Acórdão nº 42/14.9TBMDB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução02 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: Junta de Freguesia A.

Recorridos: J. G.

e M. G.

* Comarca de Vila Real – Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1.

* Relator: António José Saúde Barroca Penha.

  1. Adjunto: Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha.

  2. Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.

* *Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A Junta de Freguesia A, com sede na Av. Dr. …, concelho de ..., intentou a presente ação popular contra J. G.

e mulher M. G.

, com domicílio na Rua …, freguesia e concelho de ..., peticionando:

  1. Declarar-se que o caminho supra identificado em 5.º da petição inicial é um caminho público de ...; b) Condenar-se os RR. a reconhecer que o identificado caminho faz parte do domínio público municipal de ...; c) Condenar-se os RR. a desocuparem o referido caminho, restituindo-o ao domínio público no estado em que se encontrava antes de ter sido abusivamente ocupado pelos mesmos, nomeadamente, condenando-os a retirar as pedras que aí colocaram.

    d) Condenar-se os RR. a absterem-se de praticar quaisquer atos impeditivos ou perturbadores do uso e fruição do caminho em causa nestes autos em toda a sua plenitude.

    Para o efeito, alegou, em suma, que: i) Os RR. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: Urbano, constituído por casa de habitação de r/c e 1.º andar com a S.C de 100m2 e quintal com 500m2, sito no Lugar da …, freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 992/…; ii) A nascente do indicado prédio dos RR., e a confrontar com este em toda a sua extensão, situa-se um caminho público, com o comprimento de 15 metros e a largura de 3 metros; iii) Desde os antepassados, há mais de 50, 60, 100 e 200 anos, e desde tempos imemoriais, que o referido caminho é utilizado pelo público em geral e em particular pelos moradores do lugar da … para permitir o acesso entre as gentes do lugar ao cemitério da freguesia A, que se situa naquele lugar da …; iv) Sendo utilizado sem qualquer oposição fosse quem fosse, na convicção de estarem a servir-se de uma coisa (caminho) afeta ao uso de todas as pessoas; v) Acontece que, há cerca de um ano e meio, os RR. decidiram ocupar abusivamente o caminho em questão, esbulhando, assim, o domínio público; vi) Colocando pedras de média dimensão junto à entrada do referido caminho, na parte em que este confronta com a estrada municipal que dá acesso ao santuário e cemitério, impedindo assim a passagem de pessoas e veículos através do mesmo caminho.

    Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pela autora, designadamente quanto à alegada existência de um caminho público a atravessar o prédio dos réus e em direção ao cemitério da freguesia de A, sendo certo que, a ter existido este alegado caminho público o mesmo já foi desafetado do domínio público há mais de 30 anos, com o alargamento de um caminho público que estabelece a ligação entre o lugar da … ao referido cemitério ou, eventualmente, poderá simplesmente considerar-se um “atravessadouro” sem qualquer utilidade pública legalmente permitida.

    Para além de concluir pela improcedência da ação, os réus vieram ainda deduzir pedido reconvencional, no qual peticionam que:

  2. Deve ser declarado o direito de propriedade dos RR. reconvintes sobre o prédio urbano identificado no artigo 60º deste articulado; b) Deve ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos RR. sobre a faixa de terreno que a A. qualifica de caminho público, referida no artigo 5º da petição inicial, como fazendo parte integrante do prédio urbano dos RR.; c) Mais deve a A. ser condenada a reconhecer tais direitos.

    A autora replicou, concluindo pela improcedência da reconvenção.

    Realizou-se audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo ainda sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Após produção de prova pericial, procedeu-se à realização da audiência final.

    Na sequência, por sentença de 23.01.2017, veio a julgar-se totalmente improcedente a ação e, em consequência, os réus absolvidos do pedido contra si formulado.

    Mais se julgou a reconvenção totalmente procedente e, consequentemente, decidiu-se:

    1. Declarar que os réus/reconvintes titulam o direito de propriedade sobre o prédio urbano e a faixa de terreno indicados em 1) e 2) dos factos provados; B) Condenar a autora/reconvinda a reconhecer o referenciado em A).

      Inconformada com o assim decidido, veio a autora Junta de Freguesia A interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES

    2. A sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do NCPC.

    3. Com efeito, a sentença padece de contradições, ambiguidades e obscuridades e não se encontra devidamente fundamentada, tendo ainda o Sr. Juiz deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.

    4. Nomeadamente, não fez o Sr. Juiz uma análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento em cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do NCPC, ignorando por completo o depoimento da testemunha A. S.

      , proprietário do prédio sito junto à casa dos RR.

