Acórdão nº 777/17.4T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J. M. e mulher N. F. intentaram providência cautelar de restituição provisória de posse contra A. C. e mulher O. P. pedindo que, decretada a providência, sejam os requerentes restituídos provisoriamente à posse da servidão de passagem identificada nos artigos 12.º a 19.º, devoluta de coisas, para que os requerentes possam passar pelo mesmo, livremente e a qualquer hora do dia e da noite, a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica e ordenando-se aos requeridos que se abstenham de impedir tal utilização.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, sem prévia audição da parte contrária, após o que foi proferida sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e determinou a imediata restituição provisória da posse aos requerentes do caminho de servidão de passagem.

Os requeridos interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. Dos autos, que julgou procedente a providência cautelar de restituição provisória de posse requerida, tendo determinado a imediata restituição provisória da posse aos requerentes de um alegado caminho de servidão, sem prévia audição dos requeridos.

  2. Alegaram os requerentes que a favor do seu prédio e a onerar o prédio dos requeridos existe uma servidão de passagem, constituída por usucapião, e que os requeridos, sem o conhecimento ou consentimento dos requerentes, taparam tal caminho de servidão com areia, andaimes e outros objectos, assim impedindo os requerentes de aceder ao seu prédio. Mais alegando que não dispõem de qualquer acesso alternativo ao seu prédio.

  3. Entendem os apelantes que o Tribunal “a quo” não efetuou uma correta apreciação da prova produzida, tendo feito uma errada subsunção jurídica dos factos dados como indiciariamente provados e por decorrência, errada aplicação do direito.

  4. Com efeito, o Tribunal “a quo” deu como indiciados os factos constantes dos pontos 7), 8), 9), 10),11), 12) 13), 14) 15), 16) e 17), sem considerar nem valorar corretamente os elementos de prova existentes no processo, e que sempre determinariam uma decisão diversa, designadamente o indeferimento do procedimento cautelar.

  5. Desde logo, e quanto aos documentos juntos aos autos pelos requerentes com a petição inicial, os mesmos, salvo o devido respeito, não são suficientes para dar como indiciados os factos constantes da douta decisão, antes pelo contrário.

  6. Nesta sede, importa saber como classificar e que força probatória atribuir ao documento junto aos autos com a petição inicial, como 5, e que alegadamente constitui uma cópia de um pretenso “termo de transacção”, cujo teor o Tribunal “ a quo” deu como indiciado no ponto 12).

  7. Transacção alegadamente extraída de um processo, cujos autos contudo não indicam nem concretizam, e jamais juntam certidão judicial, porque bem sabem inexistir.

  8. Sendo que, não consta da referida fotocópia qualquer carimbo ou selo da entidade emissora, nem mesmo o suposto numero do processo. Ora, faltando no documento a menção de conformidade com o original, não pode o mesmo considerar-se como fotocópias públicas, ou seja, como fotocópias autenticadas nos termos do artº 387º, nº 1 do C.C..

  9. Pelo que, sempre deveria o Tribunal “a quo” ter determinado, nos termos do artigo 265º, nº3 do C.P.C., as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, convidando a parte a apresentar a respectiva certidão.

  10. Os documentos que não tenham os requisitos legais, como é o caso, não podem fazer prova plena nem indiciária, nem quanto às declarações atribuídas ao autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artigo 376º do C.C..

  11. Do pretenso “termo de transacção”, nem sequer resultam identificados os prédios em discussão, remetendo para o prédio “identificado no artigo 3º da petição inicial”, que curiosamente também não juntam. Não contem aquele documento qualquer elemento fáctico que permita identifica-lo como tendo conexão com o objecto da presente providência. Motivo pelo qual não se concede nem concebe que tal alegada transacção tenha sustentado a convicção do Tribunal “a quo” para dar como indiciado qualquer facto.

  12. O Tribunal “ a quo” deu como indiciados a factos constantes dos pontos 7) e 15), no sentido de que: 7) Para acesso ao identificado prédio dos requerentes existe um caminho de passagem a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica de qualquer natureza, que se inicia junto ao caminho público/Rua …, freguesia de …, Fafe, entra no prédio dos requeridos, acima descrito, (…) 15) O dito caminho é o único acesso a pé, com animais, veículos de tracção animal e mecânica para o prédio dos requerentes acima identificado.

