Acórdão nº 229/17.2T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Manuel e Maria intentaram, em 20-03-2017, no Tribunal de Vila Verde, contra José, este procedimento cautelar especificado de ratificação de embargo de obra nova.
Pediram que: a) Seja decretada judicialmente a ratificação do embargo extrajudicial efectuado pelos requerentes pelas 13h15m desse mesmo dia; b) Seja ordenada a demolição da parte inovada abusivamente construída após o embargo extrajudicial; c) Seja dispensada a audição prévia do requerido.
Alegaram, para tanto e em síntese, que: -São donos e legítimos proprietários de um terreno para construção urbana, sito na Rua … S. Miguel, que adquiriram, por doação do requerido, em 24-04-2000, e no qual em Julho seguinte construíram uma casa de rés-do-chão com a área coberta de 205m2. Q -Tal prédio confronta a Norte e a Poente com o prédio urbano do requerido, sito na mesma rua.
-No ano de 2000, este “entregou” àquele tal prédio urbano, bem como os prédios rústicos que com ele confrontam, “a título gratuito e por tempo ilimitado” (itens 7 e 8).
-Desde então e até agora, o requerente “tem-se servido dos respectivos prédios” (item 9) e, assim, nos rústicos, tem feito a poda e tratado das árvores de fruto e das videiras, sulfata as vinhas, limpa e fertiliza o terreno, plantou várias árvores de fruto como três pessegueiros e um limoeiro, “conservando e aumentando o valor da coisa imóvel”; e, no prédio urbano, tem utilizado os vários anexos aí edificados, onde aí guarda o feno e as alfaias, bem como cuida e cria animais como coelhos, galinhas e porcos.
-Tem “investido físico e economicamente” nos prédios e evitado a deterioração dos anexos do urbano, ao substituir as chapas da cobertura, colocar novas portas, pavimentá-los e reparar as fissuras que vão surgindo.
-“Realizou várias benfeitorias ao longo destes 16 anos, as quais eram necessárias para a não deterioração da coisa” (item 14).
-Em Abril de 2016, o requerido pediu ao requerente a restituição dos respectivos prédios e este pediu-lhe uma indemnização, no valor de €18.277,61, “a título de benfeitorias necessárias e úteis” (artº 1138º, nº 1, CC) e exerceu o seu direito de retenção (artº 755º, nº 1, e), CC) sobre a coisa imóvel, até total e efectivo pagamento das respectivas benfeitorias, continuando “a servir-se” do respectivo prédio urbano, onde mantém as alfaias e os animais.
-Sucedeu que, no dia 20-03-2017, o requerido iniciou a construção de um muro de vedação, “impedindo assim o acesso” do requerente e violando o aludido direito de retenção.
-Tal vedação irá causar-lhe “graves prejuízos”, pois deixará de ter acesso às alfaias que diariamente utiliza para trabalhar, deixará de alimentar e cuidar dos seus animais, das galinhas, coelhos e porcos, que precisam de atenção diária, e perderá ainda a garantia real de que goza para assegurar o cumprimento do crédito de que é titular.
-Por isso, os requerentes, neste dia, às 13h15, na presença de duas testemunhas, dirigiram-se ao responsável da obra, notificando-o de que a vinham embargar, para não a continuar, pois não podiam ficar sem o acesso ao prédio deste.
-Porém, o encarregado da obra prosseguiu.
Não dispensado o contraditório e, para o efeito, citado o requerido, deduziu este oposição, alegando: - Ocorre ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, uma vez que não está factualmente caracterizado na alegação qual o direito ofendido nem o tipo de obra.
-Aceita por verdadeira uma parte mas impugna a outra dos factos alegados, sendo certo que os prédios confrontam porque o oponente doou aos requerentes, seus sobrinhos, a parcela onde estes ergueram a sua habitação.
-Acrescenta que é falso ter-lhes entregue qualquer prédio a título gratuito e por tempo ilimitado, no ano 2000.
-Os requerentes não têm qualquer crédito, pois sempre o requerido custeou as despesas e os trabalhos eram feitos em colaboração.
-O litígio prende-se com a frustração daqueles por não lhes ter doado tudo e, entretanto, ter ido viver com uma companheira.
Uma vez julgada improcedente a ineptidão da petição inicial invocada, apreciaram-se os requerimentos de prova e designou-se a audiência final, que teve lugar, em várias sessões, com inspecção ao local, nos termos e com as formalidades narradas nas actas, tendo na 3ª, de 16-06-2017, sido ouvida a testemunha JF (constando na acta que todo o depoimento foi gravado), na 5ª, levada a cabo em 29-06-2017, terminada a produção de prova (no final da respectiva acta constando: “Esgotada a produção de prova, o Mm.º Juiz concedeu a palavra aos Ilustres Mandatários para alegações, findas as quais proferiu Despacho a declarar encerrada a audiência, designando o próximo dia 10 de Julho, pelas 14:00 horas, para a Leitura da Decisão”) e na 6ª, ocorrida em 10-07-2017, sido proferida e vertida em acta a sentença que culminou na seguinte decisão: “Nestes termos e pelo exposto, julgo improcedente a providência e, em consequência, indefiro a ratificação do embargo extrajudicial efectuado pelos Requerentes.