    5. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou que o caminho em litígio é um caminho público, embora em desuso como tal, não se apurando desde quando.

    6. De forma imparcial e isenta referiram as testemunhas da A. que, através do referido caminho, a população dos mais diversos lugares da freguesia de A acedia quer ao cemitério sito no Lugar da ..., quer a outros lugares da freguesia, utilização essa que tem vindo a ser feita desde tempos imemoriais, sem oposição de ninguém.

    7. Ademais, as testemunhas foram unânimes em afirmar que a passagem se verificava antes da construção da casa dos RR.

      Este facto foi confirmado por todas as testemunhas indicadas pela A. que prestaram um depoimento isento, imparcial e credível, testemunhas estas que não tinham qualquer interesse na causa, ao contrário das testemunhas dos RR., a maioria suas familiares e as que não eram demonstraram nitidamente a sua preocupação em defender a tese dos RR., de que nunca ninguém passou no caminho em litígio.

      O Sr. Juiz cometeu erro notório na apreciação da prova, pois que considera que as testemunhas da A. confirmaram que o caminho é público, que as pessoas por ali passavam, mas que o fizeram sem a exigível “explicitação fáctica e concreção contextual”, uma expressão obscura que a recorrente não consegue descortinar, e como tal decidiu julgar não provado que o caminho em causa nos autos é público.

    8. As testemunhas da A. foram ainda unânimes a referir que o caminho em causa nestes autos permite o acesso pedonal e também o acesso à propriedade da testemunha A. S. com veículos automóveis, o que, além do mais, resultou do relatório pericial.

    9. O Sr. Juiz formou a sua convicção quase que única e exclusivamente com base no relatório pericial junto aos autos, o qual salvo o devido respeito, por opinião contrária, não tem a virtualidade de provar que a parcela de terreno em litígio não é um caminho público pois os peritos fazem o seu relatório sobre o que viram e não sobre um passado que não viram. Como é mais que óbvio não é com base no relatório pericial que se pode fazer essa prova, mas sim com base em prova testemunhal, como fez a A.

    10. Acresce, ainda que, olvidou o Sr. Juiz que a casa dos RR. foi construída em terreno baldio e que a estes apenas foi cedida uma parcela de terreno com 600 m2. Ora, a área ocupada pelos RR. é manifestamente superior aos 600 m2 e foi, por essa razão, que a A. requereu ampliação da perícia no sentido de ver esclarecida a seguinte questão: “Devem os Srs. Peritos proceder à medição da totalidade da área do prédio dos RR. e do caminho em causa nestes autos, discriminado a área total, quer de um quer de outro”. Entendeu, no entanto, o Sr. Juiz que tal questão se afigura manifestamente colateral para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, pelo que indeferiu o requerido.

    11. Ora, acontece que, era e é pertinente e essencial para a descoberta da verdade saber qual a área efetivamente ocupada pelos RR., pois como é sabido os baldios, nem direitos sobre baldios são suscetíveis de apropriação privada, nem de aquisição por usucapião, pelo que jamais os RR. adquiriram área superior a 600 m2 e se ocupam área superior a essa fazem-no indevidamente, porquanto jamais podem adquirir o direito de propriedade de terrenos baldios por usucapião.

    12. Assim sendo, sempre se impõe a remessa dos autos à 1ª instância para que se esclareça a questão suscitada pela A., essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

    13. As testemunhas dos RR. prestaram depoimentos vagos, comprometidos e pouco isentos, não tendo feito qualquer prova, nomeadamente referiram quaisquer atos de posse dos RR. no caminho em litígio, limitando-se a dizer que foi o pai do R. marido que abriu aquele acesso e que nunca ninguém passou por aquele caminho, o que foi contraditado pelas testemunhas da A. que referiram que o caminho é anterior à construção da casa dos RR.

    14. Sendo certo que, como todas as testemunhas referiram, todo aquele terreno era baldio.

    15. Por tudo o supra exposto, devem ser alterados os factos provados e não provados nos seguintes termos: - Ponto 2) dos factos provados deve ser alterado para não provado.

      - Ponto 3) dos factos provados deve ser alterado para provado nos seguintes termos: “Os Réus há mais de 15 e 20 anos, construíram e habitam a casa de habitação indicada em 1), com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, sem oposição de ninguém, com ânimo de quem exerce o direito de propriedade”.

      - Pontos 5), 6) e 7) dos factos não provados devem ser alterados para provados, devendo a redação do ponto 7) passar a ser a seguinte “O caminho sempre esteve aberto à passagem de pessoas a pé, de veículos automóveis para acesso à propriedade da testemunha A...

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