Acórdão nº 3671/13.4TDLSB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | AUSENDA GON |
Data da Resolução | 06 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum singular nº 3671/13.4TDLSB.G1 da Instância Local, Secção Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, a arguida C. C.
foi submetida a julgamento e condenada, como autora de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, al. d) do C. Penal, na pena na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 6 e, ainda, no pagamento da quantia de € 32.287,50 (trinta e dois mil e duzentos e oitenta sete euros) e cinquenta cêntimos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do PIC até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta.
Inconformada com essa decisão, a arguida sustentou a sua absolvição por falta de prova bastante para a condenar no recurso que dela interpôs e cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões (sic): «1- O presente recurso, vem da não apreciação correta das provas e da sua conjugação com a lei.
2- A douta sentença assenta em prova não produzida em audiência, portanto assenta em não prova. Condenando pela negativa, e não ponderando o princípio in dúbio pro reo.
3- Toda a prova produzida em audiência de julgamento, todas as testemunhas da Assistente reconheceram, que nunca falaram com a Arguida / Recorrente e que nem a conhecem, mesmo quando se deslocaram ao Norte, estiveram sempre com o “gerente de facto”, designação dada pela Assistente à testemunha J. L..
4- Também, não se falou nem ficou demonstrado que o negócio foi tratado com a Arguida, ou que foi esta quem entregou o cheque ao Assistente, antes pelo contrário.
5- Assim nunca se poderia dar como facto provado que a entrega do cheque pela testemunha J. L. foi a pedido da Arguida, conforma consta no ponto 2. dos factos provados. O Tribunal a quo, extrapolou esta consideração, não se baseando em nada, ou em prova alguma.
6- No ponto 6. dos factos provados é referido que o cheque se encontrava na posse da Assistente, e que a Arguida era quem o tinha entregue, e que esta bem sabia que o mesmo ia ser apresentado a pagamento. Ora nada disto resulta dos autos ou da prova produzida, sendo mesmo uma contradição insanável da fundamentação, porque num ponto alega-se que a Arguida entregou, noutro alega-se que não entregou. E todos reconhecem que não entregou, mesmo todas as testemunhas, e elas é que estavam lá.
7- Ora em momento algum e em toda produção de prova se verifica que tenha sido a Arguida a entregar o cheque, e nada se prova que a Arguida ao realizar a declaração no Banco sabia que a mesma não correspondia á realidade. Esta executou a assinatura no cheque a mando do gerente de facto, e executou a declaração no banco, a mando do gerente de facto, até porque não conhecia os meandros do negócio, como, preço, modalidade de pagamento, etc.
8- Quando tudo foi tratado conforme é reconhecido por todas as testemunhas da Assistente, pela testemunha J. L., e todos reconhecem que nunca falaram com a Arguida e que esta nenhuma intervenção teve no assunto dos autos, excepto o ter preenchido o cheque em branco, tudo o resto foi tratado pela referida testemunha “gerente de facto”, nomeadamente, data, local de emissão, e montante, valor, desconhecendo por completo a Arguida todo esse contexto.
9- Esta testemunha funcionava como gerente de facto da empresa, tanto assim é, que tudo era tratado por este, desde contratos de fornecimento, acordos de pagamento, tudo o que fosse necessário á condução da sociedade “Empresa A, Unipessoal, Lda.”, como se infere até do próprio pedido cível da Assistente / Demandante e das declarações das testemunhas por si indicadas, que sempre trataram tudo com o J. L..
10- Esta testemunha J. L., referiu que foi por sua iniciativa que levou a Arguida ao Banco para subscrever a declaração de extravio, conforme indicação da Assistente.
11- Foi por iniciativa do Tribunal a quo foi requerido de Fls. 347 a 362 dos autos, informações junto da Direcção de Finanças, e junto da Segurança Social, onde se comprova de forma inequívoca que a Arguida é trabalhadora por contra de outrem, no caso concreto, da Associação de Apoio á Criança, desde há longos anos, o que demonstra que não podia ser gerente de facto da sociedade “Empresa A”, mas apenas gerente de direito. O próprio Tribunal dá como provado que a Arguida é auxiliar de educação, veja-se o ponto 14. dos factos dados como provados.
12- E numa contradição insanável, o Tribunal a quo, alega que a Arguida sabia de tudo e agiu com dolo.
