Acórdão nº 280/16.0T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução06 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

Nos autos de instrução com o NUIPC 280/16.0T9BRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Instrução Criminal de Braga - J2, foi proferida decisão instrutória, em 03-04-2017, a não pronunciar os arguidos P. F. e A. F., pela prática, cada um deles, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e de um crime de coação, previsto e punido pelo art. 154º, n.º 1, do mesmo diploma, que lhes eram imputados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente J. M., na sequência do arquivamento, nessa parte, do inquérito.

  1. Inconformado, dela recorreu o assistente, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se reproduzem[1], nas quais, em termos indevidos e desapropriados, se refere à decisão recorrida como “sentença”, alude a factos julgados como provados e como não provados e faz apelo ao art. 412º do Código de Processo Penal: «CONCLUSÕES: 1. Os depoimentos, das testemunhas M. I. R. e M. C. P., diga-se em abono da verdade, foram altamente sérios, credíveis, imparciais e isentos, com vasto conhecimento na matéria de facto, e como tal coerentes com a verdade dos factos ocorridos, que só por estas foram testemunhados, pelo que não podem os mesmos ser desvalorizados, não podendo deixar de ser considerados e declarados como prova válida para aferir da verdade dos factos em sede de julgamento.

  2. No que diz respeito ao depoimento dos agentes da PSP, o facto de estes afirmarem que não ouviram o arguido proferir qualquer ameaça, não pode descredibilizar na totalidade o depoimento das testemunhas arroladas pelo recorrente, na medida em que este testemunho dado antecede a chegada dos mesmos agentes ao local, pelo que, a contradição de testemunhos, a existir, apenas poderá respeitar ao repetir das ameaças na frente dos mesmos.

  3. Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) e b), n.º 3, do art. 412.º do CPP, que este facto foi incorretamente julgado como não provado.

  4. O depoimento prestado pelo arguido A. F. em sede primeiro interrogatório, onde este assume de forma livre e sem reservas, como sendo verdade, ter ameaçado cortar o pescoço ao recorrente ao dizer “se for verdade tu teres batido na M.

    , corto-te o pescoço!” foi indevida e totalmente desconsiderado pelo tribunal “a quo”, devendo o mesmo ser colhido como confissão dos factos que são imputados ao arguido, não beneficiando o mesmo do princípio in dubio pro reo.

  5. Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) e b), n.º 3, do art. 412.º do CPP, que também este facto foi incorretamente julgado como não provado.

  6. A confissão integral e sem reservas do arguido A. F., em conjugação com o depoimento das testemunhas M. I. R. e M. C. P., dá como integralmente provado que ambos os arguidos agiram de modo intimidatório e reiterado, com a intenção clara de amedrontar o recorrente com um crime contra a vida e contra a integridade física deste, sentindo-se este de tal forma assustado e perturbado com o comportamento ameaçador dos arguidos que se sentiu impelido a chamar a polícia.

  7. Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) e b), n.º 3, do art. 412.º do CPP, que também este facto foi incorretamente julgado como não provado.

  8. Os arguidos não desconheciam que com a coação e ameaças infligidas ao recorrente, estavam a provocar-lhe medo e inquietação de poder ser alvo de violência, condicionando a liberdade de decisão e ação do mesmo.

  9. Os arguidos agiram ambos de forma livre, voluntária e consciente, não obstante saber que aquela conduta era proibida por lei.

  10. Os pressupostos do tipo legal do crime de coação estão todos reunidos: “Quem (Os arguidos), por meio de violência ou ameaça com mal importante (…se ficares numa cadeira de rodas já tens muita sorte, isso é, se não fores para a cova…estamos aqui para a cobrar e tu vais ter de pagar, a bem ou a mal …corto-te o pescoço), constranger uma pessoa a uma ação ou omissão…” (Vais ter de pagar 10 mil euros que deves … estamos aqui para a cobrar e tu vais ter de pagar …a bem ou a mal).

  11. Os pressupostos do tipo legal do crime de coação agravada pela al. a) do n.º 1 do art. 155.º estão também reunidos: “Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos;” (…isso é, se não fores para a cova… corto-te o pescoço).

  12. Os pressupostos do tipo legal do crime de ameaça estão todos reunidos: “Quem (Os arguidos), ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal…ou bens pessoais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação…”.

  13. Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) e b), n.º 3, do art. 412.º do CPP, que também este facto foi incorretamente julgado como não provado.

  14. A Juiz “a quo” dentro da sua livre apreciação das provas produzidas, não observou nem considerou como provados factos amplamente comprovados pela prova careada para os autos, e que deveria tê-lo feito.

