Acórdão nº 7474/16.6T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução02 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M. C..

Recorridos: A. C. e a sociedade “OCT, Lda” Tribunal Judicial da comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J1.

M. C.

requereu contra A. C. e a sociedade “OCT, Lda”, todas com sinais nos autos, a presente acção de jurisdição voluntária de destituição de titular de órgão social, onde enxertou procedimento cautelar de suspensão de gerente, pedindo a final que seja decretada a imediata suspensão da requerida A. C. do cargo de Administradora da sociedade “OCT, Lda” e nomeada provisoriamente como gerente da mesma sociedade a Senhora Dra. D. L..

Foi proferido despacho liminar que designou o dia para produção de prova, sem audiência prévia das requeridas.

Foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas pela requerente e perante a prova produzida, a providência solicitada foi decretada pelo Tribunal.

Foram citadas as requeridas, tendo A. C. deduzido presente oposição ao decretamento da providência cautelar decretada (cf. folhas 112 a 175).

Para tanto, alegou, em síntese, e para o que agora releva, que: A sociedade requerida, desde 2013, tem apenas como sócias a requerida e a requerente, irmãs, tendo a Requerente (e todos os anteriores sócios em 2012) conhecimento que a requerida tinha constituído e era Administradora da sociedade “MV, S.A”, desde que a dita sociedade foi constituída em 2012.

A sociedade requerida, apesar de ter no seu objecto social a “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim”, nunca comprou qualquer imóvel para revenda desde a data da sua constituição até aos dias de hoje.

A gerência da sociedade requerida nos últimos anos foi meramente de Direito, por não ser necessária uma efectiva gestão de facto da mesma, tendo os parcos actos societários se limitado a possibilitar a prestação de garantias a credores da “BV” e o financiamento indirecto desta, e não sendo por isso sequer uma gerência remunerada.

A criação da sociedade “MV, S.A.” é anterior à (segunda) nomeação da Requerente enquanto gerente da OCT, Lda (e da Requerida) em 2013, nomeação essa que ocorreu após a mesma, uns meses antes, ter renunciado à gerência da sociedade requerida, conforme resulta não só da certidão comercial já junta, mas também dos documentos que aqui se juntam. Quer em 2012, quer em 2013 (aquando da sua segunda nomeação), todos os sócios – na qual se incluía e inclui a Requerida- tomaram conhecimento da criação da dita sociedade e das funções de administradora assumidas pela requerida e não se opuseram a criação/existência da mesma nem à aceitação pela mesma de tal cargo.

A requerida não detém sequer 20% do capital social na dita sociedade, uma vez que há muito vendeu a quase totalidade do mesmo a familiares próximos e não exerce nela qualquer acto de gestão pois a empresa em causa detém apenas um imóvel, comprado em 2012, e em que pretendia então a Requerida “MV” e adquirir uma propriedade – que não foi adquirida para revenda – para usar como sua habitação no Fundão, para onde pretendia mudar, e dedicar à agricultura, e mais tarde, caso se interessasse para arrendar a mesma a turistas (tendo neste sentido sido alterado na altura respectiva o objecto social).

Conclui, assim, requerendo que seja considerada não provado e improcedente o procedimento cautelar, revogando-se a suspensão decretada e a manutenção da requerida no cargo de gerente da Sociedade Requerida. Juntou documentos, arrolou testemunhas e requereu o depoimento de parte das legais representantes da sociedade requerida.

Procedeu-se à audiência final a que alude o artigo 367.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), com observância do formalismo legal.

No início da audiência final a requerente foi notificada para exercer o contraditório quanto às excepções aduzidas em sede de articulado de oposição, o que fez nos termos da acta da audiência final e de onde resulta, em suma, que entende que as excepções devem ser julgadas improcedentes.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º3 do CPC, determino a revogação da providência decretada a folhas 65 a 85 e, em consequência, ordeno o levantamento da suspensão da requerida A. C. do cargo de gerente da sociedade “OCT, Lda”.

Inconformada com tal decisão, apela a Requerente, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1ª- A decisão recorrida revogou a que decretara a suspensão da Requerida pessoa singular face à constatação de que a Requerente tivera conhecimento de que a Requerida pessoa singular tinha constituído e era administradora da sociedade «MV, SA», «em data não apurada, mas pelo menos até ao dia 15 de Janeiro de 2013, não se tendo oposto à criação/existência da mesma nem à aceitação pela mesma de tal cargo (pontos 4. E 5. da matéria de facto provada).

