Acórdão nº 98/14.4T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório N. L. intentou contra S. F. ação declarativa sob a forma de processo comum pedindo que: a) seja declarado e reconhecido o seu direito de propriedade relativamente ao prédio identificado no artigo 1º, bem como dos móveis descritos sob os artigos 15º e 16º; b) a Ré seja condenada a reconhecer tal direito de propriedade; c) a Ré seja condenada a restituir-lhe o dito prédio, devoluto de pessoas e os móveis aludidos em 15º e 16º; d) a Ré seja condenada a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra aquele seu direito; e) a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia mensal de € 250, a título de indemnização pela ocupação abusiva e ilegal desde Julho de 2014 e até efetiva desocupação, já computada em € 1.000; f) a Ré seja condenada a indemnizá-lo na quantia de € 2.500 a título de danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese, que é dono de uma casa de habitação, composta por cave e arrumos e rés-do-chão, sita na Rua de …, freguesia de …, Fafe, inscrita na matriz sob o artigo …, construída a expensas suas, em solteiro, em prédio rústico doado pelos seus pais, sendo que há mais de 20 anos, por si e antecessores o vem fruindo, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na convicção de exercer o direito de propriedade.

Quando casou com a Ré foram habitar nessa casa, que já se encontrava pronta no estado em que se encontra e mobilada, designadamente, com móveis de cozinha, frigorífico, fogão, forno, um quarto completo, móvel, três sofás e mesinha de centro na sala e mesa de apoio ao telefone no corredor, que adquiriu com dinheiro próprio; após a separação desde 27 de Agosto de 2013 e subsequente divórcio, a Ré continuou a habitar a casa com o filho menor, tendo ficado acordado que seria temporário e que, por sua vez, poderia usufruir da cave onde guardava a mota e carros, além de outros objetos, até que aquela, sem a sua autorização, mudou as fechaduras impedindo-o de usufruir daqueles bens; em 9 de Junho de 2014, por carta registada com aviso de receção, instou a Ré a restituir-lhe o prédio até dia 30 desse mês, o que não sucedeu.

Acrescenta que, atento o tipo de construção e localização, o valor locatício do imóvel é de € 250; sente frustração de não poder acautelar, tratar e rentabilizar o prédio, assim como menosprezado o seu direito, pois a Ré não se abstém da prática de atos vexatórios, o que lhe causa perturbação e o estigmatiza, retirando-lhe a habitual alegria de viver, pelo que pretende € 2.500 a título de compensação.

A Ré contestou, contrapondo que tendo determinado casar, em meados de 1997, decidiram adquirir em conjunto terreno para construir uma casa de habitação, acordando com um irmão e cunhada do Autor, verbalmente, a compra do prédio rústico denominado CD, sita no lugar da …, Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/… e inscrito na matriz sob o artigo …º, pelo valor de Esc. 1.500.000$00, cujo pagamento seria efetuado após ambos concluírem a casa, ao pai do Autor, para amortização de uma dívida de Esc. 8.000.000$00 que o vendedor e a esposa tinham para com aquele; em 2006 ambos entregaram € 2.500 em numerário ao pai do Autor, em 7 e 10 de Maio de 2007, por cheque, a mesma quantia. No entanto, na escritura, celebrada num momento em que não eram casados, só ficou a constar o Autor, embora os custos da escritura e os impostos tivessem sido suportados por ambos; depois da aquisição do prédio, diligenciaram ambos pela elaboração do projeto, cujo preço repartiram, assim como os custos da licença, tendo ambos negociado um crédito habitação no valor de € 59.855,75, o qual, apesar de outorgado pelo demandante tem sido pago também por si, como tem sucedido mesmo depois da dissolução do casamento; em finais de 1998 iniciaram a construção, que foi negociada por ambos e, em 4 de Janeiro de 2001, foi emitida a licença de utilização; em 25 de Julho de 2002 contraíram um novo empréstimo para liquidar as quantias em dívida relativamente à construção e instalar um sistema de aquecimento central; as mobílias e todo o recheio foram adquiridos por ambos depois do casamento; por acordo subsequente ao divórcio, esse prédio, porque casa de morada de família, ficou a si adstrito até à partilha, a qual ainda não foi realizada, pelo que entende estar legitimado o seu uso e que nenhum prejuízo causa.