  13. Contudo, atentos os documentos juntos aos autos pelos próprios requerentes, resulta desde logo uma realidade bem diferente.

  14. Do teor do documento 2 junto com a petição inicial, que constitui uma certidão permanente do teor do prédio dos requerentes (descrito na conservatória sob o nº 674), do mesmo se extrai a existência de duas servidões de passagem, a saber: - Servidão de passagem registada pela AP 1726 de 2011/04/05: prédio serviente: 675/19970910 e prédio dominante: 674/19970910 – a exercer num caminho existente na extrema norte do prédio serviente, que atravessa no sentido norte/sul, numa extensão aproximada de 37m, com a largura de 4 metros. - Servidão de passagem, registada pela AP 978 de 2013/08/19: a pé e com veículos de tracção animal e a motor, a ser exercida através de um caminho com a largura aproximada de quatro metros e numa extensão de cento e sessenta metros, com início na estrema norte deste prédio até à estrema sul deste mesmo prédio, atingindo o prédio nº 476/…. Prédio Dominante: 674/…; Prédio serviente: 476/….

  15. Encontram-se assim registadas a favor do prédio dos requerentes duas servidões de passagem, as quais oneram dois prédios distintos, e que nem sequer atravessam ou têm qualquer ligação com o dito prédio dos requeridos.

  16. O prédio dos requeridos encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … (Cfr. documento que se junta e dá por reproduzido para os devidos efeitos legais e cuja junção se requer por ser imprescindível a boa decisão da causa e cuja junção não foi possível em momento anterior por ter sido a providência cautelar deferida sem prévia audição dos requeridos. (Doc. 1) q) Documento que, curiosamente, os requerentes também não juntaram não obstante alegarem a propriedade dos requeridos sobre tal prédio.

  17. Atenta tal omissão, e a importância fundamental de tal documento para esclarecimento dos factos, sempre deveria o Tribunal “a quo” ter oficiado pela sua junção antes de decretar a providência. Tal documento permitiria ao julgador, sem sombra de dúvidas, confirmar que o prédio dos requeridos não coincide com qualquer das descrições prediais referidas como prédios servientes, e mais, que no prédio dos requeridos não se encontra registada qualquer servidão predial, como se imporia caso tivesse existido qualquer providência anterior com reconhecimento daquele direito.

  18. Aliás, nem faria sentido que os requerentes viessem invocar a usucapião para reconhecimento de um direito que já teriam levado a registo. Acto que certamente teriam efectuado se de facto tal servidão, a onerar o prédio dos requeridos, estivesse reconhecida por qualquer transacção judicial como, falsamente, alegaram os requerentes.

  19. A verdade é que não existe qualquer servidão a onerar o prédio dos requeridos a favor do prédio dos requerentes.

  20. Uma leitura atenta dos documentos bastaria para desde logo dar como não indiciado o ponto 15), atendendo a que existem já duas servidões, a favor do prédio dos requerentes, e a onerar prédios contíguos àquele, devidamente constituídas e registadas, e com melhores condições do que a pretensa servidão que agora os requeridos pretendem ver reconhecida, atenta a largura de tais servidões (4 metros), possibilitando a passagem a pé, com veículos de tracção animal e com motor. – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.

  21. Servidões essas que, servindo o prédio dos requerentes, lhes possibilita a passagem para aquele seu prédio. Não se compreendendo nem se admitindo a invocação de qualquer prejuízo decorrente de uma alegada impossibilidade de aceder ao seu prédio.

  22. Assim, nunca poderia o Tribunal “a quo” dar como indiciado que o dito caminho de servidão “é o único acesso a pé, com animais, veículos de tracção animal e mecânica para o prédio dos requerentes.”.

  23. Sempre deveria a M.ª Juiz “ a quo” ter oficiado pelo esclarecimento da existência daquelas duas servidões, cujos elementos constavam dos autos, e que se encontram devidamente registadas nos respectivos prédios.

  24. Ao não ter procedido nesta conformidade, ocorreu uma nulidade, por omissão de diligências, que sempre se reputariam como fundamentais à descoberta, ainda que indiciaria, da verdade material.

  25. ...

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