13- A gerência de direito, é distinta da gerência de facto, e pelas regras da experiência comum, sabemos que isto ocorre em centenas de empresas neste País, até porque a Arguida / Recorrente ao cumprir um horário de trabalho na Associação de Apoio á Criança, não podia acompanhar obras, negociar com fornecedores, acompanhar os elementos contabilísticos da empresa, contratar pessoal, deslocar-se aos clientes, deslocar-se aos fornecedores, contratar trabalhadores, transportá-los, etc..
14- Assim, e perante a prova produzida em audiência, perante os depoimentos das testemunhas, perante os documentos incertos nos autos, nunca em momento algum o Tribunal podia dar como provados os factos incertos nos pontos 2., relativamente á frase “... a pedido da Arguida, ...”, e dar por provados os factos incertos nos pontos 6., 7., 8., e 9., devendo com base na prova produzida e nas regras da experiência comum, dar esses pontos como factos não provado.
15- Relativamente aos factos dados como não provados na douta sentença, o descrito nos factos 1., 5., 6., 7., 8. e 9., passarem a ser em face da prova existente nos autos e produzida em audiência, serem declarados como factos provados, e em consequência com esta alteração dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados, deve a douta sentença ser alterada em conformidade e consequentemente a Arguida / Recorrente ser absolvida.
16- Acresce o facto, de que a douta sentença não fundamenta nem motiva, o elemento subjetivo do crime, que é a ocorrência de dolo, nada da prova produzida indicia, quanto mais provar, que a Arguida agiu com dolo.
17- E faltando este elemento, não existe crime de falsificação e consequentemente não pode ocorrer condenação.
18- Por outro lado, o Tribunal a quo, não ponderou a ocorrência do in dúbio pro reo, principio esse que devia ponderar, atenta a falta de prova que sustente a acusação, produzida em audiência.
19- Ora, com direta decorrência do principio da presunção de inocência, encontramos o denominado princípio “in dúbio pro reo” , de acordo com o qual, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando eles se tenham, efectivamente, provado para além de qualquer dúvida, pelo que, em caso de dúvida, na apreciação da prova, a decisão não pode ser desfavorável ao arguido, (cfr Jesheck, “Tratado de Derecho Penal Parte General” trad. De Mir Puig Munõz Conde, Bosch, Barcelona, 1981, pág. 195).
20- Sobre essa matéria Figueiredo Dias ensina qua “à luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminosos, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser atribuídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados (cfr. Artigo “Direito Processual Penal” I Vol., Reimpressão de 1984, pág. 213) 21- E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termos o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, ou seja, relativamente aos factos desfavoráveis ao arguido, a dúvida conduzirá a que os mesmos se dêem como não provados. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio “in dubeo pro reo”.
22- A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio terá de ser insanável, razoável e objectivável. Em primeiro lugar, a dúvida terá de, ser insanável, prossupondo, por conseguinte, que houve empenho e diligência no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
23- Deverá ser razoável, ou seja, impõe-se que se trata de uma dúvida séria, argumentada e racional. A dúvida que é gerada, unicamente, pela preguiça ou pelo medo de decidir, não é uma verdadeira dúvida.
24- A dúvida deverá ainda ser objetivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjeturas e suposições.
25- Recentrando a nossa atenção no caso “a quo” identificadas as provas, feita a sua apreciação critica e considerando os explicitados critérios de valoração, não se dissiparam as dúvidas surgidas quanto à verificação da factualidade descritas nas alíneas a) a f), pelo que, face à persistência da dúvida razoável, entendemos que a mesma deve ser resolvida de acordo com o princípio in dúbio pro reo, que irá necessariamente aproveitar à arguida, permitindo ao Tribunal decidir no sentido que lhe é mais favorável, ou seja, no sentido da não verificação dos factos acima referidos.
26- A douta sentença, não faz uma aplicação correta nomeadamente, dos art.s 13º, 16º, 20º, 27º, 28º, 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, dos art.s 124º a 127º, do Código de Processo Penal e 256º, do CP.
».
No remate dessas conclusões, a recorrente requereu a realização de audiência (nos termos do art. 411º, nº 5 do CPP), por pretender alegar na conferência, nos termos dos art.s 419º, e 423º, ambos do C.P.P.
» para «que a sua defesa, seja melhor exposta nesse douto Tribunal de recurso, até porque não é este o recurso que o satisfaça».
O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 480.
O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso deduzido pela arguida, pugnando pela sua total improcedência, por entender que a decisão recorrida não violou...
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