Acórdão nº 262/14.6TBCMN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MARIA CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A executada M veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por V, mediante embargos, alegando, em síntese, que o cheque dado à execução se encontra prescrito por ter sido apresentado a pagamento mais de 8 dias desde a data da sua emissão, não estando o mesmo dotado de força executiva, pese embora o exequente tenha alegado a relação contratual a ele subjacente.
Mais alega que o aludido cheque foi entregue ao exequente apenas como garantia de pagamento da quantia nele aposta (€ 50 000), correspondente ao sinal previsto no contrato promessa de compra e venda de um imóvel celebrado entre as partes, tendo a executada/embargante, na altura em que assinaram o aludido contrato, entregue ao exequente a quantia de € 50 000 em numerário, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, pedindo logo àquele que lhe fosse devolvido o cheque que havia entregue, desculpando-se o mesmo com o facto de o ter esquecido em casa e assegurando-lhe que o devolveria à executada através do seu mandatário Dr. B, tendo este posteriormente se recusado a entregar-lhe o cheque, alegando que o exequente não o tinha autorizado a entregar.
Invoca, ainda, a nulidade do contrato promessa subjacente ao título executivo, nos termos do artº. 410º, nº. 3 do Código Civil e por não ter sido lido nem explicado à executada/embargante, pois embora esta entenda algumas palavras em português, tem dificuldade em falar, ler ou escrever português.
Conclui, pedindo a procedência da oposição à execução e a condenação do exequente como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da embargante, em montante a fixar pelo Tribunal, bem como a entregar à embargante o cheque oferecido como título executivo por não ser legítimo possuidor do mesmo.
O exequente apresentou contestação, na qual impugnou a matéria invocada pela embargante no seu articulado inicial e defendeu a improcedência das excepções invocadas, alegando, em suma, que: - o cheque dado à execução, embora prescrito, pode servir de título executivo como mero quirógrafo, desde que o exequente alegue a relação jurídica subjacente, o que aconteceu “in casu”; - tal cheque foi-lhe entregue pela executada por forma a reservar para si a aquisição do aludido imóvel, tendo aquela pedido ao exequente que não o depositasse de imediato, pois estava a correr em França o processo de divórcio da executada, estando cativas à ordem do mesmo avultadas quantias a ela pertencentes; - o contrato foi devidamente explicado à executada, nunca tendo esta solicitado um exemplar do mesmo traduzido em francês, nem em momento algum revelou dificuldades na compreensão da língua portuguesa, para além de que a mesma bem sabia que estava a prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas apostas no contrato, sabendo igualmente que lhe está vedada a invocação de tal vício, agindo aquela em abuso de direito ao invocar a nulidade do contrato promessa.
Termina, mantendo no mais a versão invocada no requerimento executivo e pugnando pela improcedência da oposição.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de falta do título executivo suscitada pela embargante, foi definido o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, declarou extinta a instância da acção executiva apensa, julgando, ainda, improcedente o pedido de condenação do exequente/embargado como litigante de má fé.
Inconformado com tal decisão, o exequente/embargado dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I - Infere-se da sentença recorrida a omissão de pronúncia de duas questões cujo conhecimento se impunha não só pela delimitação do litígio pelas partes mas também para a boa decisão da causa.
II - A saber, no âmbito do apuramento da compreensão do português por parte da Executada, não se prendia no seu domínio do português no geral, mas antes concretizava-se em saber se aquela compreendeu o teor do contrato que outorgou e o preço (inscrito também em numeração árabe) combinado para o negócio prometido.
III - Outra questão prendia-se com o apuramento da razão pela qual o cheque mencionado em 1º dos factos provados apenas foi apresentado a pagamento em Fevereiro de 2014, já que os motivos apresentados pela Executada para o não depósito daquele cheque (e aceites pelo Exequente) relevam tanto para efeitos do início da contagem da prescrição da obrigação cartular como para a qualidade daquele cheque como título executivo cambiário.
IV - Sendo tais circunstancialismos fácticos relevantes e determinantes, impunha-se o seu conhecimento, pelo que a sua omissão constitui a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, vícios que expressamente se alegam e invocam para todos os efeitos legais.
V - No que concerne ao julgamento do facto provado 2), careceu o Tribunal a quo de precisar (fosse como provado, fosse como não provado) a razão da apresentação alegadamente tardia do cheque em causa, o que tem assaz relevância para a solução jurídica, como se invocou supra.