  15. Os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrente e o depoimento do arguido A. F. juntos aos autos levam a concluir que existe um nexo causal entre as ameaças proferidas contra o recorrente e os arguidos A. F. e P. F., como sendo estes que lograriam com as mesmas, assim como ficou provado que seriam estes os mandantes das mesmas, não existindo outra leitura possível de que assim não fosse.

  16. Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) e b), n.º 3, do art. 412.º do CPP, que também este facto foi incorretamente julgado como não provado.

  17. Existem nos autos indícios suficientes para que os arguidos sejam levados a julgamento, a contrário do que resulta da douta sentença recorrida.

  18. Na motivação da douta sentença proferida não se consegue descortinar o processo lógico e dedutivo que o Tribunal “a quo” seguiu, para chegar à conclusão da insuficiência de indícios que permitam afirmar que os arguidos com a sua ação não preencheram os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de coação e de ameaça.

  19. Na motivação da douta sentença proferida não se consegue de igual forma descortinar o processo lógico e dedutivo que o Tribunal “a quo” seguiu quando entendeu que os arguidos não constrangeram o recorrente, com dolo direto, consciente e de vontade, de através da ameaça e coação, constranger o recorrente na sua liberdade de decisão e ação.

  20. Por tudo exposto, devem os arguidos A. F. e P. F., ser pronunciados pela prática dos crimes de coação e ameaça agravada p. e p. pelos arts. 153.º n.º 1, 155.º n.º 1, al. a), e 154.º n.º 1, todos do C.P.

  21. Pelo que a Douta decisão instrutória deve ser alterada nos termos sobreditos.

    NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, se requer se dignem julgar o recurso interposto pelo Recorrente procedente, por provado, e por via dele, ser revogada a douta Sentença recorrida pelo digníssimo Tribunal a quo e, em consequência, serem os arguidos A. F. e P. F. condenados pela prática do crime de coação e ameaça agravada p. e p. pelos arts. 153.º n.º 1, 155.º n.º 1, al. a), e 154.º n.º 1, todos do C.P.

    Assim se espera, confiadamente, na certeza de que V. Ex.ªs. Venerandos Juízes Desembargadores, farão sempre a costumada e SÃ JUSTIÇA!» 3.

    O Exmo. Procurador da República junto da primeira instância respondeu desenvolvidamente à motivação do recorrente, suscitando a questão da inadmissibilidade legal da instrução e formulando as conclusões que a seguir se transcrevem: «CONCLUSÕES 1. No requerimento de abertura de instrução o assistente não indica os factos concretos pelos quais pretende que os arguidos sejam pronunciados, para além dos constantes dos artigos 14º a 20º, que se reportam apenas aos elementos subjetivos dos tipos legais de crime em causa.

  22. No que tange aos factos suscetíveis de preencher os elementos objetivos dos tipos legais de crime o requerimento de abertura de instrução é totalmente omisso.

  23. De facto, o assistente limita-se a efetuar uma reprodução textual dos depoimentos das testemunhas M. C. P. e M. I. R. e do auto de interrogatório do arguido A. F..

  24. O art. 287º, nº 2, do Código de Processo Penal prevê que o requerimento (de abertura da instrução) não está sujeito a formalidades especiais; porém, impõe que o mesmo contenha as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação. Mais acrescenta a norma em causa que tal peça deve conter os factos que se espera provar, sendo aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artº 283º alíneas b) e c).

  25. Devem assim estar formalmente respeitados e mencionados todos os elementos objetivos e subjetivos de um determinado crime, que irão permitir a posterior remessa do processo para julgamento, assim se limitando o tema decisório, enquanto vinculador da atividade do juiz de instrução.

  26. Não constando no RAI a narração de factos que preencham o elemento objetivo de qualquer crime, a instrução é inexequível, por falta de objeto e, por conseguinte, somos reconduzidos a uma inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cuja consequência deveria ter sido a rejeição do requerimento para abertura de instrução, mas tendo esta sido admitida o desfecho não pode ser outro que uma decisão de não pronúncia dos arguidos por não terem sido indicados nos autos quaisquer factos que preencham o elemento objetivo de qualquer crime.

  27. A M.ª Juiz de Instrução Criminal ao procurar nos depoimentos transcritos no requerimento de abertura de instrução os factos para pronunciar os arguidos está a ultrapassar a sua função materialmente judicial e assumir uma posição investigatória e de definição do objeto do processo, funções que não são da sua competência.

  28. Embora a M.ª Juiz tenha optado por proferir despacho de não pronúncia com fundamento na falta de indícios suficientes, certo é que deverá manter-se a...

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