Deduziu reconvenção pedindo: 1. a condenação do Autor a reconhecer que o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, nos termos do artigo 1726º nº 1 do Código Civil, foi um bem comum do casal e que agora pertence ao património conjugal indiviso de ambos, sem lugar a qualquer compensação, declarando-se o cancelamento do registo predial do mesmo existente a favor do Autor e em sua substituição a inscrição a favor do património conjugal indiviso pertencente a si e ao Autor; a) subsidiariamente, para o caso de improcedência, que seja declarada a aquisição como bem comum do casal, nos termos do artigo 1340º nº 1 do Código Civil, do prédio rústico de onde proveio o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e, assim, condenar-se o Autor a reconhecer que o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial é um bem comum do casal e que agora pertence ao património conjugal indiviso de ambos; b) para o caso de improcedência dos dois anteriores pedidos, que o Autor seja condenado a devolver ao património conjugal indiviso todas as quantias gastas pelo Autor e por si com a execução das benfeitorias realizadas no prédio rústico de onde proveio o prédio urbano descrito no artigo 1º da petição inicial, isto é, a quantia de € 75.000, bem como a devolver ao património indiviso a quantia de € 7.500 que em 2006 a 2008 foi utilizada para pagamento da aquisição do prédio rústico; 2. a reconhecer que até que se proceda à partilha do património conjugal indiviso do Autor e seu, o uso exclusivo do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial está adstrito a si; 3. a abster-se da prática de quaisquer atos que até à partilha do património conjugal indiviso do Autor e seu prejudiquem o uso normal por si do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial.

Acrescenta à anterior alegação que ambos contribuíram com os seus rendimentos para o pagamento dos € 75.000 que a construção da casa importou e que desse custo ainda devem € 49.926,28 ao Banco A, dívida que está a ser paga por ambos desde a sua contratação; o prédio urbano e seu recheio têm valor superior a € 110.000 e, porque a construção da habitação foi também por si executada, estava convencida que por incorporação no prédio urbano passaria a ser um bem comum do casal; também refere que sempre esteve de boa fé e que o valor do prédio rústico é muito inferior ao valor das obras, assim como que tais obras foram realizadas de boa fé e são insuscetíveis de levantamento.

O Autor replicou, admitindo que o prédio foi adquirido ao irmão e cunhada, mas afirmando que foi quem o negociou e pagou, sem intervenção da Ré, resultando a alegada doação de um lapso; o pai emprestou-lhes € 5.000 para entrada da aquisição de seis máquinas tendo para esse efeito contraído ambos o empréstimo de € 15.000; a quantia referida pela Ré no artigo 27º é a contrapartida pela ocupação da casa.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais. Após, o objeto do litígio foi definido, com enunciação dos temas da prova, sem reclamações e foram admitidos os meios de prova.

No início da audiência final, o Autor apresentou articulando superveniente alegando que a Ré entregou o prédio em discussão em 16 de Março de 2016.

Admitido liminarmente o articulado, a Ré aceitou aquela alegação, que foi incluída no tema de prova IV no elenco dos factos assentes por acordo.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte: “Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação e a reconvenção parcialmente provadas e procedentes: a) declara que o Autor N. L. é proprietário do prédio e dos bens móveis identificados nos pontos 6) e 21) da fundamentação de facto, respetivamente; b) condena a Ré S. F. no reconhecimento do direito de propriedade do Autor aludido em a); c) julga extinta por inutilidade superveniente da lide a instância correspondente aos pedidos formulados sob as alíneas c) e d) da ação e sob os nºs 2 e 3 da reconvenção; d) condena a Ré a pagar ao Autor o que vier a apurar-se em incidente de liquidação relativamente à ocupação do prédio identificado em 6) no período compreendido entre 1 de Julho de 2014 e 16 de Março de 2016; e) absolver a Ré do pedido de compensação por danos não patrimoniais formulado pelo Autor; f) absolver o reconvindo N. L. dos pedidos reconvencionais formulados pela reconvinte S. F. a título principal sob o nº 1 e a título subsidiário sob as alíneas a) e b). “ A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações da seguinte forma: I - Salvo devido respeito pela decisão proferida pelo Tribunal a quo, perante a prova produzida, não poderiam ter julgados como provados os factos descritos nos números 14; 15; 16; 17; 18; 19; 21; 22; 25; 26; 32; 33; 34; 36; 42 e 43.

Por sua vez, II - Perante a prova produzida, impunha-se que fossem julgados como provados os factos descritos artigos 9º; 12º; 13º; 18º a 24º; 28º; 30º; 31º; 32º; 34º, 37º, 40º; 44º; 44º (repetido); 45º; 46º; 49º e 52º da contestação.

Mais, III - Julgando-se como provado o facto descrito no número 35 dos factos provados, isto é, que “Após o casamento a Ré participava no pagamento das prestações do financiamento identificado em 7) [resposta ao artigo 26º da contestação].”, jamais poderia o Tribunal a quo decidir como decidiu, nomeadamente : c. Declarando que o Recorrido é proprietário do prédio e dos bens móveis identificados nos pontos 6) e 21) dos factos provados; d. Condenar a Recorrente no reconhecimento do direito de propriedade...

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