VI - Para o fazer, dispunha o Tribunal de prova concludente e que se citou, e também da conjugação desta com as regras da lógica e as da experiência comum.
VII - A concludência objectiva dos meios probatórios citados e da sua conjugação com as regras da lógica e ainda as regras da experiência comum revelam que ficou manifestamente comprovado que o cheque em apreço apenas não apresentado a pagamento em momento anterior por Exequente e Executada convencionarem que o cheque fosse depositado quando aquela pudesse pagá-lo.
VIII - No que concerne ao facto provado 12), a verdade é que o mesmo não se mostra consentâneo com a forma produzida, sendo até a motivação da sentença, neste particular, francamente frágil, deficiente e até contraditória – primeiramente, dá-se como inequívoco que a Executada percebe a língua portuguesa para, depois, se afigurar ao Tribunal a quo que a Executada tinha dificuldades em se expressar de forma fluente e fluída em português – o que não quer dizer que, mais facilmente ou mais dificilmente, não se venha a exprimir.
IX - Daí retirou conclusão absolutamente gratuita e infundada, além das regras da lógica e dos silogismos: a de que, partindo da premissa da alegada dificuldade em proferir oralmente frases em português, tenha dificuldades no português escrito (de ler e de escrever)! X - Além de não explicar como almejou tal conclusão, insustentada por qualquer meio probatório ou argumento de motivação, a mesma viola qualquer regra elementar da lógica ou da experiência comum.
XI - Acresce ainda a prova que a esse respeito foi produzida (e sem que o Tribunal beliscasse a idoneidade de tais testemunhos), donde resultou manifestamente a inexistência de dúvidas sobre o entendimento da Executada do português, fosse falado ou escrito.
XII - Destarte, não só é impossível antolhar qualquer lógica na conclusão formulada na motivação da sentença revidenda, como ainda a mesma é francamente contrariada pela prova produzida (além do próprio depoimento da Executada), que impõe decisão diversa.
XIII - Por fim, ao dar como não provado “que o teor do contrato aludido no ponto 4 do elenco dos factos provados tivesse sido lido e explicado à executada”, violou o Tribunal a quo as regras que dispõem sobre o ónus da prova, já que tal quesito resulta da conjugação dos factos alegados pela Executada nos artigos 32º, 33º e 38º dos seus Embargos, alicerçando aí esta a invocação de nulidade do contrato subjacente ao título executivo.
XIV - À luz do preceituado no artigo 342º, nº 2, do Código Civil e da melhor jurisprudência citada, é ao excepcionante, por se tratar de um facto extintivo do direito invocado pelo demandante, que cabe o ónus de provar os factos XV - No caso dos autos, tendo a Executada invocado tal facto extintivo ou impeditivo do direito de que o Exequente se arroga, era àquela que incumbia a prova do facto que alega (a não leitura e a não explicação do teor do contrato), pelo que, não tendo logrado tal prova – nem a sentença recorrida sobre tanto se pronuncia na motivação e na análise das provas produzidas –,a decisão do facto alegado tinha de ser proferida contra a parte onerada, a Executada-recorrida.
XVI - Devem, assim, ser revogados os pontos 2) e 12) da decisão da factualidade provada, devendo, em sua substituição, proferir-se decisão sobre os mesmos da seguinte forma: 2. O cheque aludido em 1. foi apresentado a pagamento pelo exequente apenas no mês de Fevereiro de 2014 por a Executada rogar consecutivamente o protelamento de tal apresentação por ainda não poder pagá-lo.
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A executada consegue entender o português e exprimir-se em português.
XVII - Deve ainda ser revogado o quarto quesito dos factos não provados e, em sua substituição, proferir-se decisão que consigne como não provado – que o contrato aludido no ponto 4. do elenco dos factos provados não tivesse sido lido e explicado à executada.
XVIII - No que concerne à decisão do direito, impõe-se a sua apreciação, num primeiro momento, relativamente à prescrição do cheque dado à execução.
XIX - Tendo presente que a única razão pela qual o Exequente não apresentou a pagamento o cheque em apreço no dia imediatamente subsequente à sua emissão foi a solicitação da Executada para que aquele não o fizesse, uma vez que ainda não o poderia pagar, crendo que o pudesse em breve, existiu uma convenção pela qual ficou estipulado que o Exequente apenas apresentaria o cheque a pagamento quando a Executada o pudesse pagar.
XX - À luz do disposto no nº 3 do artigo 306º do Código Civil, tal estipulação faz com que o prazo de...
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