi proferido despacho em que se consignou, pelo novo titular dos autos, ser outra a sua posição sobre a excepção de ilegitimidade arguida, pelo que, considerando reunidos nos autos todos os elementos necessários para conhecer e decidir sobre tal excepção, de imediato, e por se encontrar requerida prova pericial, para além da audiência de julgamento, com custos acrescidos, lançando-se mão do princípio da adequação formal previsto no art. 547.º, do Cód. Proc. Civil, foi convocada uma audiência, com o fim de ser proferida decisão sobre a referida excepção.

*Perante tal despacho, a A. veio arguir a sua nulidade, apreciada e decidida na audiência designada, no sentido do seu indeferimento, após o que foi julgada verificada a excepção de ilegitimidade activa da A., absolvendo a Ré da instância.

*II-Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida veio a A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1 - O douto despacho que agendou nova audiência prévia e que revogou o que o Tribunal já tinha decidido em matéria excepcional violou caso julgado.

2 - Só estão previstas no actual processo civil dois tipos de audiência: a audiência prévia (art. 591 CPC) e a audiência final (art. 599 e sgs CPC).

3 - Não estão previstas quaisquer outras audiências, sendo a audiência de partes exclusiva do processo laboral (art. 55 CPT).

4 - Nos presentes autos, realizou-se a correspondente audiência prévia em 5/12/2013, tendo o tribunal decidido que «as partes têm legitimidade ad causam», mesmo depois das reclamações apresentadas pelas contrapartes.

5 - Após a prolacção do douto acórdão desta Veneranda Relação que, em 19/3/2015, determinou «o normal prosseguimento dos autos até final», impunha-se que a Primeira Instância cumprisse essa decisão e determinasse o início da prova pericial que foi doutamente deferida na audiência prévia de 5/12/2013.

6 - A Primeira Instância decidiu não observar o que tinha sido decidido por esta Veneranda Relação, não determinou o normal prosseguimento dos autos e convocou uma «audiência», para a qual a recorrente não encontra base legal, nem decisão judicial que a suporte e permita não dar cumprimento ao doutamente ordenado por esta Veneranda Relação, sendo manifesto que o douto despacho recorrido viola caso julgado.

7 - Na mencionada «audiência», a Primeira Instância revogou a decisão que a própria (Primeira Instância) já tinha proferido e, sem qualquer iniciativa ou acto processual das partes nesse sentido ou a esse propósito, considerar a recorrente parte ilegítima, fazendo tábua-rasa do processado e ultrapassando o que o mesmo tribunal já tinha decidido.

8 - Independentemente de quem seja o titular do processo (e que pode voltar a sofrer alteração até à audiência final), o entendimento do tribunal já tinha sido adoptado e declarado.

9 - Não há sustentação legal, quer para que, num processo judicial, tenha lugar uma nova audiência ad hoc (para mais com a denominação de audiência de partes conforme consta do douto despacho recorrido - mas que, na prática, corresponde a nova audiência prévia), quer para decidir uma excepção que já tinha sido decidida na (verdadeira e única) audiência prévia de 5/12/2013.

10 - Não pode, no mesmo processo, haver duas audiências prévias ou, se se preferir, uma audiência algures entre a audiência prévia e audiência final, 11 - A Primeira Instância não pode, sem decisão superior nesse sentido (e ao invés, com uma decisão superior que ordena que os autos prossigam até final), revogar o que o mesmo Tribunal já decidiu, 12 - Esta Veneranda Relação determinou «o normal prosseguimento dos autos até final»(vd. parte decisória do Acórdão de 19/3/2015), o que não pode deixar de vincular, como, de facto, vincula todos os sujeitos processuais e a Primeira Instância.

13 - A quota social de que a recorrente, aquando da interposição da acção, era contitular foi objecto de um legado (vd. nOs 1 a 4 da p.i.), tendo sido registada a favor da recorrente e do outro contitular no correspondente registo comercial.

14 - Afastam-se, ab initio, todas aquelas situações em que a representação de uma quota social integrante de uma herança cabe ao cabeça-de-casal, face à circunstância de a administração do cabeça-de-casal não abranger legados.

15 - O que está em causa é saber se a recorrente, como contitular de quota social e também para defesa de direitos e interesses individuais, pode suscitar judicialmente a declaração de nulidade de uma deliberação social que viola disposições imperativas.

16 - A douta e vasta jurisprudência supra-citada afirma a legitimidade activa inquestionável de um contitular de uma quota social para impugnar uma deliberação social e para requerer a sua declaração de nulidade.

17 - As deliberações ora impugnadas são, além do mais, nulas, sendo a nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, conforme se pode comprovar (a propósito da invocada nulidade) no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/1/1993, Processo 79-811, in www.colectaneadejurisprudencia.com.

que afirma a nulidade de uma deliberação social e a qualifica como abuso de direito (do conhecimento oficioso do tribunal) a (deliberação) que aprova a não distribuição de lucros, como é o caso dos autos.

18 - A recorrente invoca, nos autos, a nulidade da deliberação impugnada, nulidade que, mesmo considerando as normas dos artigos 56.° a 62.° do Código das Sociedades Comerciais, "é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal"(art.286° do Código Civil) - neste sentido vd. Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758.

19 - O que está em causa nos autos é saber se pode ser aprovada uma deliberação social, que viola lei expressa e imperativa o art. 217 CSC) - existente até para defesa das minorias(que, de outra forma, estariam sempre à mercê do arbítrio e do abuso de poder das maiorias) e cuja nulidade, a seguir o entendimento da douta sentença recorrida, não pode ser suscitada por quem tem um claro e manifesto interesse também de natureza individual (in casu, a recorrente, que é contitular de participações sociais correspondentes, na sua totalidade a metade do capital social) e por quem é inequivocamente afectada por tal deliberação (pois vê vedado o acesso aos lucros do exercício que ficam, assim, nas mãos dos gerentes que são os demais titulares de participações sociais na R.).

20 - A violação do art. 217.º CSC pela deliberação (nula) impugnada nos autos consubstancia incumprimento de uma obrigação que impende sobre qualquer...

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