Custas pelos Requerentes – Cfr., art.º 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe”.
Tal sentença foi notificada pessoalmente, na Secretaria do Tribunal, à Exmª Advogada dos requerentes Drª CF, em 10-07-2017 (fls. 175 do “histórico”) e, em 12-07-2017 (fls. 177), foi entregue à mesma a cópia da gravação da audiência.
Entretanto, por requerimento entrado no Tribunal em 24-07-2017, os requerentes, ao abrigo dos artºs 155º, nº 4, e 195º, do CPC, arguiram a nulidade da referida gravação, alegando que o depoimento da testemunha JF só foi gravado na parte preliminar faltando o restante, o que influencia o exame e a decisão da causa e constitui “irregularidade gravíssima” e, portanto, nulidade.
Sobre este requerimento, foi proferido o despacho com data de 05-09-2017, que em parte se transcreve: “[…] Resulta dos autos que: 1- Em 16 de Junho de 2017 teve lugar sessão de julgamento nos presentes autos, no âmbito da qual a testemunha JF prestou depoimento (Cfr., fls. 45 a 47); 2- O depoimento dessa testemunha não se encontra gravado, salvo na parte relativa ao interrogatório preliminar; 3- Em 29 de Junho de 2017 foi encerrada a discussão, com inquirição de duas testemunhas e alegações orais (Cfr., fls. 48); 4- Em 10.07.2017 foi proferida reaberta a audiência e lida sentença (Cfr., fls. 49 a 65); 5- Em 12.07.2017 foi entregue à ilustre mandatária dos Requerentes CD, pela própria fornecido, contendo cópia da prova produzida em sede de audiência final (Cfr., fls. 68).
[…] O normativo acima transcrito [artº 155º, CPC], ao fixar prazos apertados para a disponibilização da gravação e arguição da falta ou deficiência da mesma, visou resolver questão anteriormente controvertida – a de saber se a parte podia invocar tais vícios nas alegações de recurso – por forma a permitir o seu conhecimento e eventual suprimento na primeira instância, com manifesto ganho de celeridade e economia processual.
O legislador estJoséeceu, deste modo, um dever da secretaria – o de disponibilizar a gravação no prazo de dois dias a contar do respectivo acto – e um ónus das partes – o de invocar a falta ou deficiência da gravação no prazo de 10 dias a contar da disponibilização da gravação.
Tudo para evitar que a questão da falta ou deficiência da gravação seja arrastada até uma fase tardia do processo, eventualmente para a fase do recurso.
Tendo em conta o desiderato legal – o de suprir o quanto antes e o mais imediatamente possível a falta ou deficiência da gravação –, impõe-se considerar que o prazo de dois dias para a sua disponibilização, no caso de audiência de julgamento que se prolongue por várias sessões, se conta a partir de cada sessão – Cfr., neste sentido, João Correia et al, Introdução ao Estudo e à Aplicação do CPC de 2013, pág. 35, nota 24.
Cabe, então, perguntar o que sucede quando a secretaria não faculta a gravação da prova. Designadamente, se a parte tem o ónus de arguir essa omissão e em que termos.
Em nosso entender e conforme já decidido no Ac. da Relação de Coimbra de 10.07.2014, proc. n.º 64/13.7T6AVR-A-C1, disponível em www.gde.mj.pt.
, no Ac. da Relação de Coimbra, de 23.06.2015, C.J.
, Ano XL, t. III, pág. 23, e no Ac. da Relação de Coimbra, de 20.04.2016, Proc. n.º 234/10.0TTCTB.C1, disponível em www.gde.mj.pt, quando a secretaria não faculte a gravação no prazo legal, a parte interessada tem o ónus de arguir a nulidade resultante dessa omissão, dispondo para o efeito do prazo geral de 10 dias – Cfr., artigos 149.º, n.º 1, e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Só então, desencadeado o acto pressuposto pelo art.º 155.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – mesmo que esse acto corresponda ao assumir da falta de gravação – poderá a parte invocar a falta ou deficiência da gravação.
Ora, sendo assim, não pode a parte, perante a falta de entrega da gravação no prazo de dois dias, quedar-se numa posição de inércia, limitando-se a esperar pela prática desse acto e, só após este, invocar a falta ou deficiência da gravação, pois que, desse modo, saíram frustrados os objectivos do novo regime processual.
No caso dos autos, verifica-se que os Requerentes vieram requerer a entrega da gravação, quando já se encontrava largamente decorrido o prazo estJoséecido no art.º 155.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e, bem assim, o prazo para ser arguida a omissão de entrega.
É, por isso, intempestiva a arguição da nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação da sessão realizada em 16 de Junho de 2017.
Face ao exposto, indefiro o requerido a fls.69. ” Tal despacho foi notificado às partes por nota elaborado no dia 06-09-2017 e comunicada via Citius.
Inconformados, os requerentes, em 12-09-2017, interpuseram recurso, para tal alegando e concluindo: (1) ”1º Os Autores vem interpor o presente recurso de apelação, o qual recai sobre a matéria de facto e de direito, por estarem em tempo de exercerem o seu direito.
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Os Recorrentes propuseram uma ação...
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