  1. - Tomando como referência esses factos e o de a Requerente, no seu depoimento de parte, ter admitido que, quando a Requerida pessoa singular foi designada para o exercício das funções de gerente na sociedade Requerida no dia 16.05.2013, já era administradora da sociedade «MV, SA» (fundamentação dos citados pontos 4. e 5. da matéria de facto), 3ª- A decisão recorrida considerou: - Que o consentimento da Requerente para o exercício das funções de administradora pela Requerida pessoa singular numa outra sociedade com objecto social (em parte) idêntico, se presumia nos termos do art. 254º nº 4 do CSC; - que, de qualquer forma, o direito de invocar justa causa de destituição (ou suspensão) se encontraria prescrito pelo decurso do prazo de 90 dias a contar daquele conhecimento, nos termos do nº 6 do mesmo artigo.

    E com esses fundamentos julgou a Oposição procedente e revogou a decisão anterior que decretara a suspensão da Requerida pessoa singular.

    Ora: 4ª- Quanto ao primeiro ponto, e como refere Raul Ventura (Sociedades por Quotas, Vol. III, Almedina, p. 62), «(…) presume-se o consentimento, não vindo pois a lei ao ponto de considerar dado implicitamente o consentimento. Para ilidir esta presunção, deverá a sociedade provar que, apesar do conhecimento e da nomeação, não consentiu na continuação da actividade, o que, por exemplo, sucederá se nas negociações a nomeação tiver tido como pressuposto a cessação da actividade anterior do gerente».

  2. - Nesta sede, a sentença recorrida ponderou, e bem, que a Requerente, aqui recorrente, no seu depoimento de parte, confessara que efectivamente teve conhecimento do exercício do cargo de administradora da Requerida em 2013, mas que apenas não se opôs a que a esta exercesse tal cargo, porque na atura a Requerida lhe dissera que iria viver para o Fundão; e que tão-só em finais de 2016 constatara que afinal ela não iria concretizar o que lhe havia dito.

  3. - A referida presunção encontra-se dessa forma ilidida, pois que é certo que a confissão é indivisível e tem de ser tomada nos termos do art. 360º do Cód. Civil, o que é dizer, não é lícito colher a parte desfavorável rejeitando a parte favorável que justifica aquela – sendo também certo, outrossim, que, como acertadamente refere a decisão, embora tal não tenha sido inicialmente alegado, sempre poderia ser considerado, atento o disposto no artigo 5.º, n.º2, al. a) do CPC.

  4. - O referido depoimento consta da gravação áudio refª 20170303101045_5372530_2870548, minutos 43:40 a 52:00 – principalmente, no que ora tange, de minutos 49:15 a 52:00.

    Desse depoimento alcança-se que a Requerente teve efectivamente conhecimento da constituição da sociedade «MV, SA» e da qualidade de administradora da mesma de sua irmã, Requerido pessoa singular.

  5. - Mas igualmente se alcança que não se opôs a tal por sua irmã, por um lado, lhe ter dito que iria viver «para o Fundão» (o que implicaria a impossibilidade do exercício da gerência da sociedade Requerida).

    E, também, que, sendo o propósito da sociedade Requerida ser um «depósito» dos bens imóveis que as irmãs iam adquirindo (o que é aliás expressamente alegado pela Requerida), apenas passou a ver essa sociedade («MV, SA») como concorrente da sociedade Requerida a partir de finais de 2016, quando a irmã integrou vários bens imóveis nessa sociedade e não na sociedade Requerida.

    Antes, nos anos de 2013, 2014, 2015 e até finais de 2016, não a viu como concorrente por «confiar inteiramente na irmã».

  6. - O ponto 5. da matéria de facto deverá pois ser alterado, acrescentando-se à sua actual redacção, que é a seguinte, «5. Quando a requerente tomou conhecimento da criação da sociedade “MV, S.A.” e das funções de administradora assumidas pela requerida A. C. não se opôs à criação/existência da mesma nem à aceitação pela mesma de tal cargo», «por esta lhe ter dito que iria viver para o Fundão, tendo apenas em finais de 2015 descoberto que afinal aquela não iria concretizar o que lhe havia dito, não tendo tomado essa sociedade como concorrente da Requerida pessoa colectiva até ter constatado que a irmã integrara vários bens imóveis nessa sociedade e não na sociedade Requerida».

  7. - Devendo pois ter-se como ilidida a presunção do art. 254º nº 4 do CSC, aborda-se em seguida a questão da prescrição; neste item, cumpre desde logo ponderar que a justificação, em termos axiológicos, deste instituto, assenta designadamente nos seguintes vectores: - A defesa da certeza e segurança jurídica, que tende a beneficiar as situações de facto que se constituíram e prolongaram por determinado tempo, gerando, no interessado, a firme e fundada expectativa da sua consolidação; - O propósito de incentivar os titulares dos direitos a serem lestos no respectivo exercício, não deixando, pela sua injustificada e excessiva demora, adensar a ideia de que abdicaram deles.

  8. - Afigura subsistir uma contradição entre o preceituado no art. 318º al. d) do Cód. Civil, e o constante do art. 254º nº 6 do CSC, na medida em que aquele...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT