Acórdão nº 2876/14.5T8BRG de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. M.

    , melhor identificada nos autos, e A. V.

    , representada por sua mãe M. M. e com ela residente, intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra “MV, Construções, Lda.”, “ÁGUAS Y, SA.”, “SG, AB, ACE”, e “Granitos, Lda.”, também todas identificadas nos autos, pedindo: a. A declaração de que as Autoras são, conjuntamente com o filho T., as únicas e universais herdeiras do falecido A. M.; b. A condenação da lª Ré a pagar às Autoras o valor global de € 85.000; c. A condenação das 2ª, 3ª e 4ª Rés a pagar às Autoras a quantia de € 210.892,00; d. A condenação de todas as Rés no pagamento de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

    Alegaram para tanto, em síntese, que correu termos no 3.° Juízo do Tribunal de Trabalho de Penafiel o processo com o nº 685/06.4TTBCL, em que a 1ª Ré, entidade patronal do falecido A. M. foi condenada a pagar à Autora M. M. e aos seus dois filhos a pensão anual agravada de € 8.471,00, até aqueles atingirem as idades de 18, 22 ou 25 anos, e exclusivamente a favor da Autora M. M. a mesma pensão, depois de os filhos deixarem legalmente de ter direito à pensão.

    O acidente que vitimou o marido da Autora M. M. ocorreu em 23.10.2006, altura em que o falecido trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da lª Ré, no exercício das suas funções de trolha, mediante o salário declarado de € 5l0 x 14 + € l2l x ll de subsídio de alimentação, numa obra pertencente à 2ª Ré, sendo empreiteira a 3ª Ré e subempreiteira a 4ª, a qual celebrou com a 1ª um contrato de prestação de serviços por força da qual esta lhe forneceu a mão-de-obra para a execução do serviço.

    O acidente ocorreu quando o A. M. se encontrava a proceder a um encaixe de tubos numa vala, a qual havia sido aberta com uma máquina escavadora que aí também se encontrava, pertencente à 3ª ré. A dada altura, várias terras e pedras que haviam sido colocadas completamente encostadas à margem da vala, mesmo junto à parede térrea da mesma, deslizaram e caíram para o interior da vala, sendo que, ao caírem, atingiram o A. M. na zona da cabeça, causando-lhe as lesões descritas no relatório de autópsia, que lhe determinaram, como consequência direta e necessária, a morte.

    Segundo as AA, à medida que a vala fosse sendo aberta devia ter-se procedido à sua entivação e à colocação das terras, paralelos de granito e outras pedras que fossem sendo retiradas, a distância superior a um metro da parede da mesma e que o plano de segurança da obra e a sua obrigatória fiscalização eram da responsabilidade dos vários intervenientes na mesma.

    Que tendo o acidente ficado a dever-se à violação de regras de segurança no trabalho, as 2ª, 3ª e 4ª Rés são também responsáveis pela indemnização dos danos ainda não ressarcidos e direta e necessariamente consequentes da sua ocorrência, por força, designadamente, do disposto no artigo 8° do Decreto-Lei nº 441/91, de 14.11.

    Acresce que, à data da sua morte, o falecido A. M. era casado com a Autora e tinha dois filhos, com 09 e 14 anos de idade, respectivamente, sendo o seu salário pago em função do número de horas efetivamente prestado e à razão de € 5,50 por cada hora de trabalho. Ora, trabalhando o A. M. de segunda a sexta-feira e, em média, nunca menos de 9 horas por dia, a sua retribuição média mensal era superior a € 1.000,00.

    A Autora, como doméstica que era e continua a ser, vivia, em exclusivo, do produto do trabalho do marido, o qual mantinha com ela uma sólida, amiga e confiante relação conjugal, sendo que do valor recebido do seu salário o casal retirava a parte necessária aos gastos diários de cada um e, bem assim, ao sustento dos dois filhos de ambos, com quem se estima gastassem a quantia média mensal da ordem dos € 400,00 (€ 200,00x2), pelo que a morte do A. M. privou as Autoras de meios de regular e adequada subsistência, tendo os mesmos passado a sobreviver com carências que, até então, desconheciam.

    O A. M. tinha 32 anos quando faleceu, era um homem saudável, vivia com alegria e era estimado por familiares e amigos e devotava à esposa e filhos muita amizade e carinho, pelo que as Autoras sofreram intensamente desde a data em que tiveram conhecimento de que o A. M. havia sofrido acidente mortal, dor que ainda se mantém.

    Acresce que a morte do A. M. não ocorreu imediatamente após o sinistro, sendo certo que os minutos que se seguiram ao acidente foram para ele de intenso sofrimento e de uma angústia incalculável face à percetível consciência de que a morte poderia advir-lhe.

    *Regularmente citadas, a Ré Granitos X apresentou contestação, na qual invocou a incompetência absoluta do Tribunal, a sua ilegitimidade, a exceção de caso julgado e a prescrição do direito das AA.

    Impugnou ainda a factualidade invocada na petição, nomeadamente que o falecido A. M. tenha sido seu trabalhador; que não desrespeitou as prescrições de segurança no trabalho; que o artigo 18°/2 da Lei de Acidentes de Trabalho é aplicável aos casos de responsabilidade criminal, o que não é o caso; que a responsabilidade da elaboração do plano de segurança e de saúde no trabalho é do dono da obra; e que as obrigações convencionadas no contrato de subempreitada são intransferíveis para si, por se tratar de normas de interesse e ordem pública, não podendo ser afastadas por disposições contratuais.

    A Ré ÁGUAS Y, SA, apresentou também contestação, onde invocou também a prescrição dos direitos das AA e sustentou que a execução das obras foi adjudicada à 3ª Ré SG, tendo acordado com aquela que todos os danos e prejuízos decorrentes da execução das obras seria da exclusiva responsabilidade daquela.

    Mais alegou que contratou uma empresa para fiscalizar e implementar o plano de segurança na obra e que assegurou, através dessa empresa, diversas ações de divulgação do conteúdo do plano.

    A Ré SG apresentou também contestação onde invocou também as exceções de incompetência do Tribunal e de prescrição dos direito invocados pelas AA. Aceitando parte da factualidade invocada, referiu que após ter celebrado contrato de empreitada com a 2ª ré, concluiu contrato de subempreitada com a 4ª Ré Granitos X no que toca à frente de trabalho onde ocorreu o sinistro, tendo estipulado que esta última efetuaria os trabalhos necessários a garantir a segurança da obra a seu cargo e dos trabalhadores, sendo responsável por todas as reclamações de terceiro.

    Adicionalmente, alegou que desenvolveu procedimentos de segurança para prevenir os riscos especiais dos trabalhos de aberturas de valas que estavam em causa, através da divulgação da ficha técnica/segurança - avaliação de riscos/atividades - abertura de vala, monitorizando sessões de acolhimento, onde o sinistrado/trabalhador esteve presente.

    A Ré MV Construções, L.da, não apresentou contestação.

    *Foi proferido despacho saneador onde se julgaram improcedentes as exceções de Incompetência do tribunal, de Ilegitimidade da ré Granitos X, de Caso julgado e de Prescrição, invocadas pelas rés, (questões já transitadas em julgado).

    *As Autoras e as rés, “ÁGUAS Y, SA”, “SG”, e “Granitos X, Lda”. declararam admitir por acordo a matéria julgada provada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo de trabalho com o nº 685/06.4TTBCL, com a ressalva, quanto à al. 27, de que apenas aceitaram que não se procedeu à entivação da vala em discussão nestes autos (cfr. fls. 1013), acordo ao qual a Ré “MV, Lda”, aderiu sem reservas (fls. 1056).

    *Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência: 1. Absolvo as Rés ÁGUAS Y, SA, e Granitos X, Lda, do pedido; 2. Condeno solidariamente as Rés MV, Construções, Lda, e SG, AB: i. A pagar às Autoras M. M. e A. V. a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), pela perda do direito à vida de A. M.; ii. A pagar às Autoras M. M. e A. V. a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais experimentados pelo A. M. desde o sinistro até à sua morte; iii. A pagar à Autora M. M. a quantia compensatória de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), pelo dano não patrimonial sofrido com a morte do marido; iv. A pagar à Autora A. V. a quantia compensatória de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), pelo dano não patrimonial sofrido com a morte do pai; v. A pagar os juros de mora que se vencerão desde a presente sentença até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis…”.

    * Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a 3ªa ré “SG, AB” interpor o presente recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “

  2. Competia ao Tribunal a quo, com base nos factos provados e nas normas aplicáveis, aferir da verificação, ou não, no caso, dos pressupostos dessa responsabilidade, bem como das circunstâncias excludentes da mesma.

  3. Nada disto sucedeu neste caso, tendo o Tribunal a quo optado, na apreciação da prova produzida quanto à culpa do trabalhador sinistrado por uma versão dos eventos sem qualquer sustentação nos factos provados, em detrimento daquela que destes resulta claramente - com evidentes reflexos na decisão que ora se impugna.

  4. Afirma a sentença recorrida que apesar de "ter sido veiculada" ao trabalhador sinistrado "a regra da necessidade de entivação de valas para garantir a sua estanqueidade", "não se provou que lhe tivesse sido transmitido a especifica profundidade de 1,20 mts a partir da qual a vala teria de ser entivada".

  5. E baseia esta sua convicção exclusivamente no depoimento do trabalhador P. C., colega do sinistrado, que "aludiu que a informação que era transmitida" (sem esclarecer onde e por quem), "dizia que a necessidade de entivação era apenas a partir de 1,50 mts", invocando como evidência de tal "ter penetrado no interior de outras valas com essa profundidade em que tal não foi exigido".

  6. Contudo, ao conferir a este depoimento (alegadamente) "sincero" e fundado na "experiência em obra" do trabalhador "preponderância face aos...

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